TJSP – CSM – Regularização fundiária urbana – Dúvida suscitada nos termos do item 310.3 do capítulo XX do tomo II das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça – Escritura pública de mais de quarenta anos.

    Receba gratuitamente a minha e-apostila!

    “10 Artigos Legais Essenciais para conhecer o Direito Notarial e Registral”

    Cadastre-se:



      Receba gratuitamente a minha e-apostila!

      “10 Artigos Legais Essenciais para conhecer o Direito Notarial e Registral”

      PODER JUDICIÁRIO

      TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

      CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

      Apelação nº 1001430-88.2021.8.26.0048

      Registro: 2022.0000653338

      ACÓRDÃO

      Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1001430-88.2021.8.26.0048, da Comarca de Atibaia, em que é apelante IMOBILIÁRIA DEL GIGLIO LTDA – EM LIQUIDAÇÃO, é apelado OFICIAL DO REGISTRO DE IMOVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE ATIBAIA.

      ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

      O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

      São Paulo, 4 de agosto de 2022.

      FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

      Corregedor Geral da Justiça

      Relator

      strong>APELAÇÃO CÍVEL nº 1001430-88.2021.8.26.0048

      APELANTE: Imobiliária Del Giglio Ltda – Em Liquidação

      APELADO: Oficial do Registro de Imoveis e Anexos da Comarca de Atibaia

      VOTO Nº 38.750

      Registro de imóveis – Regularização fundiária urbana – Dúvida suscitada nos termos do item 310.3 do capítulo XX do tomo II das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça – Escritura pública de mais de quarenta anos – Inexatidões que não bastam para indeferir registro stricto sensu baseado nesse título – Inexistência de declaração jurisdicional da falsidade – Impossibilidade de negar fé a instrumento público, nesta esfera administrativa – Admissibilidade do registro pretendido – Apelação a que se nega provimento.

      Trata-se de apelação (fls. 74/94) interposta por Imobiliária Del Giglio Ltda. – em Liquidação contra a r. sentença (fls. 62/68) proferida pelo MM. Juiz de Direito da 2ª Vara Cível de Atibaia, Corregedor Permanente da Oficial de Registro de Imóveis e Anexos dessa Comarca.

      Segundo a Oficial de Registro de Imóveis (fls. 01/07), o loteamento Vila Nova Trieste sofreu regularização fundiária parcial (Lei n. 13.465/2017, arts. 69 e 36, § 2º), e foram abertas matrículas para cada uma das novas unidades. Diante disso, Severino Sebastião Filho apresentou uma escritura de compra e venda pela qual a Imobiliária Del Giglio Ltda. vendera a Conceição do Rosário de Abreu e a seu marido José Matias de Barros os lotes 3391 e 3392 e, além disso, uma escritura pública de partilha causa mortis dos bens deixados por José Matias de Barros, na qual os ditos lotes foram atribuídos a ele Severino. Esse interessado também pediu que o registro fosse feito com base na nova descrição dos lotes, mediante requerimento expresso. Naquela escritura de compra e venda, consta como vendedora a Imobiliária Del Giglio Ltda., é certo, mas há informações divergentes (CGC desconhecido do cartório de registro de imóveis; divergência na menção à procuração pública passada em favor do representante da imobiliária; referência a ata de assembleia geral extraordinária, em 1962, da Imobiliária Del Giglio, que foi dissolvida em 1955 e tinha a forma de limitada).

      Essas informações discrepantes, porém, não são empecilho ao registro colimado, porque não impedem a correta qualificação da vendedora Imobiliária Del Giglio Ltda.; todavia, a Oficial, ad cautelam, submeteu o caso à apreciação da Corregedoria Permanente, na forma dos itens 39.7 e 310.3 do Capítulo XX do Tomo II das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça NSCGJ.

      Examinando o caso e a documentação, concluiu a r. sentença (fls. 62/68) que a Oficial devia proceder ao registro, como solicitado pelo interessado Severino Sebastião Filho, e disso apelou a Imobiliária Del Giglio Ltda. – em Liquidação (fls. 74/94).

      Em síntese, a recorrente alega que não admite a legalidade da compra e venda que se pretende dar a registro, porque os documentos apresentados são ilícitos: (a) Abdoral da Cunha Freire, que compareceu na escritura de compra e venda, nunca foi procurador da Imobiliária Del Giglio Ltda., tanto que o mandato supostamente passado por essa traz os dados de outra pessoa jurídica, qual seja Administradora e Imobiliária Del Giglio S.A.(b) de qualquer forma, essa procuração não continha poderes especiais (Cód. Civil, art. 661, § 1º) para alienar ou de qualquer forma transacionar lotes do empreendimento Vila Trieste ou Vila Nova Trieste, que estava irregular na época do negócio; (c) portanto, o tabelionato foi negligente ao lavrar a procuração e a escritura de compra e venda; (d) o representante legal da Imobiliária, Samuele del Giglio, nunca outorgou nenhuma procuração ao mencionado Abdoral da Cunha Freire, e a suposta venda, celebrada com descumprimento de formalidade essencial, tem de ser considerada inexistente ou nula; e (e) o dito Abdoral da Cunha Freire, sócio de outra imobiliária, chegou a incorporar fraudulentamente a já dissolvida (em 1955) Imobiliária Del Giglio Ltda., e para tanto falsificou contrato, de modo que nos autos n. 1045255-72.2018.8.26.0053 foi concedida tutela provisória para suspender os efeitos dessa incorporação. Assim, a r. sentença tem de ser reformada, para que não se permita a inscrição pretendida.

