TJSP – CSM – Alienação fiduciária em garantia (propriedade superveniente) – Alteração da Lei nº 9.514/1997 pela Lei nº 14.711/2023 – Admissão do registro da alienação fiduciária da propriedade superveniente (artigo 22, §3º).

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      PODER JUDICIÁRIO

      TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

      CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

      Apelação Cível nº 1000125-58.2023.8.26.0126

      Registro: 2024.0000118341

      ACÓRDÃO

      Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000125-58.2023.8.26.0126, da Comarca de Caraguatatuba, em que é apelante FINANZA PRIME FOMENTO MERCANTIL SOCIEDADE UNIPESSOAL LTDA., é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE CARAGUATATUBA.

      ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento e julgaram a dúvida improcedente, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

      O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

      São Paulo, 16 de fevereiro de 2024.

      FRANCISCO LOUREIRO

      Corregedor Geral da Justiça e Relator

      APELAÇÃO CÍVEL nº 1000125-58.2023.8.26.0126

      APELANTE: Finanza Prime Fomento Mercantil Ltda

      APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Caraguatatuba

      VOTO Nº 42.986 

      Registro de imóveis – Dúvida julgada procedente – Alienação fiduciária em garantia (propriedade superveniente) – Alteração da Lei nº 9.514/1997 pela Lei nº 14.711/2023 – Admissão do registro da alienação fiduciária da propriedade superveniente (artigo 22, §3º) – Negócio jurídico celebrado antes da alteração legislativa – Irrelevância, por duas razões – Primeiro, pela inexistência de título contraditório indicativo da violação de direito de terceiro entre a data da celebração do negócio e a vigência da lei nova – Segundo, porque não havia vedação expressa à alienação fiduciária em garantia superveniente no regime original da Lei 9514/97 – Regime geral das garantias compatível com a constituição de direito real de garantia sobre propriedade superveniente. óbice afastado – Recurso a que se dá provimento.  

      Cuida-se de apelação interposta por FINANZA PRIME FOMENTO MERCANTIL SOCIEDADE UNIPESSOAL LTDA., atual denominação de FINANZA PRIME FOMENTO MERCANTIL LTDA. em face da r. sentença, de lavra do MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Caraguatatuba, que manteve o óbice ao registro de Escritura Pública de Confissão de Dívida com Pacto Adjeto de Alienação Fiduciária em Garantia (imóvel superveniente) e Crédito Rotativo, e de Escritura Pública de Rerratificação, firmadas, respectivamente, em 26/05/2021 e 17/05/2022, com referência ao imóvel de matrícula n.º 51.846 daquela Serventia (fls. 90/92).

      Da nota devolutiva prenotada sob o nº 220.581, que, vencida, foi substituída pela de nº 223.474 no ensejo da suscitação da dúvida inversa, constou o seguinte:

      “1) Primeiramente, informamos que o registro de alienação fiduciária em garantia (imóvel superviniente ‘sic’) não é título passível de registro nos termos do art. 167, I, da Lei 6.015/1973.

      2) O princípio da continuidade, insculpido no art. 195 da Lei Federal nº 6.015/73, determina que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito ou ônus se o outorgante ou devedor dele aparecer como seu titular. No caso ora analisado, verificamos que o imóvel matricula nº 51.846, não é de propriedade de Nezio Antonio Barreiros e sua esposa Leovegilda Maria Ferreira Barreiros e Ironman San Nartin ‘sic’ Garrido e sua mulher Liana Claudia Barreiros Garrido, uma vez que o imóvel encontra-se alienado à Finanza Prime Fundo de Investimento em Direitos Creditórios Não Padronizados CNPJ nº 39.863.075/0001-31, que, atualmente, detém a propriedade resolúvel do imóvel, razão pela qual não há como proceder ao registro sem ferir o princípio acima aludido, e o princípio da disponibilidade, o qual se depreende do art. 1228 do Código Civil Brasileiro vigente (e de seu análogo art. 524 do Código Civil de 1916). Assim, o registro do título apresentado depende do cancelamento da alienação que onera o imóvel (termo de quitação, cuja firma deverá estar notarialmente autenticada, e seus poderes devidamente comprovados), conforme foi decido nos autos do processo nº 1111191-68.2016.8.26.0100 da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo: […]”.

