TJSP – CSM – Recusa de registo de escritura pública de compra e venda – Título que versa sobre fração ideal do imóvel – Matrícula de parte ideal descerrada em nítida ofensa ao princípio da unitariedade matricial.

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      ACÓRDÃO

      PODER JUDICIÁRIO

      TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

      CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

      Apelação nº 1000373-61.2020.8.26.0471

      Registro: 2023.0000177733

      ACÓRDÃO

      Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000373-61.2020.8.26.0471, da Comarca de Porto Feliz, em que são apelantes JOÃO MANOEL DE ALMEIDA e MARISA DE JESUS FERRAZ DE ALMEIDA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE PORTO FELIZ.

      ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, com determinação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

      O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

      São Paulo, 2 de março de 2023.

      FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

      Corregedor Geral da Justiça

      Relator

      APELAÇÃO CÍVEL nº 1000373-61.2020.8.26.0471

      APELANTES: JOÃO MANOEL DE ALMEIDA e MARISA DE JESUS FERRAZ DE ALMEIDA

      APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Porto Feliz

      VOTO Nº 38.928

      Registro de imóveis – Recusa de registo de escritura pública de compra e venda – Título que versa sobre fração ideal do imóvel – Matrícula de parte ideal descerrada em nítida ofensa ao princípio da unitariedade matricial – Irregularidade – Registros anteriores que não conduzem à imposição de novos registros que se afigurem irregulares – Indícios de parcelamento irregular – Óbices mantidos – Apelação não provida, com determinação.

      Trata-se de apelação interposta por João Manoel de Almeida e Marisa de Jesus Ferraz de Almeida contra a r. sentença que julgou procedente dúvida suscitada em virtude de negativa de registro de escritura de compra e venda tendo por objeto parte ideal do imóvel matriculado sob nº 3.868 junto ao Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos, Civil de Pessoa Jurídica e Tabelião de Protesto de Porto Feliz, mantendo o óbice registrário (fls. 83/84).

      Alegam os apelantes, em síntese, que não há óbice ao registro da aquisição da parte ideal do imóvel objeto da matrícula nº 3.868 do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos, Civil de Pessoa Jurídica e Tabelião de Protesto de Porto Feliz, pois no título não há menção a desmembramento ou fracionamento do imóvel, o que afasta a ocorrência de parcelamento irregular do solo.

      Esclarecem que adquiriram a totalidade da fração do imóvel cabente a Edison de Paula Gasbarro e sua mulher, Maria Aparecida Gonçalves Moreira Gasbarro, que figuram na matrícula como proprietários das partes ideais descritas no R-5/3868. Aduzem que, a despeito da impossibilidade de desdobro alegada pela Municipalidade, o imóvel está matriculado há mais de trinta anos, inexistindo dúvidas, portanto, quanto à sua localização e área total. Ainda, ressaltam que a matrícula foi aberta em 1978, referindo-se, desde sempre, a parte ideal do imóvel com área total especificada (fls. 93/104).

      A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 118/119 e 144).

      Os autos foram redistribuídos a este C. Conselho Superior da Magistratura (fls. 123).

      É o relatório.

      Foi prenotada no registro de imóveis a escritura pública de compra e venda da fração ideal, e respectivo instrumento de rerratificação, correspondente a “50% (cinquenta por cento) ou sejametade (1/2) das seguintes partes ideais: Rs. 953$333 na avaliação de Rs.7:800$000; uma terça parte de Rs. 2:640$000 na avaliação Rs. 7:800$000; umaterça parte de Rs. 2:640$000 na avaliação de Rs. 7:800$000 (calculados em 181,50ha.) no sítio do bairro denominado Xiririca, na cidade de Porto Feliz” (fls. 18/21 e 22/23).

