TJSP – CSM – Registro de instrumento particular de venda com financiamento bancário garantido por AFG – Qualificação negativa – Ordem judicial de indisponibilidade de bens que recai sobre o devedor fiduciante – Inexistência de obstáculo ao registro

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      PODER JUDICIÁRIO

      TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

      CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

      Apelação Cível nº 1001257-77.2023.8.26.0506

      Registro: 2024.0000118340

      ACÓRDÃO 

      Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1001257-77.2023.8.26.0506, da Comarca de Ribeirão Preto, em que são apelantes SILVIO DANIEL ALVES MICA e LUCIMARA CANDIDA BARBOSA MICA, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE RIBEIRÃO PRETO.

      ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

      O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

      São Paulo, 16 de fevereiro de 2024.

      FRANCISCO LOUREIRO

      Corregedor Geral da Justiça e Relator

      APELAÇÃO CÍVEL nº 1001257-77.2023.8.26.0506

      Apelantes: Silvio Daniel Alves Mica e Lucimara Candida Barbosa Mica

      Apelado: 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Ribeirão Preto

      VOTO Nº 42.984

      Registro de imóveis  Dúvida inversa julgada procedente  Registro de instrumento particular de venda e compra com financiamento bancário garantido por alienação fiduciária  Qualificação negativa  Ordem judicial de indisponibilidade de bens que recai sobre o devedor fiduciante  Inexistência de obstáculo ao registro do título  Precedentes da Corregedoria Geral da Justiça – Óbice afastado  Apelação provida para julgar improcedente a dúvida e autorizar o registro.

      Trata-se de recurso de apelação interposto por Silvio Daniel Alves Mica e Lucimara Candida Barbosa Mica contra a r. sentença de fls. 75/76, proferida pela MMª Juíza Corregedora Permanente do 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Ribeirão Preto, que julgou “improcedente” a dúvida inversamente suscitada pela parte e manteve a recusa em se proceder ao registro de instrumento particular de venda e compra com financiamento bancário garantido por alienação fiduciária, que tem por objeto o imóvel matriculado sob n. 202.167 perante a referida serventia extrajudicial (prenotação n. 576.005).

      Fê-lo a r. sentença, basicamente, diante da existência de ordem de indisponibilidade dos bens em nome do coadquirente Silvio Daniel Alves Mica, oriunda da 6ª Vara do Trabalho de Ribeirão Preto (Processo de autos n. 00011242220115150153), conforme registro datado de 04/09/2017, constante nos arquivos da serventia, o que impede a inscrição da garantia fiduciária em favor de Itaú Unibanco S.A.

      Segundo a magistrada, o registro do contrato depende de prévio cancelamento da referida restrição judicial (fls. 75/76).

      Apelam os suscitantes, alegando, em resumo, que não estão se desfazendo de bens, mas, ao contrário, estão aumentando o seu patrimônio, sendo que o financiamento bancário para aquisição do imóvel da matrícula n. 202.167 foi concedido mediante pacto adjeto de alienação fiduciária em favor do banco credor, de modo que eles, devedores fiduciantes, não dispõem da titularidade do imóvel enquanto pendente a quitação da dívida; que há posicionamento da Corregedoria Geral de Justiça, Recurso Administrativo n. 1117050-60.2019.8.26.0100 (Parecer CG 128/2020-E), pelo afastamento do óbice relativo à existência de indisponibilidade em desfavor do devedor fiduciante.

      Em razão do exposto e pelo que mais argumentam às fls. 83/90, pedem o provimento de seu apelo.

      A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento (fls. 122/123).

      É o relatório.

      Decido.

      O recurso comporta provimento, respeitado o entendimento da MMª Juíza a quo.

      Por primeiro, vale notar que, embora a dúvida inversamente suscitada pela parte tenha sido julgada improcedente, o comando judicial foi pela manutenção do óbice.

      No mérito, como se sabe, o Oficial dispõe de autonomia no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (art. 28 da Lei n. 8.935/1994).

      No caso, o Oficial entendeu pela recusa de registro do instrumento particular de venda e compra com financiamento bancário garantido por alienação fiduciária em virtude de ordem de indisponibilidade em nome do devedor fiduciante (fls. 08/25, 26/27, 32/36, 37 e 65/66).

      Contudo, o entendimento mais recente desta Corregedoria Geral da Justiça é no sentido da possibilidade de averbação da consolidação da propriedade de imóvel em favor do credor fiduciário na hipótese de inadimplemento, a despeito da existência de averbação de indisponibilidade contra devedor fiduciante (Parecer CG 128/2020-E).

      A solução em questão fundamentou-se na lógica de que não há como a indisponibilidade recair sobre o próprio bem se o devedor ainda não detém a propriedade plena, de modo que incabível que tal restrição se estenda ao credor fiduciário e até mesmo aos demais credores que buscam no patrimônio do devedor a satisfação de suas obrigações.

      Destacou-se que entendimento contrário, no sentido de que a indisponibilidade na matrícula obsta a consolidação da propriedade, vai de encontro ao conceito do próprio instituto da alienação fiduciária.