      Sustenta a apelante, em suma, que é plenamente cabível o registro da alienação fiduciária em garantia em caráter superveniente por não afetar o direito do credor fiduciário anterior, além do que a eficácia da nova garantia fica subordinada ao adimplemento da condição estabelecida pelo devedor fiduciante na primeira dívida. Aduz, ainda, que há expressa previsão nos artigos 1.361, §3º e 1.420, §1°, do Código Civil, para a averbação da propriedade superveniente. Pede, portanto, o provimento do recurso, liberando-se as escrituras para registro.

      A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 160/161).

      Em atendimento à determinação de fls. 163/164, o Oficial informou que submeteu o título à nova prenotação, tendo em vista que a de nº 220.581 estava vencida (fls. 167).

      É o relatório.

      A apelante postula o registro da Escritura Pública de Confissão de Dívida com Pacto Adjeto de Alienação Fiduciária em Garantia (imóvel superveniente) e Crédito Rotativo (fls. 28/43), assim como da Escritura Pública de Rerratificação a fls. 44/53, em que Finanza Prime Fomento Mercantil Ltda figura como credora fiduciária e Nézio Antonio Barreiros e sua mulher Leovegilda Maria Ferreira Barreiros, Ironman San Martin Garrido e sua mulher Liana Claudia Barreiros Garrido figuram como garantidores fiduciantes com relação ao imóvel de matrícula n.º 51.846 do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Caraguatatuba.

      Da certidão de matrícula, vê-se que os proprietários Ironman San Martin Garrido e sua mulher Liana Cláudia Barreiros Garrido, e Nézio Antônio Barreiros e sua mulher Leovegilda Maria Ferreira Barreiros transferiram, por alienação fiduciária, a propriedade do imóvel à Desenvolve SP Agência de Fomento do Estado de São Paulo S.A., para a garantia de dívida originada por financiamento concedido a PHC Indústria e Comercio de Produtos de Higiene Pessoal Ltda, nos termos do Registro nº 04, datado de 07/01/2015, a qual, por sua vez, cedeu os direitos e obrigações creditórios a Finanza Prime Fundo de Investimento em Direitos Creditórios Não Padronizados, conforme a Averbação de nº 05, realizada em 05/07/2021.

      Estando, portanto, o imóvel alienado a Finanza Prime Fundo de Investimento em Direitos Creditórios Não Padronizados é que o Registrador negou o ingresso, no fólio real, do registro da Escritura Pública de Confissão de Dívida com Pacto Adjeto de Alienação Fiduciária em Garantia (imóvel superveniente) e Crédito Rotativo, e da subsequente escritura pública rerratificativa.

      Todavia, a alienação fiduciária da propriedade superveniente passou a ser suscetível de inscrição no registro de imóveis a partir da Lei nº 14.711/2023, que alterou a Lei nº 9.514/1997, com destaque para o disposto no artigo 22, parágrafo 3º:

      ” Art. 22. A alienação fiduciária regulada por esta Lei é o negócio jurídico pelo qual o fiduciante, com o escopo de garantia de obrigação própria ou de terceiro, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel.

      […]

      § 3º A. alienação fiduciária da propriedade superveniente, adquirida pelo fiduciante, é suscetível de registro no registro de imóveis desde a data de sua celebração, tornando-se eficaz a partir do cancelamento da propriedade fiduciária anteriormente constituída”.

      Nesse novo cenário, não subsiste o óbice apontado pelo Oficial de Registro de Imóveis, admitindo-se o registro da alienação fiduciária da propriedade superveniente que, contudo, só se tornará eficaz quando do cancelamento da propriedade fiduciária anteriormente constituída.

      Vale dizer, com a alteração legislativa em apreço, passou a ser permitido o ingresso do título de alienação fiduciária da propriedade superveniente no fólio real, afastando-se o óbice comumente apontado no sentido de que, já existindo alienação fiduciária em garantia do imóvel registrada na matrícula em favor do credor fiduciário e a quem se outorgara a propriedade resolúvel do bem, haveria ofensa ao princípio da continuidade registral por não mais pertencer o bem aos devedores ou garantidores fiduciantes.