      Ao suscitar a presente dúvida, o Oficial de Registro informou ter expedido Nota de Devolução nos seguintes termos:

      “Impossível a prática de ato na (s) matrícula (s) sob n° (s) 3.868, objeto (s) do presente documento, por tratar-se a mesma de matrícula de PARTE IDEAL, bem como não consta a área total do imóvel na matrícula. “O sistema do fó1io real, adotado pela atual lei registrária, não compadece com o descerramento de matrícula de frações ideais. Se exige que a matriz abranja a integralidade do imóvel e que cada imóvel corresponda a uma única matrícula (Art. 176, parágrafo 1°, inciso I da Lei n° 6.015/76; Apelação Cível n° 15.721-0/5, da Comarca de Ibiúna-SP, pub. no DOJ. em 19/03/1993, pág. 33; AC 101.106-0/0 – Tatuí DOJ. de 31.10.2003, pág. 6, AC 304-9/0 Apiaí – DOJ de 28.05.2005, pág. 6)”.

      O MM. Juiz Corregedor Permanente da serventia extrajudicial, ainda que por fundamento diverso, manteve a negativa de registro e julgou procedente a dúvida, entendendo que há, no caso concreto, indícios de parcelamento irregular do solo.

      No entanto, insistem os apelantes na possibilidade do registro de parte ideal do imóvel, sobretudo diante da ausência de indícios de parcelamento irregular do solo e do fato de que a matrícula foi aberta há anos, com alienações registradas posteriormente.

      A apelação, contudo, não comporta provimento.

      Assim se afirma, pois o óbice apresentado pelo registrador é mesmo intransponível.

      Por força do princípio da unitariedade matricial, não é possível que a matrícula contenha mais de um imóvel em sua descrição, bem como não se admite a abertura de matrícula de parte ideal de imóvel (artigo 176, § 1º, inciso I, da Lei nº 6.015/73).

      Este Conselho Superior da Magistratura, em diversas oportunidades, já deixou fixada a impossibilidade de se abrir matrícula de parte ideal de imóvel (Apelações Cíveis nos 1.717-0 dePorto Feliz, 1.921-0 de Registro, 2.455-0 de Ourinhos, Rel. Des. Affonso de André;Apelações Cíveis nos 3.572-0 de Cerqueira César, 2.660-0 de Itapeva, Rel. Des.Nogueira Garcez, entre dezenas de outras).

      Aliás, a jurisprudência, no sentido de que a matrícula há de ser do imóvel como um todo, não de parte dele, foi consolidada nas Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, Tomo II, Capítulo XX, subitem 54.2, que assim dispõe:

      “54.2. A matrícula deve compreender o imóvel em sua integralidade, sendo irregular a abertura de matrícula para parte ideal”.

      É certo, pois, que a matrícula nº 3.868 (fls. 05/09), referente à parte ideal “equivalente a Rs. 4:546$666 na avaliação de Rs.7:800$000 nas terras do sítio do bairro denominado Xiririca”, foi descerrada em vistosa afronta ao princípio da unitariedade matricial. Por conseguinte, independentemente da forma de aquisição dos outorgantes vendedores e ainda que cedida a integralidade de sua fração ideal, inviável a prática de atos de registro na matrícula em questão, até que sanada a irregularidade constatada.

      Ora, o simples fato de terem sido feitos registros anteriores não conduz à imposição de outros registros que se afigurem irregulares. A respeito do tema, é pacífico o entendimento deste Colendo Conselho Superior da Magistratura de que erros pretéritos não justificam, nem legitimam novos e reiterados erros (Ap. Cíveis 5.252-0, de Araraquara; 2.033-0, de São Paulo; 2.597-0, de Poá; 2.660-0, de Itapeva, entre muitos).

      A propósito, mister consignar que quaisquer nulidades que impeçam o registro merecerão solução em procedimento próprio, inadmissível que delas se conheça no âmbito da dúvida (Ap. Cíveis 1.590-0, de Campinas e 9.266-0/9, de Caçapava, ambas deste Conselho Superior da Magistratura). Isso porque, a retificação ou eventual cancelamento de matrículas abertas com ofensa a princípios registrários escapam aos estreitos limites do procedimento de dúvida, que está restrito à registrabilidade do título.

