TJSP – CSM – Ordens de indisponibilidade de bens averbadas na matrícula – Dação em pagamento que configura alienação voluntária – Óbice intransponível – Registro negado – Descumprimento de deveres de ofício pelo registrador.

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      PODER JUDICIÁRIO

      TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

      CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

      Apelação Cível nº 1008251-78.2022.8.26.0564

      Registro: 2023.0000770464

      ACÓRDÃO

      Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1008251-78.2022.8.26.0564, da Comarca de São Bernardo do Campo, em que é apelante PAULO PEREIRA NEVES, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SÃO BERNARDO DO CAMPO.

      ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, com determinação, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

      O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

      São Paulo, 31 de agosto de 2023.

      FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

      Corregedor Geral da Justiça e Relator

      APELAÇÃO CÍVEL Nº 1008251-78.2022.8.26.0564

      APELANTE: Paulo Pereira Neves

      APELADO: 1º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de São Bernardo do Campo

      VOTO Nº 39.086

      Registro de imóveis – Ordens de indisponibilidade de bens averbadas na matrícula – Dação em pagamento que configura alienação voluntária – Óbice intransponível – Registro negado –  Descumprimento de deveres de ofício pelo registrador  Inobservância do princípio da prioridade  Necessidade de apuração pelo MM. Juiz Corregedor Permanente – Apelação não provida, com determinação.

      Trata-se de apelação interposta por Paulo Pereira Neves contra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de São Bernardo do Campo, que manteve a negativa de registro de escritura de dação em pagamento tendo por objeto o imóvel matriculado sob no 85.599 junto à referida serventia extrajudicial, em virtude da existência de ordens de indisponibilidade de bens do outorgante vendedor, Augusto Toldo (fls. 44/47).

      Alega o apelante, em síntese, que levou a registro escritura pública de dação em pagamento, sendo o título prenotado sob nº 556.687, em 17 de dezembro de 2021. Afirma, contudo, que na matrícula nº 85.599 foram averbadas, sob nº 03 e 04, ordens de indisponibilidade decretadas contra o titular de domínio, Augusto Toldo, prenotadas sob nº 557.894 e 557.992, em 13 de janeiro de 2022 e 17 de janeiro de 2022, respectivamente. Aduz que as averbações realizadas contrariam o princípio da prioridade, desrespeitando a preferência do título que prenotou em data anterior. Entende, assim, que a exigência de prévio cancelamento das ordens de indisponibilidade não merece prevalecer, pois não lhe podem ser opostas situações jurídicas não constantes da matrícula no Registro de Imóveis, à época da prenotação da escritura pública cujo registro foi requerido (fls. 56/62).

      A Douta Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo não provimento do recurso (fls. 81/82).

      É o relatório.

      O recorrente pretende fazer registrar na matrícula no 85.599 do 1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de São Bernardo do Campo/SP, a escritura pública de dação em pagamento prenotada na serventia extrajudicial sob nº 556687, em 17 de dezembro de 2021.

      O registrador emitiu nota de devolução, nos seguintes termos:

      “-Conforme averbações sob nºs 3 e 4 na matrícula 85.599, os bens de Augusto Toldo (transmitente) encontram-se indisponibilizados, desta forma, providenciar o cancelamento das indisponibilidades que recaem sobre o imóvel da venda, para que o registro seja realizado” (fls. 13).

      Há inúmeros precedentes deste Egrégio Conselho Superior da Magistratura no sentido da impossibilidade de ingresso de título no fólio real, que implique a alienação voluntária do bem, sem o prévio levantamento da indisponibilidade averbada na matrícula, ainda que aquele tenha sido elaborado em data anterior.

      No caso concreto, a dação em pagamento realizada pelos titulares de domínio, Augusto Toldo e Ligia Vieira Toldo, tendo por objeto o imóvel versado nos autos, configura negócio voluntário defeso em razão de sua indisponibilidade. A respeito do tema, já ficou decidido que:

      “REGISTRO DE IMÓVEIS – DÚVIDA – ESCRITURA DE DAÇÃO EM PAGAMENTO DO DIREITO À AQUISIÇÃO DO IMÓVEL (ART. 26, § 8º, DA LEI 9.514/1997) – INDISPONIBILIDADE JUDICIALMENTE DECRETADA SOBRE O PATRIMÔNIO DA DEVEDORA FIDUCIANTE – ÓBICE EXISTENTE AO TEMPO DA PRENOTAÇÃO – IRRELEVÂNCIA, NESTE CASO, DA DATA DA CELEBRAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO – DAÇÃO EM PAGAMENTO QUE CONFIGURA ALIENAÇÃO VOLUNTÁRIA – ÓBICE MANTIDO – APELAÇÃO IMPROVIDO.” (TJSP; Apelação Cível 1057231- 90.2022.8.26.0100; Relator (a): Fernando Torres Garcia(Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro Central Cível – 1ª Vara de Registros Públicos; Data do Julgamento: 16/02/2023; Data de Registro: 24/02/2023).

