TJSP – CSM – Carta de arrematação – Título judicial que se sujeita à qualificação registral – Modo derivado de aquisição da propriedade – Desqualificação por inobservância ao princípio da continuidade.

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      PODER JUDICIÁRIO

      TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

      CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

      Apelação Cível nº 1126314-33.2021.8.26.0100

      Registro: 2022.0000617177

      ACÓRDÃO 

      Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1126314-33.2021.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes VALTER ALVES PONCIDONIO e LILIAN CRISTINA RAMALHEIRA PONCIDONIO, é apelado TERCEIRO OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE SÃO PAULO.

      ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

      O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

      São Paulo, 29 de julho de 2022.

      FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

      Corregedor Geral da Justiça e Relator

      APELAÇÃO CÍVEL nº 1126314-33.2021.8.26.0100       

      APELANTES: Valter Alves Poncidonio e Lilian Cristina Ramalheira Poncidonio

      APELADO: Terceiro Oficial de Registro de Imóveis da comarca de São Paulo

      VOTO Nº 38.747

      Registro de imóveis – Carta de arrematação – Título judicial que se sujeita à qualificação registral – Modo derivado de aquisição da propriedade  Desqualificação por inobservância ao princípio da continuidade – Dúvida julgada procedente – Precedentes do Conselho Superior da Magistratura – Apelação não provida.

      Trata-se de apelação interposta por Valter Alves Poncidonio Lilian Cristina Ramalheira Poncidonio contra a r. sentença proferida pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente do 3º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, que manteve a recusa ao registro da carta de arrematação expedida nos autos da ação de alienação judicial de bens (Processo nº 1026821-02.2015.8.26.0001, da 9ª Vara Cível do Foro Regional I – Santana), tendo por objeto o imóvel matriculado sob nº 146.892 junto à referida serventia extrajudicial, sob o fundamento de que estaria configurada ofensa ao princípio da continuidade registral (fls. 70/73).

      Alegam os apelantes, em síntese, que a despeito de ter sido realizado o pagamento integral do preço ajustado, a titular de domínio, Imobiliária Mazzei Limitada, não outorgou escritura definitiva aos compradores do imóvel, Virgílio Pinto dos Santos e Rosa de Jesus Siqueira Nicodemos dos Santos, que, por sua vez, o haviam adquirido de João Dias dos Santos e Ana Rodrigues dos Santos. Esclarece que a vendedora deixou de exercer suas atividades há mais de trinta (30) anos, não sendo possível localizar seus representantes legais para efetivação da transferência da propriedade do imóvel negociado no ano de 1965. Aduz que, diante das dificuldades enfrentadas para a regularização do imóvel, os herdeiros dos compradores acabaram por ajuizar ação de alienação judicial de bens, tendo sido o imóvel arrematado naquele processo.

      Sustentam que a arrematação é forma originária de aquisição da propriedade, de maneira que não estaria configurada ofensa ao princípio da continuidade registral (fls. 79/91).

      A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 110/112).

      É o relatório.

      Apresentada a registro a carta de arrematação expedida nos autos da ação de alienação judicial de bens que tramitou perante a 9ª Vara Cível do Foro Regional I – Santana (Processo nº 1026821-02.2015.8.26.0001), o Oficial de Registro de Imóveis desqualificou o título e expediu nota de devolução (fls. 04), consignando que “(…) o imóvel objeto do feito está matriculado sob nº. 146.892, em nome de Imobiliária Mazzei Limitada(…), que não constado polo passivo da ação (…)”. Assim, formulou as seguintes exigências:

      “Apresentação de todos os títulos aquisitivos para registro, em obediência ao princípio da continuidade, previsto no artigo 195 e 237 da Lei Federal nº. 6.015/73, ou então,

      Apresentação da prova de intimação da proprietária tendo em vista na transmissão forçada (Arrematação) há perda forçada do direito de propriedade (…)”.

      Desde logo, importa lembrar que a origem judicial do título não o torna imune à qualificação registral, ainda que limitada a seus requisitos formais e sua adequação aos princípios registrais, conforme o disposto no item 117, do Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça:

      “Item 117. Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.

      Este C. Conselho Superior da Magistratura tem decidido, inclusive, que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (TJSP; ApelaçãoCível 0003968- 52.2014.8.26.0453; Relator (a): Pereira Calças; Órgão Julgador:Conselho Superior de Magistratura; Foro de Pirajuí – 1ª Vara; Data doJulgamento: 25/2/2016; Data de Registro: 13/4/2016).

      Da análise da certidão imobiliária, verifica-se que o imóvel objeto da matrícula nº 146.892, do 3º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, está registrado em nome de Imobiliária MazzeiLimitada (fls. 47/48).

      No entanto, na ação judicial que ensejou a expedição da carta de arrematação em testilha figuraram como partes Eduardo Sequeira dos Santos (autor) e Rosimeire Sequeira dos Santos Abreu (ré) (fls. 08/16, 24/34), cumprindo anotar que foram partilhados aos herdeiros, litigantes no referido processo, os direitos de compromissários compradores havidos por Rosa de Jesus Siqueira Nicodemos dos Santos e Virgílio Pinto dos Santos (fls. 17/23 e 41/46). Imprescindível, pois, antes do registro da carta de arrematação, proceda-se ao registro do título que conferiu os direitos aos herdeiros.