      No mais, é preciso lembrar que tanto a Corregedoria Permanente quanto este Colendo Conselho Superior da Magistratura, ao apreciarem as questões apresentadas no procedimento de dúvida, devem examinar todos os aspectos da legalidade do título. Como se usa dizer no jargão registral (não sem alguma hipérbole, é verdade), no julgamento da dúvida a qualificação do título é devolvida por inteiro ao órgão para tanto competente, sem que disso decorra decisão extra petita ou violação do contraditório e da ampla defesa, como decidido na Apelação Cível n.º 33.111-0/3, da Comarca de Limeira, em v. acórdão de que foi Relator o então Corregedor Geral da Justiça, DES. MÁRCIO MARTINS BONILHA:

      “Inicialmente, cabe ressaltar a natureza administrativa do procedimento da dúvida, que não se sujeita, assim, aos efeitos da imutabilidade material da sentença. Portanto, nesse procedimento há a possibilidade de revisão dos atos praticados, seja pela própria autoridade administrativa, seja pela instância revisora, até mesmo de ofício (cf. Ap. Cív. 10.880-0/3, da Comarca de Sorocaba). Não vai nisso qualquer ofensa ao direito de ampla defesa e muito menos se suprime um grau do julgamento administrativo. O exame qualificador do título, tanto pelo oficial delegado, como por seu Corregedor Permanente, ou até mesmo em sede recursal, deve necessariamente ser completo e exaustivo, visando escoimar todo e qualquer vício impeditivo de acesso ao cadastro predial.

      Possível, portanto, a requalificação do título nesta sede, ainda que de ofício, podendo ser levantados óbices até o momento não argüidos, ou ser reexaminado fundamento da sentença, até para alteração de sua parte dispositiva” (in “Revista de Direito Imobiliário”, 39/339).

      No caso, ainda que a nota devolutiva não tenha se referido à existência de burla às normas de parcelamento do solo urbano, possibilidade aventada apenas posteriormente pelo registrador, este óbice foi apontado pelo MM. Juiz Corregedor Permanente como razão para indeferimento do registro pretendido.

      Ocorre que os elementos de convicção trazidos aos autos não permitem concluir que o imóvel esteja localizado em área urbana, urbanizável ou que tenha perdido sua destinação rural, o que afasta a afirmação de que o parcelamento pretendido seria fraudulento por afrontar a Lei nº 6.766/1979, que cuida do parcelamento do solo urbano. Tanto é assim, que a própria Municipalidade disse não haver elementos para identificação do imóvel a partir da matrícula (fls. 46/47).

      Por outro lado, sem a correção da matrícula – que deverá ser feita por retificação, se cabível -, também não é possível verificar se, eventualmente, estariam sendo desrespeitados os requisitos para o parcelamento rural mediante atendimento da parcela mínima de fracionamento.

      Diferentemente do quanto alegado pelos apelantes, o lançamento fiscal individualizado da área não enseja a possibilidade de registro, pois o desdobro fiscal não corresponde à autorização de desdobro de imóvel para fins de cumprimento da legislação referente ao parcelamento do solo, se for urbano, ou verificação do respeito à fração mínima de parcelamento, se for rural.

      De qualquer forma, seja porque a matrícula foi aberta irregularmente, seja porque há indícios da existência de parcelamento irregular do imóvel – sem que sequer seja possível saber se a área é urbana ou rural – é de rigor a manutenção da procedência da dúvida.

      Por fim, constatada a inequívoca irregularidade no descuramento da matrícula nº 3.868 do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos, Civil de Pessoa Jurídica e Tabelião de Protesto de Porto Feliz/SP, mostra-se necessária a extração de cópias dos autos e respectiva remessa, pela DICOGE, à Corregedoria Permanente da Serventia Imobiliária, a quem caberá determinar as providências cabíveis, incluindo a análise de necessidade de bloqueio da aludida matrícula, visando sua regularização, formando-se expediente de acompanhamento por esta Corregedoria Geral de Justiça.

      Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao apelo, com determinação.

      FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

      Corregedor Geral da Justiça

      Relator.

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