      “REGISTRO DE IMÓVEIS – DÚVIDA – CARTA DE SENTENÇA EXTRAÍDA DE AÇÃO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA – INDISPONIBILIDADE JUDICIALMENTE DECRETADA SOBRE O PATRIMÔNIO DA VENDEDORA – ÓBICE EXISTENTE AO TEMPO DA PRENOTAÇÃO – IRRELEVÂNCIA, NESTE CASO, DA DATA DA CELEBRAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO – INAPLICABILIDADE, NO CASO, DAS REGRAS QUE PERMITEM A INSCRIÇÃO DE ATOS COATIVOS – COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA QUE CONFIGURA ALIENAÇÃO VOLUNTÁRIA – ÓBICE MANTIDO – APELAÇÃO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.” (TJSP; Apelação Cível 1008790-78.2022.8.26.0100; Relator (a): Fernando Torres Garcia(Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro Central Cível – 1ª Vara de Registros Públicos; Data do Julgamento: 12/12/2022; Data de Registro: 14/12/2022).

      “REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida – Registro de escritura pública de alienação fiduciária – Declaração de ineficácia e penhora em favor do INSS Indisponibilidade, nos termos do art. 53, §1º, da Lei n.º 8.212/91 – Negativa de registro da escritura, em face da indisponibilidade – Impossibilidade de alienação voluntária – Precedentes do Conselho Superior da Magistratura – Recurso desprovido.” (TJSP; Apelação Cível 1003418-87.2015.8.26.0038; Relator (a): Pereira Calças; Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Araras – 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 25/04/2016; Data de Registro: 05/05/2016).
      “REGISTRO DE IMÓVEIS – DÚVIDA – ESCRITURA PÚBLICA DE CONFISSÃO DE DÍVIDA COM PACTO ADJETO DE CONSTITUIÇÃO DE PROPRIEDADE FIDUCIÁRIA E OUTRAS AVENÇAS – IMÓVEL INDISPONÍVEL – PENHORA, EM EXECUÇÃO FISCAL, A FAVOR DA FAZENDA NACIONAL E DA UNIÃO – RECUSA DO REGISTRO COM BASE NO ARTIGO 53, §1°, LEI 8.212/91 – ALIENAÇÃO VOLUNTÁRIA IRRELEVÂNCIA DA AQUISIÇÃO ANTERIOR POR ALIENAÇÃO FORÇADA – REGISTRO INVIÁVEL – DÚVIDA PROCEDENTE – RECURSO DESPROVIDO, COM OBSERVAÇÃO.” (TJSP; Apelação Cível 3003761-77.2013.8.26.0019; Relator (a): Elliot Akel; Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Americana – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 03/06/2014; Data de Registro: 16/06/2014).

      E muito embora seja intransponível o óbice apresentado pelo registrador, é preciso anotar que a ordem de indisponibilidade genérica ou específica de determinado imóvel deve ser prenotada e averbada, respeitada a ordem de protocolo, nos expressos termos do artigo 247, da Lei de Registros Públicos. A propósito, dispõem as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, Capítulo XX do Tomo II:

      “9. No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos:

      (…)

      b) a averbação de:

      (…)

      23. ordens judiciais e administrativas que determinem indisponibilidades de bens;”

      Também sobre o tema, prevê o Provimento CNJ nº 39/2014, com a redação dada pelo Provimento CNJ nº 142/2023:

      “Art. 2º. A Central Nacional de Indisponibilidade terá por finalidade a recepção e divulgação, aos usuários do sistema, das ordens de indisponibilidade que atinjam patrimônio imobiliário indistinto, assim como direitos sobre imóveis indistintos, e a recepção de comunicações de levantamento das ordens de indisponibilidades nela cadastrada.

      (…)

      Art. 7º. A consulta ao banco de dados da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens – CNIB será obrigatória para todos os notários e registradores do país, no desempenho regular de suas atividades e para a prática dos atos de ofício, nos termos da Lei e das normas específicas.

      Art. 8º. A partir da data de funcionamento da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens – CNIB os oficiais de registro de imóveis verificarão, obrigatoriamente, pelo menos na abertura e uma hora antes do encerramento do expediente, se existe comunicação de indisponibilidade de bens para impressão ou importação (XML) para seu arquivo, visando o respectivo procedimento registral.”