      Conforme o Parecer em questão, de lavra do Juiz Assessor da Corregedoria Alberto Gentil de Almeida Pedroso, com aprovação pelo então Corregedor Geral da Justiça, Desembargador Ricardo Anafe (destaques nossos):

      “Entretanto, adentrando na análise do modelo idealizado pela Lei n.° 9.514/97 para alienação fiduciária, não parece existir óbice algum ao ato de consolidação da propriedade em favor do credor, desde que observado o procedimento legal – pois a indisponibilidade não atinge especificamente o bem imóvel objeto do contrato, mas os direitos reservados ao devedor.

      (…) O bem objeto de alienação fiduciária não encontra-se no patrimônio do devedor até quitação da dívida firmada entre as partes. Assim, mostra-se equivocado impedir a consolidação da propriedade outrora resolúvel em definitivo em favor do credor sob o argumento de existir ordem de indisponibilidade.

      Em reforço, vale trazer à baila posição atual da Jurisprudência sobre o não alcance das ordens judiciais de constrição de bens contra o executado (devedor) em relação as propriedades resolúveis oriundas de alienação fiduciária em favor dos credores fiduciários:

      Agravo de Instrumento – Decisão que indeferiu o levantamento de indisponibilidade sobre bem imóvel alienado fiduciariamente – Impossibilidade  Alienação fiduciária anterior à citação do devedor na ação civil pública, bem como, à determinação de indisponibilidade – Ausência de comprovação da má-fé – Constrição que deve recair sobre os direitos derivados da alienação fiduciária – Decisão reformada – Recurso provido. (TJSP, Agravo de Instrumento nº 2033445-14.2019.8.26.0000, Comarca: Ubatuba, Agravante: BANCO TRICURY S.A. Agravado: MUNICÍPIO DE UBATUBA, Rel: Drº Jefferson Moreira de Carvalho)”.

      A mesma lógica se aplica ao caso concreto: o codevedor Silvio Daniel Alves Mica, contra quem recai a ordem de indisponibilidade (fl. 26), não é titular da propriedade plena do imóvel em conformidade com o que dispõe a Lei n. 9.514/97 (que instituiu e regulamentou a alienação fiduciária de coisa imóvel). A restrição, portanto, não atinge especificamente a propriedade do bem imóvel objeto do contrato, mas apenas os direitos reservados ao devedor.

      Na realidade, o registro vem em beneficio de possíveis credores. Isso porque o devedor fiduciante, após o registro, se tornará titular de direito real de aquisição, de valor patrimonial e passível de penhora. Em termos diversos, o registro aumenta o patrimônio da pessoa sobre quem recai a ordem da indisponibilidade, e não o diminui. A indisponibilidade tem a função de impedir a redução patrimonial, jamais a sua majoração, pena de violar a própria função do instituto.

      A indisponibilidade não pode se estender, em consequência, à instituição financeira credora fiduciária (Itaú Unibanco S.A.).

      Diante disso, não se vislumbra, com o registro, qualquer prejuízo aos credores da ação em que declarada a indisponibilidade de bens ou mesmo a terceiros, já que a restrição será averbada em ato contínuo ao registro pretendido, em conformidade com o disposto no item 412.3 do Cap. XX das NSCGJSP.

      Em outras palavras, até que a ordem de indisponibilidade seja eventualmente levantada, o coadquirente não poderá transmitir seus direitos durante o financiamento do bem, sendo que, após eventual consolidação da propriedade pela quitação da dívida, também de nada poderá dispor.

      Tal entendimento foi reafirmado em outra ocasião consoante Parecer de lavra da MMª Juíza Assessora da Corregedoria Leticia Fraga Benitez, com aprovação pelo então Corregedor Geral da Justiça, Desembargador Fernando Antonio Torres Garcia (Parecer 272/2022-E, Processo Administrativo n. 1000690-63.2020.8.26.0405, j. 02/08/2022):

      “Nos termos da Lei n.º 9.514/97, entretanto, não existe óbice algum ao ato de consolidação da propriedade em favor do credor, desde que observado o procedimento legal.

      Consoante dispõe o art. 22, do referido Diploma Legal:

      “A alienação fiduciária regulada por esta Lei é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel”.

      A indisponibilidade não atinge especificamente o bem imóvel objeto do contrato, mas os direitos reservados ao devedor.

      Conforme nos ensina Melhim Namem Chalhub:

      “com o registro do contrato de alienação fiduciária, o credor torna-se titular do domínio resolúvel sobre a coisa objeto da garantia, permanecendo sob seu domínio até que o devedor pague a dívida. O bem, assim, é excluído do patrimônio do devedor, só retornando a ele após o cumprimento da obrigação garantida” (Alienação Fiduciária – Negócio Fiduciário, 5ª ed., Ed. Forense, pág. 239).

      O bem objeto de alienação fiduciária não se encontra, pois, no patrimônio do devedor até quitação da dívida firmada entre as partes.

      O devedor fiduciante detém, assim, apenas um direito real à aquisição, mas não o domínio, ou seja, somente em adimplindo as prestações é que passará a exercer o domínio sobre o imóvel.

      Nesta ordem de ideias, in casu, a indisponibilidade não recai sobre a propriedade, mas apenas sobre os direitos de devedor fiduciante.

      Não é o imóvel que está indisponível, mas sim os direitos de devedor fiduciante”.

      Em suma, o óbice apresentado pelo Oficial deve ser afastado, com autorização de ingresso do título perante o Registro Imobiliário.

      Diante do exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação para julgar improcedente a dúvida e autorizar o registro.

      FRANCISCO LOUREIRO

      Corregedor Geral da Justiça e Relator 

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