Venda de Ascendente a Descendente – Anulabilidade – Art. 496 do CC

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      Processo: 0000600-91.2007.8.06.0047 – Apelação TJCE

      Apelantes: Áurea Lúcia Abreu, José Olavo Filho, Ana Paula Lima Bessa e Mauro Rebouças Cordeiro

      Apelados: José Olavo e Camila Lima de Abreu.

      EMENTA: PROCESSUAL E CÍVEL. APELAÇÃO. AÇÃO ANULATÓRIA DE ESCRITURA DE COMPRA E VENDA DE ASCENDENTE PARA DESCENDENTE. PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE ATIVA E AUSÊNCIA DE INTERESSE AFASTADAS, POR SE CONFUNDIREM COM O MÉRITO. ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL REALIZADA DE PAI (ATRAVÉS DE MANDATÁRIO) PARA FILHA. INEXISTÊNCIA DE OUTORGA DE TODOS OS HERDEIROS. NULIDADE CONFIGURADA. INVALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO. MEDIDA QUE SE IMPÕE. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA.

      ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acorda a 4ª Câmara Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, em votação unânime, em conhecer do recurso de apelação, mas para negar-lhe provimento, tudo nos termos do voto do Desembargador Relator.

      Fortaleza, 20 de junho de 2017

      DURVAL AIRES FILHO

      Presidente do Órgão Julgador

      DESEMBARGADOR DURVAL AIRES FILHO

      Relator

      PROCURADOR DE JUSTIÇA

      RELATÓRIO

      Tratam os autos de uma Apelação, tendo como Apelantes Áurea Lúcia Abreu e outros e como Apelados José Olavo e Camila de Abreu, contra Decisum proferido pelo M.M.Juíz da 2ª Vara da Comarca de Baturité, que em sede de Ação Ordinária Anulatória julgou procedente o pedido exordial, anulando escritura pública de compra e venda de imóvel.

      José Olavo e Camila de Abreu ajuizaram Ação Ordinária Anulatória  contra Áurea Lúcia Abreu e outros, onde aduzem que em 17.02.1992 foi lavrada procuração pública, outorgada pelo requerente sr. José Olavo e sua antiga esposa. Maria Lúcia de Oliveira, concedendo amplos poderes ao Requerido Mauro  Rebouças Cordeiro, especialmente para vender uma casa residencial situada à  rua N. Sra. da Palma, 1524, Praça da Matriz, em Baturité/Ce.

      Afirmam que tomaram conhecimento que o promovido alienaria o aludido imóvel, sem que ao menos fosse comunicado, em razão ajuizou com uma Ação de Revogação de Procuração Pública, em 20.08.2007, no qual foi deferida a antecipação de tutela, notificando o referido Promovido acerca da revogação da procuração, bem como determinação ao 2º Ofício de Baturité, para se abster de qualquer ato jurídico relacionado à referida procuração.

      Um dia após a propositura da aludida ação, o Requerido alienou o imóvel a uma das filhas do Promovente, Áurea Lúcia Abreu Oliveira. O Promovido  transferiu o imóvel a uma das filhas do Promovente, sem levar em consideração a existência da então menor Camila Lima de Abreu, filha do Autor com a Sra. Lucivanda Maria Oliveira Lima.

      Requer a nulificação da venda realizada à promovida Áurea Lúcia Abreu Oliveira. Exordial e docs às fls.08/15.

      Contestação às fls.96/97, onde foram refutados os argumentos dispostos na exordial, pugnando pela improcedência do pedido, alegando que o promovente foi casado com Maria Lúcia de Oliveira, por 30 anos, advindo dessa união 03 filhos, tendo se separado de fato em 1991, quando fora outorgada a procuração ao Sr. Mauro Rebouças, dando plenos poderes para que fosse vendido o imóvel em que o casal residia, tendo se concretizado com a anuência de todos os herdeiros.

      Réplica às fls.99/102.