      No mesmo sentido, as regras trazidas pelas Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça:

      “403. A Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB) funcionará no Portal Eletrônico publicado sob o domínio http://www.indisponibilidade.org.br, desenvolvido, mantido e operado, perpetua e gratuitamente, pela Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo (ARISP), na Central Registradores de Imóveis, sob contínuo acompanhamento, controle e fiscalização pela Corregedoria Geral da Justiça e pelos Juízos Corregedores Permanentes.

      404. A Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB) é constituída por Sistema de Banco de Dados Eletrônico (DBMS) que será alimentado com as ordens de indisponibilidade decretadas pelo Poder Judiciário e por órgãos da Administração Pública, desde que autorizados em Lei.

      (…)

      407. A consulta à Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB) será obrigatória para todos os notários e registradores do Estado, no desempenho regular de suas atividades e para a prática dos atos de ofício, nos termos da Lei.

      408. Os oficiais de registro de imóveis verificarão, obrigatoriamente, pelo menos, na abertura e no encerramento do expediente, se existe comunicação de indisponibilidade de bens e farão a importação dos dados (XML) ou impressão do arquivo para o respectivo procedimento registral.”

      Destarte, em virtude de sua obrigação de acessar a Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB) e fazer a importação dos dados ou impressão do arquivo para o respectivo procedimento registral, diariamente, caberia ao Oficial de Registro ter, oportunamente, prenotado e averbado as ordens de indisponibilidade existentes em nome do titular de domínio do imóvel. Vale recordar que, segundo o inciso III do artigo 54, da Lei n. 13.097, de 19 de janeiro de 2015 (assim chamada “da concentração na matrícula”), a indisponibilidade é oponível tão somente quando for objeto de averbação.

      Omitindo-se em seu dever de ofício ao realizar as averbações apenas depois de já prenotado o título apresentado a registro pelo apelante, acabou o registrador por incidir em erro que, em tese, configura falta funcional decorrente da inobservância das prescrições legais ou normativas (art. 31, Lei nº 8.935/1994).

      Assim se afirma, pois está disposto nas Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, Capítulo XX do Tomo II, que:

      “108.3. Quando se tratar de ordem genérica de indisponibilidade de determinado bem imóvel, sem indicação do título que a ordem pretende atingir, não serão sustados os registros dos títulos que já estejam tramitando, porque estes devem ter assegurado o seu direito de prioridade. (…).”

      Na lição de Afrânio de Carvalho: “O princípio da prioridade significa que, num concurso de direitos reais sobre um imóvel, estes não ocupam todos o mesmo posto, mas se graduam ou classificam por uma relação de precedência fundada na ordem cronológica do seu aparecimento: prior tempore potior jure.

      Conforme o tempo em que surgirem, os direitos tomam posição no registro, prevalecendo os anteriormente estabelecidos sobre os que vierem depois”. (“Registro de Imóveis”, 4ª ed., Editora Forense, 1998, p. 181). Os títulos apresentados a registro serão, então, qualificados conforme a data de prenotação e sofrerão os efeitos de quaisquer outros fatos impeditivos que houverem, antes, acedido conhecimento do Oficial de Registro de Imóveis e dados ao Protocolo: prior in tempore, potior in iure, isto é, prevalece o fato jurídico com precedência, no tempo.

      Em outras palavras, a inscrição de título já prenotado não será sustada e a prioridade deverá ser assegurada. É sabido que o número de ordem determina a prioridade do título e que, portanto, não havendo notícia da anterior prenotação das ordens de indisponibilidade existentes na Central Nacional de Indisponibilidade de Bens CNIB e respectiva averbação na matrícula 85.599, haveria que ser concluída a qualificação do título protocolado pelo apelante.

      Destarte, constatada a irregularidade nas averbações de ordens de indisponibilidade realizadas na matrícula no 85.599 pelo 1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de São Bernardo do Campo, em desrespeito à prioridade do protocolo do título apresentado pelo apelante, mostra-se necessária a extração de cópias dos autos e respectiva remessa, pela DICOGE, à Corregedoria Permanente da Serventia Imobiliária, a quem caberá determinar as providências cabíveis, inclusive na esfera disciplinar, ante a prática, em tese, de falta administrativa pelo delegatário, decorrente do descumprimento de seus deveres de ofício, formando-se expediente de acompanhamento pela Corregedoria Geral de Justiça.

      Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao apelo, com determinação.

      FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

      Corregedor Geral da Justiça e Relator 

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