      A Oficial de Registro de Imóveis apresentou contrarrazões (fls. 144).

      A douta Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo não provimento da apelação (fls. 152/156).

      O recurso, originalmente remetido à Corregedoria Geral da Justiça, foi finalmente distribuído a este Conselho Superior da Magistratura (fls. 159/161).

      É o relatório.

      Observe-se, de início, que o ato colimado pelo requerente Severino Sebastião Filho é, ao fim e ao cabo, um registro, em sentido estrito, de modo que, aplicando-se, no que couberem, as regras vigentes para o processo da dúvida (NSCGJ, II, XX, itens 39.7 e 310.3), a competência para processo e julgamento é deste Conselho Superior da Magistratura.

      In medias res, os imóveis em questão (matrículas n. 135.434 e 135.435, do Ofício de Registro de Imóveis de Atibaia lotes 3.391 e 3.392 fls. 52/55) têm como dona a Imobiliária DelGiglio Ltda. (fls. 52 e 54).

      Um dos títulos trazidos pelo interessado Severino Sebastião Filho (42/45 e 49) é escritura pública (fls. 32/38) em que a Imobiliária Del Giglio Ltda., representada por seu liquidante Samuele Del Giglio, representado por Abdoral da Cunha Freire (fls.32), vendera os dois mencionados imóveis (fls. 34) a Conceição do Rosário de Abreu, casada em regime da comunhão universal de bens com José Matias de Barros (fls. 33).

      A Oficial, nos termos do que lhe permitem, hoje, as NSCGJ, II, XX, 310.3, não procedeu ao registro stricto sensu, porque:

      (a) na escritura pública foi usado, pela vendedora Imobiliária Del Giglio Ltda., um número de CGC (Cadastro Geral de Contribuinte) desconhecido do cartório (fls. 32);

      (b) foi mencionada uma escritura pública de procuração, em favor de Abdoral da Cunha Freire (fls. 33) que é divergente com os documentos arquivados no ofício de registro de imóveis; e (c) consta estranha referência a uma assembleia geral extraordinária, em 1962, conquanto a pessoa jurídica tivesse sido dissolvida em 1955.

      Ora, esses óbices devem ser afastados.

      Tratando-se de imóveis submetidos a regularização fundiária urbana (fls. 53 e 55), não se exige, para a qualificação de títulos destinados a reatar o trato consecutivo, a indicação de número de cadastro fiscal (CPF, CNPJ ou, ainda, CGC) dos alienantes anteriores; ademais, como mencionaram a Oficial (fls. 05) e a r. sentença (fls. 64), é provável que a inscrição no CGC (que à época não era compulsória), tenha sido feita apenas para alguma finalidade fiscal específica, pelo procurador Abdoral da Cunha Freire, sem que isto, entretanto, implique incerteza quanto ao conteúdo mesmo do ato notarial.

      A divergência quanto à procuração pública de que estava munido Abdoral da Cunha Freire também é irrelevante: a escritura de compra e venda (fls. 33) menciona que essa procuração foi passada a fls. 348 do livro 391, quando o certo é fls. 358 (fls. 27/31).

      A referência a uma assembleia geral celebrada em 1962 (fls. 27 e 36) é também estranha, se for considerado que a dissolução data de 1955 (fls. 24); novamente, porém, não decorre daí incerteza quanto à substância dos negócios jurídicos (= o mandato outorgado a Abdoral, de um lado, e a compra e venda, de outro) e, pois, não existe razão para denegar a qualificação positiva ao título.

      Não favorece a apelante Imobiliária Del Giglio Ltda., neste campo administrativo, a alegação de que Abdoral da Cunha Freire nunca foi procurador da sociedade, ao contrário do que constou na escritura pública de compra e venda (fls. 32). Pelo contrário: como se vê na copiosa documentação trazida pela oficial de registro de imóveis, em 1978 Samuele (ou Samuel) del Giglio transferira a Abdoral todos os direitos relativos ao Loteamento Nova Trieste, onde estão os imóveis em questão (fls. 08), o que foi ratificado em 1980 (fls. 10/11) e 1981 (fls. 12/13) sem contar o fato, já mencionado, de que Abdoral ainda contava com procuração pública desde 1980 (fls. 27/31).