      Ministério Público manifestou-se pela desnecessidade de intervenção, tendo em vista a maioridade da Promovente Camila Abreu às fls.420/424.

      Sentença às fls. 452/458, que julgou procedente a ação anulatória de Escritura Pública de Compra e Venda do imóvel localizado à Rua Nossa Senhora da Palma, nº 1524, Praça da Matriz, registrado sob o nº R03/136, as fls. 123 do  Livro 2-A do 2º Cartório da Comarca de Baturité, com resolução de mérito, nos termos do art. 487, I do CPC.

      Apelação às fls.463/469, que traz a insurgência dos recorrentes que asseveram pela nulidade da sentença que foi fundamentada pelo não consentimento da filha Camila Lima de Abreu, com a referida venda à Aurea Lúcia Abreu, pugnando pelo conhecimento da preliminar de nulidade de sentença ante a não apreciação do pedido de extinção do processo sem resolução do mérito, por   ser a parte recorrida ilegítima e lhe faltar interesse de agir; pela validade do negócio jurídico entabulado pelas partes. Por fim requer o conhecimento e provimento do recurso de apelação.

      Em 31.10.2016 foi dado vistas a Procuradoria Geral de Justiça(fl.484),  que deixou de emitir parecer de mérito.

      É o que importa relatar. Peço dia para julgamento.

      VOTO

      Conheço do recurso de apelação ante a presença dos requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade. E, desde logo, afasto as preliminares arguídas, uma vez que a alegação de ilegitimidade ativa e ausência de interesse,   se confundem com o mérito da própria ação, como já consignado na sentença oriunda do primeiro grau.

      Realmente, é de se afastar a alegação de ilegitimidade da filha Camila Lima de Abreu, para interpor a presente ação anulatória, porque tecnicamente se mostra claro seu interesse no desfazimento da venda à irmã, cujo interesse na causa compôs-se em relação à parte que lhe caberia de herança. Ou seja, mesmo   o pai de idade avançada, não tendo falecido, não é possível o negócio jurídico por se tratar de simulação de venda, aliás, efetivada por intermédio de procuração, embora pese sobre o documento pedido de revogação, a partir da revocatória de mandato e outorga.

      No caso em tela, pai e filha (José Olavo e Camila Lima de Abreu) ajuizaram ação postulando a anulação de escritura pública de compra e venda celebrada, através de procuração outorgada pelo Sr. José Olavo e sua ex-esposa Sra. Maria Lúcia de Oliveira ao Sr. Mauro Rebouças Cordeiro, a qual fora concedidos amplos e gerais poderes, especificadamente para vender o imóvel constante  de  uma  casa  residencial  situada  na  Rua  Nossa  Senhora  da  Palma, nº1524, Praça da Matriz, e registrada sob o nº R.03/136, à fl. 123, do Livro 2-A. Nada mais que isso.

      Acresce observar que no instrumento procuratório, datado  de  17/02/1992, constam como outorgantes o Sr. José Olavo e sua então esposa Sra. Maria Lúcia de Oliveira, quando conferiram plenos poderes ao promovido Sr. Mauro Rebouças Cordeiro, para: vender, como já referido, a quem convencionar e melhor vantagem oferecer uma(01) casa residencial, situada á rua N. Sra da Palma, 1524, Praça da Matriz em Baturité/CE, podendo o procurador convencionar e receber o respectivo preço, dele dar recibos e quitação, outorgar e assinar a competente escritura, transmitir direitos, domínio e posse.

      Mesmo sendo válida a procuração, esta não poderia validar venda de imóvel que deixou de atender as exigências legais, inclusive sem a anuência de todos os herdeiros.

      A rigor, em que pese a irresignação dos apelantes, se trata de venda de ascendente a descendente, situação em que surgem dúvidas referente à venda de imóvel. E normalmente esse tipo de negócio não é nulo, mas anulável, caso em que todos os descendentes não comparecerem anuindo à venda, como ocorreu nos autos, quando deixou de haver consentimento expresso de todos os descendentes, bem como do cônjuge do alienante.