      Trata-se de obedecer ao princípio da continuidade registrária, previsto no art. 195 da Lei de Registros Públicos:

      “Art. 195. Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro”.

      De seu turno, dispõe o art. 237, do mesmo diploma legal:

      “Art. 237. Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro”.

      A propósito, ensina Afrânio de Carvalho:

      “O princípio da continuidade, que se apóia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular.

      Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram sempre a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente. Ao exigir que cada inscrição encontre sua procedência em outra anterior, que assegure a legitimidade da transmissão ou da oneração do direito, acaba por transformá-la no elo de uma corrente ininterrupta de assentos, cada um dos quais se liga ao seu antecedente, como o seu subseqüente a ele se ligará posteriormente. Graças a isso o Registro de Imóveis inspira confiança ao público” (Registro de Imóveis, 4ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 253).

      Ademais, a alienação forçada em processo judicial encerra transmissão derivada do direito de propriedade por envolver manifestação de vontade do adquirente e do Estado, pressupondo relação jurídica anterior, donde emerge o caráter bilateral da aquisição, apesar da ausência de manifestação de vontade do titular do direito real. Essa situação tem natureza de negócio jurídico entre o adquirente e o Estado, caracterizando aquisição derivada.

      Não se desconhece que, em data relativamente recente, o Colendo Conselho Superior da Magistratura chegou a reconhecer que a arrematação constituía modo originário de aquisição da propriedade. Contudo, tal entendimento acabou não prevalecendo, pois o fato de inexistir relação jurídica ou negocial entre o antigo proprietário e o adquirente (arrematante ou adjudicante) não é o quanto basta para afastar o reconhecimento de que há aquisição derivada da propriedade. Como destaca Josué Modesto Passos, “diz-se originária a aquisição que, em seu suporte fático, éindependente da existência de um outro direito; derivada, a que pressupõe, em seusuporte fático, a existência do direito por adquirir. A inexistência de relação entretitulares, a distinção entre o conteúdo do direito anterior e o do direito adquiridooriginariamente, a extinção de restrições e limitações, tudo isso pode se passar,mas nada disso é da essência da aquisição originária” (PASSOS, Josué Modesto. A arrematação no registro de imóveis: continuidade doregistro e natureza da aquisição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 111 e 112).

      Logo, a arrematação judicial, modo derivado de aquisição de propriedade, mantido o vínculo com a situação pretérita do bem, deve respeitar o princípio da continuidade, sob pena de se configurar injustificado rompimento na cadeia de sucessão dos titulares do bem. Diversos são os precedentes deste C. Conselho Superior da Magistratura no sentido da impossibilidade de registro de carta de arrematação ou de adjudicação quando o imóvel não se encontra em nome daqueles que figuraram no polo passivo da lide:

      “REGISTRO DE IMÓVEIS – Carta de arrematação – Modo derivado de aquisição da propriedade – Observância do princípio da continuidade – Indispensável recolhimento do ITBI – Entendimento do Conselho Superior da Magistratura – Recurso não provido” (TJSP; Apelação Cível 1020648-60.2019.8.26.0602; Relator (a): Ricardo Anafe (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Data do Julgamento: 28/4/2020; Data de Registro: 14/5/2020).

      “REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida – Carta de arrematação – Qualificação obrigatória dos títulos judiciais – Propriedade do imóvel registrada em nome do executado e de terceira, em regime de condomínio – Ausência de participação do condômino na ação executiva ou decisão judicial determinando a eficácia da arrematação em relação à sua parcela da propriedade – Ofensa ao princípio da continuidade – Origem do débito em obrigação propter rem que não afasta a incidência do princípio e, consequentemente, o impedimento ao registro – Dúvida procedente – Recurso não provido” (TJSP; Apelação Cível 1007324- 58.2017.8.26.0477; Relator(a): Ricardo Anafe (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Data do Julgamento: 3/3/2020; Data de Registro: 10/3/2020).

      Na mesma linha: TJSP; Apelação Cível 0005176-34.2019.8.26.0344; Relator(a): Pinheiro Franco (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Data do Julgamento: 10/12/2019; Data de Registro: 12/12/2019. TJSP; Apelação Cível 1001015-36.2019.8.26.0223; Relator (a): Pinheiro Franco (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Data do Julgamento: 19/9/2019; Data de Registro: 26/9/2019. TJSP; Apelação Cível 1000506-84.2016.8.26.0361; Relator (a): Pereira Calças; Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Data do Julgamento: 19/12/2017; Data de Registro: 19/1/2018.

      Nesse cenário, justifica-se a qualificação negativa do título, em atenção ao princípio da continuidade registral.

      Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

      FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

      Corregedor Geral da Justiça e Relator 

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