TJSP – CSM – Desapropriação parcial de área rural – Rodovia em imóvel rural – Aquisição originária da propriedade – Cabimento de georreferenciamento em cumprimento à LRP e ao princípio da especialidade objetiva.

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      PODER JUDICIÁRIO

      TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

      CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

      Apelação Cível nº 1003193-24.2023.8.26.0576

      Registro: 2023.0000918159

      ACÓRDÃO

      Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1003193-24.2023.8.26.0576, da Comarca de São José do Rio Preto, em que é apelante DEPARTAMENTO DE ESTRADAS E RODAGEM – DER, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO.

      ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

      O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

      São Paulo, 19 de outubro de 2023.

      FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

      Corregedor Geral da Justiça e Relator

      APELAÇÃO CÍVEL nº 1003193-24.2023.8.26.0576

      APELANTE: Departamento de Estradas e Rodagem – DER

      APELADO: 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São José do Rio Preto

      VOTO Nº 39.163

      Registro de imóveis – Desapropriação parcial de área rural – Rodovia em imóvel rural – Aquisição originária da propriedade – Cabimento de georreferenciamento em cumprimento à lei de registros públicos (artigos 176, §3º E 225, §3º) e ao princípio da especialidade objetiva – Necessidade de certificação pelo INCRA, inscrição junto ao CAR e apresentação de CCIR – Apelação não provida.

      Trata-se de apelação interposta pelo Departamento de Estradas e Rodagem DER contra a r. sentença que julgou procedente a dúvida do 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São José do Rio Preto/SP, suscitada de forma inversa pelo interessado, mantendo a recusa ao ingresso da carta de sentença expedida nos autos do processo nº 1045014-47.2019.8.26.0576 da 2ª Vara da Fazenda Púbica daquela Comarca, para o registro da desapropriação parcial do imóvel objeto da Matrícula nº 55.902, para execução de melhorias e ampliação da SP-325, Rodovia Assis Chateaubriand, conforme nota devolutiva prenotada sob o nº 622.532, naquela serventia imobiliária (fls. 126/129).

      Aduz o apelante, em síntese, que a aquisição da propriedade em ação de desapropriação é originária, tornando inviável a exigência de quaisquer das obrigações/impedimentos constantes da nota devolutiva; que com a desapropriação da área para a implantação de rodovia, fica descaracterizada a propriedade como imóvel rural, tornando-se desnecessária a exigência do CCIR e, por conseguinte, o georreferenciamento e certificação perante o INCRA, deixando assim de ser aplicáveis as normas dos artigos 176 e 225 da Lei de Registros Públicos, dos artigos 9 e 10 do Decreto Federal nº 4.449/2002 e do artigo 53 da Lei nº 6.766/79; que o DER não tem sequer legitimidade para realizar os procedimentos administrativos junto ao INCRA, pois este ente federal exige que apenas o proprietário que figure na matrícula do imóvel possa dar início ao reportado processo administrativo. Pugna, então, pela total procedência do recurso para a reforma da r. sentença guerreada (fls. 138/147).

      A dúvida foi julgada prejudicada pela decisão de fls. 28, posteriormente reconsiderada (fls. 38), tendo em vista a ausência de intimação do interessado para o cumprimento da determinação de fls. 24, pela reapresentação do título. Regularizada a intimação, sobreveio nova prenotação, sob nº 632.784 (fls. 80), e o aditamento das razões do inconformismo do ora recorrente às fls. 45/50.

      A D. Procuradoria Geral de Justiça deixou de se manifestar (fls. 168/169).

      É o relatório.

      O apelante, por sentença proferida em ação judicial, obteve a desapropriação, por utilidade pública, de parte ideal do imóvel objeto da matrícula nº 55.902 (fls. 74/79) do 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São José do Rio Preto/SP.

      Contudo, a carta de sentença expedida nos autos da ação de desapropriação (feito nº 1045014-47.2019.8.26.0576, da 2ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de São José do Rio Preto/SP – fls. 18), apresentada a registro pelo apelante, foi negativamente qualificada pelo Oficial Registrador, que apresentou a seguinte exigência, mediante a nota de devolução prenotada sob nº 622.532 (fls. 22):

      “Demonstra o título a ausência do memorial descritivo e planta georreferenciado e certificado pelo INCRA.

      Afora isto, deverá ser apresentado a inscrição da parte destacada junto ao Cadastro Ambiental Rural CAR e do Certificado de Cadastro de Imóvel Rural CCIR”.

      Inconformado com as exigências, o requerente suscitou dúvida registral inversa perante a Corregedoria Permanente do 1º Oficial de Registro de Imóveis de São José dos Campos/SP (fls. 01/06).