      Extrai-se do ordenamento do Código Civil, que vem disposto no art. 496, que "é anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido". Não é caso. Como se sabe, os elementos essenciais do contrato de compra e venda são o preço, a coisa e o consentimento. Lembra Agostinho Alvim que "a compra e venda reputa-se perfeita desde que haja coisa, preço e consentimento: res, praetium et consensus"(cf. Da compra e venda e da troca, Ed. Forense, 1961, p.02).

      Portanto, ausente o consentimento de todos os possíveis herdeiros, bem como o acordo entre ascendentes e descendentes a respeito do objeto e seu preço por escrito, não se pode aceitar a validade da Escritura Pública de Compra e   Venda, que ofende o disposto no  art. 482 do CC/02.

      Nesse sentido, colho julgados dos Tribunais Pátrios:

      Ementa: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO ANULATÓRIA. DOAÇÃO INOFICIOSA. DEMANDA AJUIZADA ANTES DA ABERTURA DO INVENTÁRIO. TEMA QUE, ADEMAIS, É DOTADO DE NATUREZA OBRIGACIONAL (ART. 496 , CC ) E, PORTANTO, CÍVEL.   1. Não se desconhece entendimento sedimentado nesta c. Câmara    Especial no sentido de que o conflito negativo de competência não é palco adequado para rediscutir questão analisada em sede de exceção ritual. 2. Ocorre que referida vedação não se aplica à hipótese, uma vez que a matéria agitada em sede de exceção de incompetência é dotada de natureza absoluta e, portanto, ao reverso da competência relativa, não se submete a  preclusão.
      3. Logo, considerando que a ação cível foi distribuída antes da abertura do inventário, ocorrendo perpetuatio jurisdictiones, bem assim levando em consideração a natureza cível da pretensão anulatória do instrumento de doação, a hipótese é de procedência do presente conflito para o fim de fixá- la junto ao d. Juízo suscitado. 4. Conflito de competência julgado procedente para o fim de fixá-la junto ao d. juízo suscitado.Encontrado em: Câmara Especial 26/09/2015 – 26/9/2015 Conflito de competência CC 00595734720158260000 SP 0059573.TJ-SP – Conflito de competência CC 00595734720158260000 SP 0059573-47.2015.8.26.0000 (TJ-SP). Data de publicação: 26/09/2015.

      Ementa: COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. ANULAÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDICO. VENDA DE ASCENDENTE PARA DESCENDENTE. SIMULAÇÃO COMPROVADA. PRETENSÃO DE TRANSMISSÃO DO BEM A HERDEIRO. FALTA DE ANUÊNCIA DOS DEMAIS. MERA APARÊNCIA DE LEGALIDADE DO ATO. ANULAÇÃO DE RIGOR. EXEGESE DO   ART. 496 /CC . RETORNO AO STATUS QUO ANTE. Em negócios fraudulentos, tais como aqueles praticados com simulação, os atos que aparentam legalidade são praticados justo para dar foros de correção a tais contratações. Daí porque o magistrado, para chegar à conclusão da existência da simulação, obriga-se a investigar nas franjas da negociação para extrair o vício que a contamina. Comprovada a simulação, com a escrituração de bem imóvel em nome de descendente, quando o terreno havia sido comprado pelos ascendentes, é de rigor a anulação da compra e venda, a teor do que estabelece o art. 496 do CC .

