TJSP – CSM – Título particular – Compromisso de compra e venda de imóvel em loteamento – Circunstâncias do caso que não permitem concluir pela existência de compra e venda definitiva – Incidência do § 6º do art. 26, da lei n. 6.766/1979.

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      PODER JUDICIÁRIO

      TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

      CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

      Apelação nº 1034047-85.2021.8.26.0506

      Registro: 2022.0000738069

      ACÓRDÃO

      Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1034047-85.2021.8.26.0506, da Comarca de Ribeirão Preto, em que é apelante ROBERTO DE LARA SALUM, é apelada 2º OFICIAL DE REGISTROS DE IMÓVEIS DA COMARCA DE RIBEIRÃO PRETO.

      ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

      O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

      São Paulo, 9 de setembro de 2022.

      FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

      Corregedor Geral da Justiça

      Relator

      APELAÇÃO CÍVEL nº 1034047-85.2021.8.26.0506

      APELANTE: Roberto de Lara Salum

      APELADO: 2º Oficial de Registros de Imóveis da Comarca de Ribeirão Preto

      VOTO Nº 38.790

      Registro de imóveis – Dúvida – Título particular – Compromisso de compra e venda de imóvel em loteamento – Circunstâncias do caso que não permitem concluir pela existência de compra e venda definitiva – Incidência do § 6º do art. 26, da lei n. 6.766/1979 – Desnecessidade de escritura pública para a transmissão do domínio – Apelação a que se dá provimento para reformar a r. sentença e afastar o óbice.

      Cuida-se de apelação (fls. 143/150) interposta por Roberto de Lara Salum contra r. sentença (fls. 132/137) pela qual o MM. Juiz de Direito da 5ª Vara Cível de Ribeirão Preto, Corregedor Permanente da 2ª Oficial de Registro de Imóveis dessa Comarca, manteve óbice ao registro stricto sensu de compromisso de compra e venda, lavrado por instrumento particular, apresentado para a transmissão do domínio de imóvel loteado, na forma do § 6º do artigo 26, da Lei n. 6.766, de 19 de dezembro de 1979 (matrícula nº 191.630 fls. 06; protocolo nº 538.147 fls. 22, 65/67 e 112/115).

      Segundo o termo de dúvida (fls. 01/05), o compromisso de compra e venda, acompanhado de quitação completa (fls. 23/24, 25/49, 50/52, 68/69, 70/96 e 97/99), concernente a um imóvel loteado, foi apresentado a registro para fins de transmissão da propriedade. No entanto, não seria possível aplicar-se ao caso a Lei nº 6.766/1979, art. 26, § 6º, para dispensar a escritura pública de compra e venda, pois o pequeno número de parcelas (duas, com apenas trinta dias de prazo para pagamento entre a primeira e a segunda), a inobservância de um modelo padronizado (“contrato-padrão”) e a desproporção entre as prestações (R$ 94.400,00, a primeira; R$ 12.000,00, a segunda) indicariam que, na prática, teria havido pagamento à vista, afastando-se da intenção da mencionada regra, que teria por objetivo favorecer os verdadeiros compromissos (e não as compras e vendas definitivas, como já haveria sido dito pela própria corregedoria permanente, em caso análogo) e teria de ser interpretada restritivamente.

      A r. sentença (fls. 132/137) decidiu que o negócio jurídico seria verdadeira compra e venda, e não compromisso, de maneira que a transmissão do domínio dependeria, no caso, de escritura pública, sem que se pudesse aplicar o § 6º do art. 26, da Lei n. 6.766/1979.

      O interessado sustentou, apelando (fls. 143/150), que a regra em discussão apenas exigiria, para a transferência do domínio, um compromisso de compra e venda e a relativa quitação; o parcelamento do preço, por sua vez, não seria pressuposto da incidência do § 6º do art. 26, da Lei nº 6.766/1979, mas, de toda sorte, o pagamento se haveria feito em duas partes, o que não sucedeu no julgado que a Oficial invocara como precedente, em que o adimplemento se tinha feito de uma só vez; dessa maneira, sendo o fim da lei a facilitação da transferência da propriedade, e não sendo lícito construir distinções onde o próprio texto não as teria feito, não existiria nada a impedir o registro pretendido, razão pela qual a apelação deveria ser provida, com a reforma da r. sentença.

      A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento da apelação (fls. 183/186).

      É o relatório.

      Consiste a controvérsia em saber se o título particular examinado (fls. 24, 25/49, 69 e 70/96) pode ou não dar causa à transmissão do domínio, o que negaram assim a r. Sentença e a nota devolutiva, julgando, ambas, que esse instrumento não se enquadra na espécie do § 6º do art. 26, da Lei nº 6.766/1979, por não constituir verdadeiro e próprio compromisso de compra e venda.