      Evidente que se pode argumentar que o exame da legalidade se faz à luz da lei vigente ao tempo do negócio jurídico, ou, ao menos, ao tempo do dia da prenotação.

      Duas circunstancias porém, autorizam o ingresso do título no registro imobiliário.

      A primeira é a inexistência de qualquer prenotação ou registro antinômico entre a data do negócio – ou a data do ingresso do título – e a data do presente julgamento. Dizendo de modo diverso, o exame do título à luz da legislação superveniente, em aparente desafio ao aforismo tempus regit actum, consagrado na jurisprudência registral, se faz sem prejuízo a direitos de terceiros. Não há o risco de em razão da admissão do registro – que retroagirá à data da prenotação – interesses de terceiros serem atingidos.

      Não faria sentido manter a desqualificação do título e submeter as partes à celebração de novo negócio jurídico, ou, nem isso, a simplesmente reapresentar o título perante o Oficial, inaugurando nova prenotação e ciclo do procedimento registrário, diante da inexistência de qualquer direito contraditório ingressado nesse meio tempo, ou de prejuízo a terceiros.

      Ainda que assim não fosse, merece o título ter acesso ao registro imobiliário por uma segunda razão.

      Persiste fundado entendimento doutrinário no sentido da possibilidade do acesso ao registro imobiliário da propriedade fiduciária superveniente antes mesmo da vigência da Lei nº 14.711/23, que alterou o artigo 22 da Lei nº 9.514/97.

      Parte expressiva da doutrina já admitia a figura da propriedade fiduciária superveniente, com esteio nos artigos 1.361, §3º e 1.420, §1º, do Código Civil.

      No dizer autorizado de Melhim Namem Chalhub, anterior à alteração introduzida pela Lei nº 14.711/23, “a constituição dessa espécie de garantia não tem por objeto o direito aquisitivo que se encontra no patrimônio do devedor-fiduciante, mas, sim, o direito futuro de propriedade do qual o fiduciante se tornará titular quando implementada a condição suspensiva (pagamento); disso resulta, obviamente, que a eficácia da garantia (nova) fica subordinada ao implemento dessa condição. Não se confunda a alienação fiduciária da propriedade superveniente com alienação fiduciária em segundo grau, que é inadmissível” (Alienação Fiduciária, 8ª, Edição atualizada Forense, 2.023, p. 116).

      A questão da propriedade fiduciária superveniente não se encontra no plano da validade do negócio, mas sim no plano da eficácia. A garantia é valida, apenas sua eficácia se encontra subordinada ao implemento de condição suspensiva, qual seja, a extinção da primeira propriedade fiduciária resolúvel.

      No dizer de Pontes de Miranda, trata da “pós-eficalização” da garantia real constituída a non domino (Tratado de direito privado. São Paulo, RT, 1983, t. XX, p. 27). Essa a razão pela qual, ainda antes da reforma da Lei nº 14.711/23, os artigos 1.420, § 2º e 1.361, §3º já admitiam a figura da alienação fiduciária de propriedade superveniente. Impecável a redação dos preceitos no CC/2002. A garantia outorgada por quem não é dono, ao contrário do dito no CC/1916, não se revalida, simplesmente por não ser inválida, mas apenas ineficaz em relação ao verdadeiro proprietário.

      Não há, aqui, promessa de outorga de garantia, nem de garantia sobre coisa alheia, mas mera garantia ineficaz, que ganha, de modo automático e independentemente de qualquer outra emissão de vontade das partes, plenos efeitos se a coisa for adquirida pelo outorgante.

      A alteração legislativa autorizando o ingresso do título no fólio real apenas positivou de modo explícito situação que já se encontrava no regime geral de garantias do Código Civil.

      Não subsiste razão para a procedência da dúvida, pelas inúmeras razões acima explicitadas.

      Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento ao apelo e julgo a dúvida improcedente.

      FRANCISCO LOUREIRO

      Corregedor Geral da Justiça e Relator

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