TJSP – CSM – Usucapião extrajudicial – Controvérsia sobre a natureza da posse exercida pelos usucapientes – Procedimento administrativo – Impossibilidade de ampla dilação probatória – Remessa das partes às vias ordinárias.

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      PODER JUDICIÁRIO

      TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

      CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

      Apelação Cível nº 1003543-65.2019.8.26.0539

      Registro: 2021.0000448969

      ACÓRDÃO

      Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1003543-65.2019.8.26.0539, da Comarca de Santa Cruz do Rio Pardo, em que são apelantes MARIA CLARA NAPOLITANO WAJSS, RENAN GOLINELLI ROCHITE, THIAGO RODRIGO ROCHITI e JOSÉ CARLOS BENEDITO NAPOLITANO, são apelados OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SANTA CRUZ DO RIO PARDO, TATIANA PACE DI MASE e MARCO ANTONIO PACE.

      ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Afastaram a preliminar e negaram provimento, v.u.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

      O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

      São Paulo, 8 de junho de 2021.

      RICARDO ANAFE

      Corregedor Geral da Justiça e Relator

      Apelação Cível nº 1003543-65.2019.8.26.0539

      Apelantes: Maria Clara Napolitano Wajss, Renan Golinelli Rochite, Thiago Rodrigo Rochiti e José Carlos Benedito Napolitano

      Apelados: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Santa Cruz do Rio Pardo, Tatiana Pace Di Mase e Marco Antonio Pace

      VOTO Nº 31.488

      Registro de Imóveis – Usucapião extrajudicial – Impugnação fundamentada – Controvérsia sobre a natureza da posse exercida pelos usucapientes e, portanto, relativa ao domínio do imóvel – Procedimento administrativo – Impossibilidade de ampla dilação probatória – Remessa das partes às vias ordinárias – Afasta-se a preliminar – Nega-se provimento ao recurso.

      1. Trata-se de apelação interposta por Maria Clara Napolitano Wajss, José Carlos Benedito Napolitano, Renan Golinelli Rochite Thiago Rodrigo Rochiti contra a sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente que, em razão de impugnação oferecida pelos condôminos Tatiana Pace Di Mase Marco Antônio Pace, manteve a recusa do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Santa Cruz do Rio Pardo/SP em promover o registro de aquisição da propriedade do imóvel objeto da matrícula nº 36.727 daquela serventia imobiliária (fl. 1195/1197).

      Os recorrentes sustentam, em síntese, que os impugnantes deixaram de fazer prova da alegada composse de todos os herdeiros da falecida Francisca Conzo Napolitano, tolerância ou mera permissão no uso da área usucapienda. Afirmam que exercem posse mansa, pacífica, ininterrupta, com ânimo de dono e exclusiva sobre o imóvel, tanto que os demais herdeiros e coproprietários, Maria Christina Napolitano, Pascoal Ricardo Napolitano Márcia Camarinha Napolitano, concordaram expressamente com o pedido. Aduzem que, nos autos do inventário dos bens deixados pela de cujus, no ano de 1997 houve a divisão amigável da denominada Fazenda Três Marias em oito glebas, com a expressa anuência de todos os herdeiros, incluindo Carla Maria Napolitano Pace, falecida esposa e mãe dos impugnantes. Acrescentam que a partilha homologada nos autos do inventário atribuiu aos herdeiros suas respectivas glebas e não, partes ideais do imóvel. Negam, assim, a existência de composse sobre a gleba que lhes coube, razão pela qual requerem o afastamento das impugnações para acolhimento do pedido de usucapião extrajudicial e efetivação do registro pretendido. Subsidiariamente, pugnam pelo deferimento de realização de instrução sumária, nos termos das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, a fim de comprovar que o imóvel, em que inserida a área usucapienda, está dividido em glebas desde 1999 (fl. 1218/1226).

      A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fl. 1247/1250).

      Os recorrentes, então, insistiram na reforma da sentença proferida nos autos (fl. 1253/1258).

      Contrarrazões de apelação a fl. 1262/1271.

      É o relatório.

      2. Desde logo, há que ser afastada a alegada intempestividade da apelação interposta. O prazo para apelação tem início com a publicação da r. sentença (art. 231, inciso VII, do Código de Processo Civil), considerando-se como data da publicação o primeiro dia útil subsequente ao da disponibilização da intimação no DJe (arts. 224, § 2º, e 231, inciso VII, ambos do Código de Processo Civil). A r. sentença recorrida foi disponibilizada no DJe de 31 de janeiro de 2020 (fl. 1202), sendo a data da publicação o dia 03 de fevereiro de 2020. Por sua vez, embora tenha natureza administrativa, contra a sentença prolatada em procedimento de dúvida é cabível recurso de apelação (art. 202 da Lei nº 6.015/73), que é inteiramente regulado no Código de Processo Civil, o que enseja a contagem do prazo de recurso em dias úteis.