      Em que pese às razões do r. decisum e, antes dele, da Oficial de Registro de Imóveis, a resposta é afirmativa, ou seja: deve-se permitir o registro stricto sensu, tal como almejado.

      Diz a Lei n. 6.766/1979:

      “Art. 26. Os compromissos de compra e venda, as cessões oupromessas de cessão poderão ser feitos por escritura públicaou por instrumento particular, de acordo com o modelodepositado na forma do inciso VI do art. 18 e conterão, pelomenos, as seguintes indicações:

      – nome, registro civil, cadastro fiscal no Ministério da Fazenda, nacionalidade, estado civil e residência dos contratantes;

      II – denominação e situação do loteamento, número e data da inscrição;

      III – descrição do lote ou dos lotes que forem objeto de compromissos, confrontações, área e outras características;

      IV – preço, prazo, forma e local de pagamento bem como a importância do sinal;

      – taxa de juros incidentes sobre o débito em aberto e sobre as prestações vencidas e não pagas, bem como a cláusula penal, nunca excedente a 10% (dez por cento) do débito e só exigível nos casos de intervenção judicial ou de mora superior a 3 (três) meses;

      VI – indicação sobre a quem incumbe o pagamento dos impostos e taxas incidentes sobre o lote compromissado;

      VII – declaração das restrições urbanísticas convencionais do loteamento, supletivas da legislação pertinente.

      […]

      § 6º Os compromissos de compra e venda, as cessões e as promessas de cessão valerão como título para o registro da propriedade do lote adquirido, quando acompanhados da respectiva prova de quitação.”

      Como revela a jurisprudência deste Colendo Conselho Superior da Magistratura, a regra desse § 6º se aplica quando tenha havido loteamento, e o compromisso, quitado, haja sido celebrado pelo próprio loteador (Apelação Cível nº 1036475-31.2020.8.26.0100, Rel. DES. RICARDO ANAFE, j. 06.10.2020; cf. também Apel. Cív. n. 1007897-24.2021.8.26.0100, j. 30.07.2021), contanto que o empreendimento (popular ou não, pouco importa: Apel. Cív. 0012160-45.2010.8.26.0604, Rel. DES. MAURÍCIO VIDIGAL, j. 06.10.2011) esteja regularizado (Apel. Cív. 1025260-34.2015.8.26.0100, Rel. DES. PEREIRA CALÇAS, j. 25.02.2016).

      No caso, esses pressupostos estão preenchidos, porque o imóvel em questão realmente decorre de loteamento regular (fls. 06) e o compromisso de compra e venda foi avençado entre o apelante e o loteador (fls. 25).

      As exigências postas pela nota devolutiva e confirmadas pela r. sentença, entretanto, não decorrem da lei e não podem ser mantidas. O texto legal fala em preço, prazo, sinal, taxa de juros e cláusula penal (incisos IV e V do art. 26), é verdade, mas a sua letra não veda que as parcelas sejam poucas (no caso, duas fls. 26) e de valores muito desiguais, com pequeno interstício para adimplemento (isto é, trinta dias – fls. 26), nem impõe que se deva empregar formulário uniformizado.

      Ademais, como ensina Francisco Eduardo Loureiro (Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência. 11ª ed. Barueri: Manole, 2017, p. 1.409), o compromisso de compra e venda tem hoje funções múltiplas e variadas, desde aquela de verdadeiro e próprio negócio preliminar (Cód. Civil, arts. 462-466), até a de instrumento de garantia de recebimento do preço (verdadeira garantia retida, como diz Fábio Rocha Pinto e Silva, em “Não exoneração da responsabilidade pessoal do devedor na excussão da alienação fiduciária de imóveis”, in Alienação Fiduciária de Bem Imóvel – 20Anos da Lei n. 9.514/1997 Aspectos Polêmicos. São Paulo: Lepanto, 2018, p. 230 e 233), do que decorre admitir-se o seu amplo emprego – e, portanto, a incidência do dito § 6º do art. 26 – ainda que não exista, no negócio jurídico, uma prestação desdobrada em muitas parcelas, como ocorre na hipótese.

      Enfim, onde a lei não distingue, não cabe ao intérprete criar distinções. O compromisso foi regularmente celebrado e, presentes as demais condições de incidência da Lei nº 6.766/1979, já apontadas, não há como supor simulação ou má fé para impedir o registro, tal como foi rogado. Quanto à decisão pretérita do MM. Juízo a quo, que em hipótese análoga impediu inscrição semelhante, tem-se que, respeitável embora, não deve prevalecer, pelas razões expostas, que justificam a lavratura do ato pretendido.

      Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação para, afastado o óbice, deferir a lavratura do registro strictosensu, como rogado.

      FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

      Corregedor Geral da Justiça

      Relator

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