TJSP – CSM – Partilha decorrente de divórcio – Princípio da continuidade – Partilha de direito à aquisição de imóvel, oriundo de compromisso de compra e venda não registrado – Inviabilidade do registro pretendido.

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      PODER JUDICIÁRIO

      TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

      CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

      Apelação Cível nº 1001183-85.2019.8.26.0272

      Registro: 2020.0000996892

      ACÓRDÃO 

      Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1001183-85.2019.8.26.0272, da Comarca de Itapira, em que é apelante ANA MARIA SERIE, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE ITAPIRA.

      ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento, v.u.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

      O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

      São Paulo, 20 de novembro de 2020.

      RICARDO ANAFE

      Corregedor Geral da Justiça e Relator

      Apelação Cível nº 1001183-85.2019.8.26.0272

      Apelante: Ana Maria Serie

      Apelado: Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Itapira

      VOTO Nº 31.244

      Registro de Imóveis – Dúvida inversa – Partilha decorrente de divórcio – Princípio da continuidade – Partilha de direito à aquisição de imóvel, oriundo de compromisso de compra e venda não registrado – Compromisso celebrado pelo marido, apenas – Aquisição do domínio pelo ex-marido, somente em seu nome, após a partilha – Inexistência de título aquisitivo do domínio em favor da ex-mulher, ora apelante – Inviabilidade do registro pretendido – Nega-se provimento à apelação.

      1. Trata-se de recurso de apelação (fl. 125/136) interposto por Ana Maria Serie contra a r. sentença (fl. 119/122) proferida pela MM. Juíza Corregedora Permanente do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Itapira, que, confirmando os óbices apresentados na nota devolutiva (fl. 19), julgou procedente a dúvida inversa e manteve a recusa de registro stricto sensu de partilha decorrente de divórcio (fl. 23/88) na matrícula nº 29.847 daquele cartório (fl. 20/22).

      Segundo a sentença, razão assiste o Oficial de Registro de Imóveis quando afirma que não é possível dar a partilha a registro. Terminada a sociedade conjugal, o bem fora partilhado por igual entre a interessada Ana Maria e seu ex-marido Paulo de Tarso. Naquela época, havia, quanto ao imóvel, um compromisso de compra e venda no qual figurava, como compromissário comprador, o referido Paulo de Tarso, com quem a interessada Ana Maria era casada pelo regime da comunhão parcial de bens. Entretanto, a escritura pública relativa ao domínio foi lavrada e dada a registro em favor de Paulo de Tarso, casado em regime de separação total de bens com Herica Rodrigues Goto Vieira de Campos. Tudo isso conclui o decisum inviabiliza o registro da partilha, o qual, se fosse feito, violaria o princípio da continuidade. Desse modo, a recusa foi correta.

      Afirma a apelante, entretanto, que o dono do imóvel é única e exclusivamente o seu ex-marido; a nova mulher não é adquirente do bem. Portanto, o registro stricto sensu da partilha não rompe o trato consecutivo, e somente refletirá o ajuste decorrente da dissolução do primeiro vínculo conjugal, tendo em vista que a recorrente adquirira cinquenta por cento dos direitos decorrentes do compromisso de compra e venda em razão do regime adotado no casamento. Nesse sentido, o Egrégio Tribunal de Justiça já declarou que a apelante não tem interesse de agir para fazer cumprir a sentença de partilha na via jurisdicional, porque a ela basta dar a registro o título que já tem. Pede, portanto, que se dê provimento à apelação para que, reformada a sentença e afastado o óbice, se proceda ao rogado registro stricto sensu.

      O Oficial de Registro manifestou-se, insistindo na manutenção da r. decisão recorrida (fl. 141/142).

      A D. Procuradoria Geral de Justiça ofertou parecer pelo desprovimento do recurso (fl. 158/162).

      É o relatório.

      2. Note-se, de início, que a origem judicial do título (in casu, uma partilha julgada em ação de divórcio) não o torna imune à qualificação registral, ainda que esta se limite, então, a requisitos formais do título e à adequação deste aos princípios registrais (Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça – NSCGJ, Capítulo XX, item 117). É pacífico, além disso, que a qualificação negativa não caracteriza nem desobediência nem descumprimento de decisão jurisdicional (Apelação Cível n. 413-6/7; Apelação Cível n. 0003968-52.2014.8.26.0453; Apelação Cível n. 0005176-34.2019.8.26.0344; e Apelação Cível n. 1001015-36.2019.8.26.0223).

      In medias res: o domínio sobre o imóvel objeto da matrícula nº 29.847, do Registro de Imóveis de Itapira, está inscrito, desde 24 de abril de 2013, em favor de Paulo de Tarso Vieira de Campos, casado em regime de separação total de bens com Herica Rodrigues Goto Vieira de Campos (cf. R. 3 a fl. 21/22).

      Pelo que se pode depreender do documento copiado a fl. 66/68, Paulo de Tarso Vieira de Campos recebeu essa propriedade em cumprimento de compromisso de compra e venda que celebrara em 21 de fevereiro de 1992, quando era casado, em regime de comunhão parcial, com a apelante Ana Maria Serie.