      Tampouco beneficia a recorrente a afirmação de que a procuração pública passada a Abdoral não continha poderes específicos para a alienação de imóveis determinados, na interpretação que hoje, mais recentemente, se vem dando ao § 1º do art. 661, do Código Civil (antes, § 1º do art. 1.295 do Cód. Civil de 1916): segundo o entendimento da época, bastava a cláusula com poderes expressos para “outorgar e assinar escrituras de venda e compra de imóveis”, como constara (fls. 27), e tanto é assim que até hoje as Normas de Serviço da Corregedoria Geral ainda rezam que “por poderes especiais na procuração para os fins do art. 661, §1º, do Código Civil,” entende-se “a expressão ‘todos e quaisquer bens imóveis’ ou expressão similar, sendo desnecessária a especificação do bem” (NSCGJ, II, XVI, 131.1).

      A apelante tampouco tem razão quando pretende que se rejeite a escritura de compra e venda (fls. 32/38) por conta de supostas outras irregularidades praticadas pelo procurador Abdoral da Cunha Freire: ainda que este, por hipótese, tenha agido com abuso ou excesso de poderes, ou haja cometido fraudes (como, e. g., ao proceder a uma incorporação societária), fato é que a dita escritura pública e o mandato que a sustenta não foram desconstituídos por ação de cariz jurisdicional (Cód. de Proc. Civil, art. 427, caput), de maneira que indícios inconclusivos sobre incertezas ou falsidades (como o parecer posto a fls. 103/105, que não chega a concluir pela contrafação) não podem impedir a eficácia dos documentos públicos com que o interessado Severino Sebastião Filho sustenta a sua pretensão a inscrever. Nesse sentido, note-se que a recorrente já tentou desfazer a eficácia desses instrumentos, na via administrativa, mas sem sucesso, como era de esperar, não somente porque isso tem de ser obtido da esfera contenciosa, mas ainda porque não havia prova suficiente da falsidade. Confira-se:

      “Aponta, nessa senda, que mero equívoco na qualificação da parte não basta para comprovar a alegada fraude. Igualmente, ressalta que mesmo sociedades dissolvidas podem outorgar Escrituras, haja vista a necessidade de se concluir negócios já pactuados. […] Com efeito, os fatos remontam há mais de três décadas, em período que em muito antecedeu a investidura dos atuais Delegatários. Logo, e também por isso, não há que se cogitar de instauração de procedimento administrativo, no âmbito disciplinar. Outrossim, não vejo, por ora, razão para manter o bloqueio sobre os atos analisados (ou determinar novos bloqueios). Portanto, determino seu levante em relação aos atos constritos do Senhor 20º Tabelião, haja vista que não comprovada irregularidade, fraude ou ilícito administrativo em sua lavratura. Destaco à parte autora que sua pretensão, acaso persista, deve ser buscada nas vias judiciais próprias, uma vez que a atribuição deste Juízo, conforme explanado, se encerra na atuação das serventias correicionadas. Por conseguinte, à míngua de providência censório-disciplinar a ser adotada, determino o arquivamento dos autos.” (2ª Vara de Registros Públicos da Comarca de São Paulo, Autos n. 1084802-07.2020.8.26.0100, j. 26/07/2021)

      “A alegação, pela parte Representante, de irregularidade, falha ou fraude nos atos praticados diante das serventias correicionadas não merece guarida, pese embora os elevados argumentos apresentados. De início, consigno que, ante à antiguidade dos atos, a análise mais detalhada de como se deu sua confecção resta deveras prejudicada, em especial por conta da diferente prática acautelatória seguida àquele tempo.

      Quanto a isso, destaco que a cautela notarial sofreu diversos aprimoramentos e enrijecimentos ao longo das décadas que se passaram. Noutro turno, a equivocada qualificação e o fato de que as sociedades outorgantes já não mais subsistiam à época das avenças não viciam ou mancham de fraude, à primeira vista, os atos lavrados. […] Outrossim, não vejo, por ora, razão para manter o bloqueio sobre os atos analisados (ou determinar novos bloqueios). Portanto, determino seu levante em relação aos atos constritos do Senhor 20º Tabelião, haja vista que não comprovada irregularidade, fraude ou ilícito administrativo em sua lavratura. Destaco à parte autora que sua pretensão, acaso persista, deve ser buscada nas vias judiciais próprias, uma vez que a atribuição deste Juízo, conforme explanado, se encerra na atuação das serventias correicionadas. Por conseguinte, à míngua de providência censório-disciplinar a ser adotada, determino o arquivamento dos autos.” (2ª Vara de Registros Públicos da Comarca de São Paulo, Autos n. 1094957-69.2020.8.26.0100, j. 15.3.2021)

      Em suma: como já apontara a r. sentença, não existe razão de direito para denegar a pretensão a inscrever baseada na escritura pública em discussão, de maneira que deve ser afastado o óbice levantado pelo ofício de registro de imóveis, e tem de ser deferido o registro stricto sensu, como pretendido.

      Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

      FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA
      Corregedor Geral da Justiça

      Deixe um comentário

      O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

      Últimas postagens

      Últimas postagens

      Últimas postagens