      O prazo de recurso, de quinze dias úteis (art. 219 do Código de Processo Civil), teve início em 04 de fevereiro de 2020, sendo interrompido pela interposição de embargos de declaração, em 10 de fevereiro de 2020 (fl. 1203/1206). Disponibilizada a decisão que rejeitou os embargos de declaração em 28 de fevereiro de 2020 (fl. 1209), sua publicação ocorreu em 02 de março de 2020, começando a correr o prazo de apelação em 03 de março de 2020, que foi posteriormente suspenso a partir de 16 de março de 2020, inclusive, por força dos Provimentos CSM nos 2545/2020, 2548/2020 e 2549/2020. Nos termos do Provimento CSM nº 2554/2020, a partir de 04 de maio de 2020 os prazos processuais dos processos judiciais e administrativos que tramitam em meio eletrônico voltaram a fluir, sendo restituídos por tempo igual ao que faltava para sua complementação (art. 221 do Código de Processo Civil).

      Ocorre que, em 30 de abril de 2020, foi publicada no DJe, p. 09, autorização da Egrégia Presidência do Tribunal de Justiça de transferência do feriado do dia 13 de maio de 2020 para o dia 04 de maio de 2020, na Comarca de Santa Cruz do Rio Pardo, somente naquele ano. Assim, especificamente naquela Comarca, os prazos processuais dos processos judiciais e administrativos que tramitam em meio eletrônico voltaram a fluir em 05 de maio de 2020, o que torna tempestivo o recurso interposto em 12 de maio de 2020.

      3. Os recorrentes pretendem o reconhecimento da usucapião extrajudicial do imóvel rural com área total de 935,2028ha, descrita no memorial a fl. 32/40 e na planta a fl. 41, identificado como Gleba E da Fazenda Três Marias, localizado no Município de São Pedro do Turvo, Comarca de Santa Cruz do Rio Pardo/SP. Alegam, em suma, que estão na posse mansa, pacífica e ininterrupta da área usucapienda, com exclusão dos demais coproprietários tabulares e animus domini, por mais de quinze anos (art. 1.238 do Código Civil).

      O imóvel usucapiendo é objeto da matrícula nº 36.727 (fl. 602/615), com origem em área maior matriculada sob nº 3.700 (fl. 552/601) junto ao Registro de Imóveis de Santa Cruz do Rio Pardo/SP, na qual figuram como proprietários tabulares Maria Clara Napolitano Wajss, José Carlos Benedito Napolitano, Renan Golinelli Rochite, Thiago Rodrigo Rochiti, Maria Christina Napolitano, Pascoal Ricardo Napolitano, Márcia Camarinha Napolitano, Maria do Carmo Napolitano Freitas, Márcio do Carmo Freitas, Marco Antônio Pace, Tatiana Pace di Mase Bruno Pace. Destes, Maria do Carmo Napolitano Freitas Márcio do Carmo Freitas apresentaram impugnação intempestiva, enquanto Marco Antônio Pace Tatiana Pace di Mase apresentaram impugnação questionando a posse exclusiva dos apelantes sobre a área, bem como o preenchimento dos demais requisitos legais para a usucapião.

      Segundo os impugnantes, o imóvel objeto da matrícula nº 3.700 foi partilhado entre os herdeiros de Francisca Conzo Napolitano, havendo, portanto, composse entre os condôminos. Afirmam que os requerentes ocupam a área usucapienda por mera tolerância e permissão dos demais coproprietários e que, por já possuírem título dominial em seu nome, não poderiam se utilizar da usucapião extrajudicial para desmembramento da gleba pretendida. Acrescentam que a retificação administrativa da matrícula nº 3.700, que deu ensejo à abertura da matrícula nº 36.727, não interfere no direito dos demais herdeiros sobre as frações ideais que lhes foram atribuídas no inventário.

      A análise cabível nestes autos, cumpre ressaltar, não se relaciona ao preenchimento dos requisitos da usucapião extraordinária pelos apelantes. Há que ser decidido, em verdade, se as impugnações apresentadas podem, ou não, ser consideradas infundadas. A propósito do tema, assim dispunham os itens 429 e seguintes (atuais itens 420 e seguintes) das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça:

      429. Em caso de impugnação do pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, apresentada por qualquer um dos titulares de direito reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, por algum dos entes públicos ou por algum terceiro interessado, o Oficial de Registro de Imóveis tentará conciliar as partes e, não havendo acordo, remeterá, por meio eletrônico, os autos ao juízo competente da comarca da situação do imóvel, cabendo ao requerente emendar a petição inicial para adequá-la ao procedimento comum.

