TJSP – CSM – Usucapião extrajudicial – Forma originária de aquisição do domínio – Suposta origem em parcelamento irregular do solo urbano e bloqueio da matrícula, relativa à área de que o imóvel usucapido será desmembrado, que não impedem a aquisição do domínio

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      PODER JUDICIÁRIO

      TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

      CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

      Apelação Cível nº 1000363-84.2023.8.26.0059

      Registro: 2024.0000118342

      ACÓRDÃO 

      Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000363-84.2023.8.26.0059, da Comarca de Bananal, em que é apelante LIANE RAMALHO FRAGA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE BANANAL.

      ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento, com determinação, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

      O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

      São Paulo, 16 de fevereiro de 2024.

      FRANCISCO LOUREIRO

      Corregedor Geral da Justiça e Relator

      APELAÇÃO CÍVEL nº 1000363-84.2023.8.26.0059

      APELANTE: Liane Ramalho Fraga

      APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da comarca de Bananal

      VOTO Nº 42.987

      Registro de imóveis – Dúvida julgada procedente – Usucapião extrajudicial – Forma originária de aquisição do domínio – Suposta origem em parcelamento irregular do solo urbano e bloqueio da matrícula, relativa à área de que o imóvel usucapido será desmembrado, que não impedem a aquisição do domínio pela usucapião e o seu respectivo registro – Recurso provido para afastar as exigências formuladas e determinar que o oficial de registro de imóveis prossiga com o procedimento extrajudicial de usucapião.  

      Trata-se de apelação interposta por Liane Ramalho Fraga contra r. sentença que, em razão da suposta origem em parcelamento irregular do solo urbano e do bloqueio da matrícula de origem, manteve a recusa do Sr. Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Bananal em promover o registro da aquisição, pela usucapião, do imóvel situado na Rua Francisco Ribeiro de Almeida, Bairro Laranjeiras, a ser desmembrado da área objeto da matrícula nº 1.966 daquele Registro (fl. 93/95).

      A apelante alega, em suma, que a irregularidade do parcelamento do solo urbano e o bloqueio da matrícula relativa à área de que o imóvel será desmembrado não impedem a aquisição do domínio do imóvel pela usucapião e o seu respectivo registro, por se tratar de modo originário de aquisição da propriedade (fl. 101/113).

      A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não conhecimento do recurso, com declaração de que a dúvida se encontra prejudicada em razão da apresentação de novos documentos visando atender parte das exigências formuladas, ou, alternativamente, pelo seu não provimento (fl. 140/144).

      É o relatório.

      1. No caso concreto, a juntada de certidões pela apelante (fl. 81/83), antes da prolação da r. sentença, não torna a dúvida prejudicada em razão da natureza do procedimento extrajudicial de usucapião que abrange atos sucessivos, a serem praticados pelo requerente e pelo Oficial de Registro de Imóveis.

      Além disso, sendo forma originária de aquisição do domínio, o reconhecimento da usucapião não seria obstado pela eventual prenotação de outro título que diga respeito às pessoas atualmente indicadas no registro como proprietárias do imóvel, ou titulares de direito real de outra natureza.

      4. A apelante pretende o registro da aquisição do domínio do imóvel, pela usucapião extraordinária, alegando o exercício de posse com animus domini, de forma mansa e pacífica, por si e seus antecessores, por mais de trinta anos.

      Afirma que o imóvel integra área maior registrada como sendo de propriedade de “Alfa Comércio e Serviços Limitada”, cujos representantes compromissaram à venda para Raimundo Ferreira da Luz, por contrato particular celebrado em 15 de setembro de 1989, área com o total de 1.470m². Assevera que adquiriu de Raimundo Ferreira da Luz parte desse imóvel, com o total de 890m², o que fez por contrato verbal celebrado em 2007 e ratificado, por instrumento particular, em 2020 (fl. 14/27).

      O Oficial de Registro de Imóveis recusou o registro da usucapião porque: I) não foram apresentadas as certidões de distribuição da Justiça Federal em nome da apelante e da Justiça Estadual em nome de “Alfa Comércio e Serviços Ltda.”; II) a usucapião extrajudicial não se presta para afastar a correta escrituração da transação sobre imóvel, com recolhimento do imposto de transmissão que for devido; III) existem indícios de que o imóvel teve origem em parcelamento irregular do solo urbano, sendo necessária a prévia regularização desse parcelamento; IV) não é possível praticar qualquer ato relativo à matrícula de que a área a ser usucapida será desmembrada, em razão do bloqueio determinado em ação civil pública (fl. 01/03).

      As certidões de fl. 81/83, expedidas pela Justiça Federal em nome da apelante e pela Justiça Comum em relação à atual proprietária indicada na matrícula, demonstram que não existem ações reais e ações possessórias que possam repercutir sobre a aquisição do imóvel.

      Por sua vez, a aquisição do domínio pela usucapião se aperfeiçoa com o preenchimento dos requisitos legais, ou constitucionais dependendo da modalidade incidente, o que ocorre independente da sua declaração em ação judicial, ou em procedimento extrajudicial, e do seu registro que somente é necessário para que o novo proprietário possa exercer os poderes inerentes ao domínio, relativos à constituição de novos direitos ou ônus reais, por ato inter vivos.