      Desde logo, importa lembrar que a origem judicial do título não o torna imune à qualificação registral, ainda que limitada aos requisitos formais do título e sua adequação aos princípios registrais, conforme o disposto no item 117 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.

      Está pacificado, inclusive, que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível nº 413-6/7; Apelação Cível nº 0003968-52.2014.8.26.0453; Apelação Cível nº 0005176-34.2019.8.26.0344 e Apelação Cível nº 1001015-36.2019.8.26.0223).

      Bem por isso é que nenhum desatendimento ao disposto no artigo 29 do Decreto-lei 3.365/1941 (Lei Geral de Desapropriação) ocorreu na hipótese vertente. A sentença vale como título hábil à inscrição no registro de imóveis, mas isso não a exime de submissão à qualificação registral.

      Fixada, assim, esta premissa, indiscutível que a aquisição da propriedade imobiliária por meio da desapropriação judicial encerra forma originária.

      E, a despeito de dito caráter originário, a partir da redação dos artigos 176, § 3º e 225, § 3º, da Lei nº 6.015/73, infere-se que, na hipótese em que há destaque de parcela de imóvel rural, observados, por certo, os prazos constantes do artigo 10, do Decreto nº 4.449/2002, existe a necessidade de regular apresentação da planta e do memorial descritivo georreferenciado, contendo as coordenadas georreferenciadas, notadamente pela repercussão no imóvel objeto da desapropriação parcial no aspecto da especialidade objetiva.

      “Art. 176, § 3º – Nos casos de desmembramento, parcelamento ou remembramento de imóveis rurais, a identificação prevista na alínea a do item 3 do inciso II do § 1º será obtida a partir de memorial descritivo, assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, geo-referenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais.” (g.n.)

      “Art. 225, § 3º – Nos autos judiciais que versem sobre imóveis rurais, a localização, os limites e as confrontações serão obtidos a partir de memorial descritivo assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, geo-referenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais”.

      Na expressão consagrada de Afrânio de Carvalho[1]:

      “o requisito registral da especialidade do imóvel, vertido no fraseado clássico do direito, significa a sua descrição como corpo certo, a sua representação escrita como individualidade autônoma, com o seu modo de ser físico, que o torna inconfundível e, portanto heterogêneo em relação a qualquer outro”.

      E a necessidade de sua certificação pelo INCRA consta do art. 9º do Decreto nº 4.449/2002:

      “Art. 9º – A identificação do imóvel rural, na forma do §3º do art. 176 e do §3º do art. 225 da Lei nº 6015, de 1973, será obtida a partir de memorial descritivo elaborado, executado e assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro, e com precisão posicional a ser estabelecida em ato normativo, inclusive em manual técnico, expedido pelo INCRA.

      § 1º – Caberá ao INCRA certificar que a poligonal objeto do memorial descritivo não se sobrepõe a nenhuma outra constante de seu cadastro georreferenciado e que o memorial atende às exigências técnicas, conforme ato normativo próprio”.

      Não se olvida dos prazos de carência estabelecidos no mencionado art. 10 de referido Decreto que, na hipótese, ocorreria em vinte e dois anos.

      “Art.10 – A identificação da área do imóvel rural, prevista nos §§ 3º e 4º do art. 176 da Lei nº 6.015, de 1973, será exigida nos casos de desmembramento, parcelamento, remembramento e em qualquer

      situação de transferência de imóvel rural, na forma do art. 9º  somente após transcorridos os seguintes prazos:

      VII – vinte e dois anos, para os imóveis com área inferior a vinte e cinco hectares”.

      Contudo, georreferenciada a descrição perimétrica da área desapropriada, como ocorre in casu, ainda que não expirado o prazo de carência, afigura-se imprescindível a apresentação, no Registro de Imóveis competente, da certificação expedida pelo INCRA, confirmando a inexistência de sobreposição com outro imóvel rural, tudo a fim de se evitar o ingresso de identificação incompleta no fólio real.

      Nestes moldes foi o parecer de lavra do então Juiz Auxiliar da Corregedoria, Dr. José Antônio de Paula Santos Neto, nos autos do Processo nº 24066/2005, aprovado pelo D. Corregedor Geral da Justiça, à época, Desembargador José Mário Antonio Cardinale:

      “Foi questionado, outrossim, se ‘aqueles que optarem pelo georreferenciamento já, deverão atender de imediato a certificação de que trata o § 1º do artigo 9º do Decreto 4.449/02, ou poderão fazê-lo dentro do prazo que for entendido como aplicável’. Obviamente, a providência deverá ser imediata. A obtenção do certificado de não sobreposição emitido pelo INCRA é parte integrante e relevante do sistema de individualização imobiliária disciplinado no dito decreto. Logo, não é de se admitir o ingresso, no fólio real, de identificação truncada; incompleta. Nem parceladamente, a prestações. Configura a certificação verdadeiro requisito a ser observado. Aliás, sua exigência é um dos aspectos essenciais do mapeamento cadastral que se almeja erigir. Destarte, a bem da própria higidez do Registro Imobiliário, deverá ser desqualificado o ingresso da nova descrição quando o memorial não vier devidamente certificado. Do contrário, ferir-se-ia a lógica da estrutura concebida e se correria o risco, até, de permitir a vulneração da tábua por modificação aventureira das características da área rural, uma vez que sem a chancela de segurança do órgão oficial responsável. Além disso, a certificação diferida para o futuro poderia nunca chegar, criando-se perplexidade acerca do destino a ser dado àquela descrição precipitadamente abrigada”.

      Não vinga, ademais, a alegação da apelante, no sentido de que o imóvel em questão perdeu o status de rural.

      Com efeito, nos termos do artigo 53 da Lei nº 6.766/79, a alteração de uso do solo rural para fins urbanos depende de aprovação do Município, bem como de prévia audiência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA.

      Nos autos, contudo, não há demonstração de manifestação do INCRA e tampouco comprovação de aprovação por parte do Município da mudança de destinação do imóvel, razão pela qual não há como ser afastada a exigência.

      Sobre o tema, já se manifestou este Colendo Conselho Superior da Magistratura:

      “Registro de Imóveis. Dúvida julgada procedente. Escritura de venda e compra. Descrição sucinta do imóvel constante da matrícula e reproduzida no título que, porém, dadas as circunstâncias do caso concreto, não chega a ofender o princípio da especialidade objetiva. Alegada destinação urbana de imóvel originalmente rural. Necessária apresentação de certidão de descadastramento pelo INCRA. Recurso não provido”. (Apelação nº 790-6/6, Rel. Des. Ruy Camilo, j. em 27/5/2008).

      E mais recentemente, em hipótese bastante semelhante, ficou decidido que:

      “REGISTRO DE IMÓVEIS  Desapropriação de imóvel rural  Aquisição originária da propriedade  Rodovia em área rural  Áreas desapropriadas georreferenciadas  Necessidade de certificação pelo INCRA e de registro no Cadastro Ambiental Rural – CAR  Nega-se provimento à apelação”. (TJSP; Apelação Cível 1000288-86.2021.8.26.0553; Relator RICARDO ANAFE (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de Santo Anastácio – Vara Única; Data do Julgamento: 02/12/2021; Data de Registro: 15/12/2021).

      Frise-se que a natureza originária da aquisição pela desapropriação não descaracteriza a submissão dessa situação jurídica à hipótese de desmembramento de imóvel rural, porquanto a área desapropriada foi destacada de imóvel rural com área maior, o que confirma a necessidade do cumprimento das exigências.

      A propósito, também há decisões recentes deste Colendo Conselho Superior da Magistratura:

      “REGISTRO DE IMÓVEIS. DESAPROPRIAÇÃO PARCIAL DE ÁREA RURAL. Carta de Adjudicação. Qualificação registral. Aquisição originária da propriedade. Rodovia em área rural. Cabimento do georreferenciamento, em cumprimento à Lei de Registros Públicos (artigos 176, § 1º, 3 “a”, 176, §§ 3º e 5º e 225, § 3º) e ao Princípio da Especialidade Objetiva. Cabimento do registro no CAR. Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR). Recurso não provido, com observação“. (TJSP; Apelação Cível 1001639-44.2018.8.26.0539; Relator PINHEIRO FRANCO (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de Santa Cruz do Rio Pardo – 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 25/06/2019; Data de Registro: 12/07/2019).

      “REGISTRO DE IMÓVEIS  Desapropriação de imóvel rural  Aquisição originária da propriedade  Rodovia em área rural  Descrição georreferenciada do imóvel desapropriado e sua certificação pelo INCRA  Cadastro Ambiental Rural – CAR  Certificado de Cadastro de Imóvel Rural – CCIR – Exigências mantidas, em observância aos princípios da legalidade e da especialidade objetiva  Dúvida procedente – Apelação a que se nega provimento”. (TJSP; Apelação Cível 1000463-37.2021.8.26.0341; Relator RICARDO ANAFE (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de Maracaí – Vara Única; Data do Julgamento: 14/12/2021; Data de Registro: 16/12/2021).

      Por fim, eventual ilegitimidade do DER para realizar os procedimentos administrativos junto ao INCRA não tem o condão de afastar a exigência legal pelo georreferenciamento, devendo se valer de todos os meios a sua disposição para superar o obstáculo.

      Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

      Corregedor Geral da Justiça e Relator

      Nota:

      [1] Registro de Imóveis, pág. 206.

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