      (…)

      429.2. Consideram-se infundadas a impugnação já examinada e refutada em casos iguais ou semelhantes pelo juízo competente; a que o interessado se limita a dizer que a usucapião causará avanço na sua propriedade sem indicar, de forma plausível, onde e de que forma isso ocorrerá; a que não contém exposição, ainda que sumária, dos motivos da discordância manifestada; a que ventila matéria absolutamente estranha à usucapião; e a que o Oficial de Registro de Imóveis, pautado pelos critérios da prudência e da razoabilidade, assim reputar.

      (…)

      429.4. Se a impugnação for fundamentada, depois de ouvir o requerente o Oficial de Registro de Imóveis encaminhará os autos ao juízo competente.

      429.5. Em qualquer das hipóteses acima previstas, os autos da usucapião serão encaminhados ao juízo competente que, de plano ou após instrução sumária, examinará apenas a pertinência da impugnação e, em seguida, determinará o retorno dos autos ao Oficial de Registro de Imóveis, que prosseguirá no procedimento extrajudicial se a impugnação for rejeitada, ou o extinguirá em cumprimento da decisão do juízo que acolheu a impugnação e remeteu os interessados às vias ordinárias, cancelando-se a prenotação.

      No caso concreto, as impugnações apresentadas pelos cotitulares de domínio são fundamentadas, visto que não se enquadram em nenhuma das hipóteses referidas no item 429.2 acima transcrito.

      Com efeito, ante as alegações deduzidas pelos impugnantes no sentido de que há mera tolerância e permissão por parte dos demais titulares de domínio quanto ao uso da gleba pelos apelantes, ficou caracterizada a existência de fundada dúvida em relação à natureza da posse por eles exercida sobre a área denominada Gleba E da Fazenda Três Marias.

      O requerimento dos apelantes e as impugnações oferecidas demonstram que existe litígio referente à natureza da posse e, portanto, relativo ao domínio do imóvel, o que é suficiente para afastar a via extrajudicial como forma de declaração da aquisição de domínio. Essa solução não se altera em virtude do alegado exercício de posse por período suficiente para a usucapião pretendida, independentemente da origem registrária, pois o §10 do art. 216-A da Lei nº 6.015/73 veda o reconhecimento da usucapião na esfera administrativa se houver impugnação por qualquer dos titulares de direitos reais:

      Art. 216-A: (…)

      § 10. Em caso de impugnação do pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, apresentada por qualquer um dos titulares de direito reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, por algum dos entes públicos ou por algum terceiro interessado, o oficial de registro de imóveis remeterá os autos ao juízo competente da comarca da situação do imóvel, cabendo ao requerente emendar a petição inicial para adequá-la ao procedimento comum.

      No mesmo sentido, prevê o art. 18 do Provimento CNJ nº 65/2017:

      “Art. 18. Em caso de impugnação do pedido de reconhecimento extrajudicial da usucapião apresentada por qualquer dos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes, por ente público ou por terceiro interessado, o oficial de registro de imóveis tentará promover a mediação e conciliação entre as partes interessadas.

      § 1º Sendo infrutífera a conciliação ou a mediação mencionada no caput deste artigo, persistindo a impugnação, o oficial de registro de imóveis lavrará relatório circunstanciado de todo o processamento da usucapião.

      § 2º O oficial de registro de imóveis entregará os autos do pedido da usucapião ao requerente, acompanhados do relatório circunstanciado, mediante recibo.

      § 3º A parte requerente poderá emendar a petição inicial, adequando-a ao procedimento judicial e apresentá-la ao juízo competente da comarca de localização do imóvel usucapiendo".

      Ressalte-se, no mais, que os próprios apelantes insistem na ausência de provas da alegada composse por parte dos impugnantes, o que exclui, por completo, a possibilidade da usucapião extrajudicial. A questão controvertida, como se vê, deverá ser solucionada após ampla dilação probatória, em ação judicial.

      Destarte, havendo disputa entre os titulares de domínio do imóvel e questionamentos sobre a natureza da posse exercida pelos apelantes, prevalece o indeferimento do registro da usucapião extrajudicial pretendida,sendo de rigor a remessa dos interessados à ação judicial contenciosa adequada a dirimir o litígio.

      4. À vista do exposto, pelo meu voto, afasto a preliminar e nego provimento ao recurso.

      RICARDO ANAFE

      Corregedor Geral da Justiça e Relator

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