      RECONVENÇÃO. PEDIDO DE DESPEJO DA AUTORA QUE RESIDE NO IMÓVEL. ALEGAÇÃO DE PROPRIEDADE SOBRE O IMÓVEL AMPARADA POR CONTRATO DE CESSÃO DE DIREITOS, INSTRUMENTO PARTICULAR DE COMPRA E VENDA E ESCRITURA PÚBLICA. COMPRA E VENDA SIMULADA.   PROPRIEDADE   NÃO   COMPROVADA. IMPROCEDÊNCIA

      MANTIDA. No Brasil, o registro do imóvel em nome de quem se diz proprietário estabelece uma presunção apenas juris tantum da aquisição afirmada. Diferente é no sistema alemão, em que esta presunção é jure et jure, ou seja, não comporta prova contrária. Isto porque a propriedade, no sistema alemão, é completa e perfeitamente compartimentada. Daí que, no Brasil, mesmo que um determinado imóvel esteja registrado em nome de um determinado proprietário, a presunção de propriedade em nome dele é meramente relativa, capaz de ser derruída por prova em contrário, desde que se comprove que o título de aquisição não seja coincidente com o registro. Transpondo a lição para o caso concreto, é de se chegar à conclusão inefável de que o simples fato de constar determinado nome no registro do imóvel, como seu proprietário, não demonstra de maneira suficiente. TJ-SC – Apelação Cível AC 20130270786 SC 2013.027078-6 (Acórdão) (TJ-SC). Data de publicação: 13/11/2013.

      AÇÃO  DECLARATÓRIA  DE  NULIDADE  DE  ESCRITURA  PÚBLICA DE COMPRA  E  VENDA  DE  IMÓVEL.  Autor alegou  ter  comprado  o imóvel, registrando-o no nome da irmã para se resguardar de eventual partilha em relacionamento amoroso que acabara de iniciar. Afirmação de que a irmã se recusou a devolver o imóvel. Sentença de procedência. Irresignação da requerida. Desacolhimento. Ausência de provas das alegações da recorrente. Aplicação do art. 252 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça. Sentença mantida pelos próprios fundamentos. Recurso da requerida improvido. – Recurso adesivo do autor. Pleito de majoração dos honorários advocatícios e condenação dos demais requeridos nos ônus sucumbenciais. Ausência de sucumbência recíproca. Artigo 500 do Código de Processo Civil. Recurso adesivo do autor não conhecido. (TJ-SP – APL: 40092741520138260114  SP  4009274-15.2013.8.26.0114,  Relator:  Silvia Maria Facchina Esposito Martinez, Data de Julgamento: 09/03/2016, 7ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 09/03/2016)

      AÇÃO   DECLARATÓRIA   DE   EXISTENCIA   DE   NEGÓCIO  JURÍDICO CUMULADA COM PEDIDO DE ADJUDICAÇÃO. Recibo de pagamento que contém o preço e a identificação do imóvel. Alegação de anulabilidade do negócio por ausência de anuência expressa dos demais descendentes. Anuência do descendente faltante prestada em documento posterior. Anulabilidade do negócio, de resto, já superada convalidada pelo decurso do prazo decadencial de dois anos. Alegação da incapacidade do alienante. Matéria que exige a produção de provas e inviabiliza o julgamento antecipado da lide. Sentença anulada. Recurso provido em parte.(TJ-SP – APL:  10654897020148260100  SP  1065489-70.2014.8.26.0100,   Relator: Francisco Loureiro, Data de Julgamento: 14/10/2016, 1ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 14/10/2016)

      Em suma: temos uma Ação Anulatória de Escritura de Compra e Venda, com o levantamento das preliminares de ilegitimidade ativa e ausência de interesse afastadas, por se vincularem ao mérito da ação que trata de Escritura Pública realizada por mandatário que vendeu imóvel para a filha do requerente, mas que diante da inexistência de outorga de todos os herdeiros, resta configurada a nulidade, provocando a invalidade do negócio jurídico, com o consequente desfazimento da compra e venda, que é medida que se impõe, no caso concreto.

      Diante de todo o arcabouço fático e jurídico, conheço do recurso de apelação, mas para negar-lhe provimento, uma vez que inexistiu outorga de um dos filhos, ou seja, da filha Camila Lima de Abreu que não concordou expressamente com a referida venda do imóvel, inclusive, porque à época era menor, mantendo hígida a sentença objurgada.

      É como voto. É como me posiciono.

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