      Além disso, não há relação de continuidade entre o anterior proprietário do imóvel e o que o adquire pela usucapião, porque se trata de forma originária de aquisição do domínio. Benedito Silvério Ribeiro, nesse sentido, esclarece:

      A usucapião é, tal como a transcrição, modo originário de adquirir domínio, com a perda do antigo dono, cujo direito sucumbe em face da aquisição. O proprietário, como já ensinava Lafayette, perde o domínio porque o adquire o possuidor. A transcrição no caso exige-se para o exercício do jus disponendi, mas não é constitutiva” (Tratado de Usucapião. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 1998, p. 162).

      Por isso, o bloqueio da matrícula atualmente relativa ao imóvel não impede o registro da usucapião, com abertura de nova matrícula em que deverão ser observados os requisitos previstos na Lei nº 6.015/1973 que em seu art. 226 dispõe: “Tratando-se de usucapião, os requisitos da matrícula devem constar do mandado judicial“.

      Igual se dá com a suposta origem do imóvel no parcelamento irregular de área maior de que foi desmembrado, porque os requisitos de natureza urbanística e ambientais, embora possam restringir o uso, não impedem a aquisição da propriedade pela usucapião e, em consequência, o seu respectivo registro.

      A usucapião, ademais, é prevista nos arts. 15, II, 26, § 1º, Lei nº 13.465/2017 como um dos instrumentos a ser utilizado na Regularização Fundiária Urbana (Reurb) que, anota-se, poderá ser implantada sobre a área maior, independente do reconhecimento de que a apelante adquiriu a propriedade do lote de que exerce a posse.

      De igual modo decorre da jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça, como se verifica no Tema Repetitivo nº 1025 e, ainda, no Acórdão prolatado no REsp n. 1.818.564/DF, relator Ministro Moura Ribeiro, Segunda Seção, julgado em 9/6/2021, DJe de 3/8/2021, que teve a seguinte ementa:

      RECURSO ESPECIAL CONTRA ACÓRDÃO PROFERIDO NO JULGAMENTO DE IRDR. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. BEM IMÓVEL URBANO. ÁREA INTEGRANTE DE LOTEAMENTO IRREGULAR. SETOR TRADICIONAL DE PLANALTINA. PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. FORMA ORIGINÁRIA DE AQUISIÇÃO DE PROPRIEDADE. POSSIBILIDADE DE REGISTRO. O RECONHECIMENTO DO DOMÍNIO DO IMÓVEL NÃO INTERFERE NA DIMENSÃO URBANÍSTICA DO USO DA PROPRIEDADE. INTERESSE DE AGIR CONFIGURADO. RECURSO DESPROVIDO.

      (…)

      2. A possibilidade de registro da sentença declaratória da usucapião não é pressuposto ao reconhecimento do direito material em testilha, o qual se funda, essencialmente, na posse ad usucapionem e no decurso do tempo.

      3. A prescrição aquisitiva é forma originária de aquisição da propriedade e a sentença judicial que a reconhece tem natureza eminentemente declaratória, mas também com carga constitutiva.

      4. Não se deve confundir o direito de propriedade declarado pela sentença proferida na ação de usucapião (dimensão jurídica) com a certificação e publicidade que emerge do registro (dimensão registrária) ou com a regularidade urbanística da ocupação levada a efeito (dimensão urbanística).

      5. O reconhecimento da usucapião não impede a implementação de políticas públicas de desenvolvimento urbano. Muito ao revés, constitui, em várias hipóteses, o primeiro passo para restabelecer a regularidade da urbanização.

      6. Impossível extinguir prematuramente as ações de usucapião relativas aos imóveis situados no Setor Tradicional de Planaltina com fundamento no art. 485, VI, do NCPC em razão de uma suposta ausência de interesse de agir ou falta de condição de procedibilidade da ação.

      7. Recurso especial não provido, mantida a tese jurídica fixada no acórdão recorrido: É cabível a aquisição de imóveis particulares situados no Setor Tradicional de Planaltina/DF, por usucapião, ainda que pendente o processo de regularização urbanística.

      Observo, por fim, que este procedimento não foi instruído com a certidão de casamento da apelante que se qualificou como divorciada, sem, entretanto, informar sobre eventual exercício de composse com seu ex marido durante o período da prescrição aquisitiva, o que, porém, não impede a apresentação desse documento e a prestação de esclarecimentos ao Oficial de Registro de Imóveis, uma vez que são necessários para a qualificação do requerimento formulado.

      3. Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento ao recurso para afastar as exigências formuladas e determinar que o procedimento de reconhecimento extrajudicial de usucapião prossiga mediante notificação do titular do domínio e dos confrontantes, visando a oportuna análise, pelo Oficial de Registro de Imóveis, do preenchimento dos demais requisitos para a aquisição do domínio do imóvel.

      FRANCISCO LOUREIRO

      Corregedor Geral da Justiça e Relator

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