      A par disso, em 27 de setembro de 1999 (fl. 13/14) isto é, entre a data do compromisso de compra e venda (1992) e a obtenção do domínio (2013) Paulo de Tarso divorciou-se da apelante Ana Maria. Por força da partilha decorrente do divórcio, aquele direito de compromissário comprador foi partilhado, por igual, entre Paulo de Tarso e a apelante Ana Maria (fl. 04 e 53), em 23 de abril de 2008 (fl. 72/74).

      É sobre essa partilha que agora se controverte.

      O Oficial de Registro de Imóveis e a r. sentença apelada disseram que era impossível registrar-se essa partilha, porque isso implicaria violação ao princípio do trato consecutivo (LRP/1973, arts. 195 e 237): se o imóvel tem como dono apenas Paulo de Tarso (casado, é verdade, com terceira, mas em regime de separação), então – dizem as razões de devolução (fl. 19 e 110) – a apelante não possui título de aquisição, já que “partilha é divisão” e “não se adquire por partilha”. Ou seja: no entender do Oficial e da r. sentença, a partilha só poderia ser registrada se a interessada já constasse no registro como meeira ou condômina pro indiviso, e apenas assim o registro se faria sem quebra da continuidade.

      Não é assim, no entanto. “O conceito de trato consecutivo registral-imobiliário… é o de uma cadeia de nexos formais que exprimam a vinculação ininterrupta entre os consecutivos legitimados registrais (titulares inscritos, causantes) e seus correspondentes sucessores, de modo que a série de inscrições… reflitam, sem nenhuma intermitência, o histórico jurídico dos imóveis” (Ricardo Dip, Registros sobre Registros (Princípios), tomo I, Descalvado: Primus, 2017, p. 185, n. 208). Ora, neste caso não é possível conceber-se, em tese, ruptura alguma, porque o afetado pela partilha – o ex-marido Paulo de Tarso – é, justamente, o legitimado inscrito.

      Porém, a despeito de não haver contravenção ao princípio do trato consecutivo, essa partilha realmente não pode ser objeto de registro stricto sensu.

      O ato jurídico de partilha está fundado em direito de compromissário comprador (ou seja, aquele resultante do compromisso de compra e venda celebrado em 1992, não registrado); o direito que hoje se pretende ver partilhado, entretanto, já é o próprio domínio (obtido por Paulo de Tarso em 2013 pela inscrição feita na matrícula 29.847). Claro está, assim, que aquela partilha objeto da decisão judicial não corresponde mais a nenhum direito inscrito: a pretensão que a interessada tinha sobre o direito de compromissário comprador frustrouse, porque o domínio já foi adquirido sem que ela jamais tivesse vindo ao registro. Antes a interessada era, é verdade, cotitular de um direito obrigacional decorrente do compromisso de compra e venda; cumprido o contrato, porém, esse direito esvaziou-se, e não há como sustentar-se, agora, que possa dar causa, no plano real, a uma inscrição em favor da apelante.

      Em verdade, falta à apelante um fato inscritível.  Como ensina a doutrina (Ricardo Dip, Registros sobre Registros (Princípios), tomo II, Descalvado: Primus, 2018, p. 48, n. 287), a “especialidade do fato inscritível” exige que “se individualize precisamente qual direito em concreto (em favor de quem – e sob a carga de quem – recai sobre um dado imóvel singular) frui da publicidade registral. Ora, a especialização do imóvel já se obtém com a especialização objetiva; a dos sujeitos (ativo e passivo) da relação jurídica em pauta, por igual se satisfaz pela especialização subjetiva; falta ainda, contudo, individualizar – com suas circunstâncias – o 'fato inscritível' ou, se se preferir, o 'direito em concreto' a que a situação corresponda”. Como se viu, tal fato inscritível não existe, porque o fato jurídico que serviria de título – a partilha – não mais recai sobre direito existente: o direito de compromissário comprador que fora partilhado existira, mas já não existia quando se requereu o registro stricto sensu.

      Por fim, não socorre a apelante o decidido pela 8ª Câmara de Direito Privado deste Tribunal de Justiça (Apelação 3003392-03.2013.8.26.0272, julgada em 28 de outubro de 2015), quando se disse que Ana Maria “poderia ter providenciado a extração de carta de sentença de partilha e seu registro junto ao cartório de registro de imóveis” (fl. 79/84), uma vez que aquele processo foi extinto sem julgamento de mérito e, dessa maneira, essa proposição não fez coisa julgada material.

      Em suma: à luz do registro de imóveis (frise-se), a apelante não tem título, pois a partilha não atinge direito inscrito. O registro pretendido, pois, não podia haver sido deferido, e têm de ser mantidos a r. sentença e o óbice oposto pelo Oficial de Registro de Imóveis.

      3. À vista do exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação interposta por Ana Maria Serie (prenotação 126.858).

      RICARDO ANAFE

      Corregedor Geral da Justiça e Relator

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