TJSP – CSM – Carta de alienação por iniciativa particular – Título judicial que se sujeita à qualificação registral – Modo derivado de aquisição da propriedade – Desqualificação por inobservância ao princípio da continuidade.

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      PODER JUDICIÁRIO

      TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

      CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

      Apelação nº 1028480-54.2021.8.26.0577

      Registro: 2023.0000343723

      ACÓRDÃO

      Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1028480-54.2021.8.26.0577, da Comarca de São José dos Campos, em que são apelantes AUGUSTO VIEIRA FILHO e JULIANA CRISTINA ALVES VIEIRA, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS.

      ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

      O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

      São Paulo, 24 de abril de 2023.

      FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

      Corregedor Geral da Justiça

      Relator

      APELAÇÃO CÍVEL nº 1028480-54.2021.8.26.0577

      APELANTES: Augusto Vieira Filho e Juliana Cristina Alves Vieira

      APELADO: 1º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de São José dos Campos

      VOTO Nº 38.991

      Registro de imóveis – Carta de alienação por iniciativa particular – Título judicial que se sujeita à qualificação registral – Modo derivado de aquisição da propriedade – Desqualificação por inobservância ao princípio da continuidade – Dúvida julgada procedente – Precedentes do Conselho Superior da Magistratura – Apelação não provida.

      Trata-se de apelação interposta por Augusto Vieira Filho Juliana Cristina Alves Vieira contra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de São José dos Campos, que manteve a recusa ao registro da carta de alienação particular expedida nos autos do Processo nº 0008359-27.2018.8.26.0577, tendo por objeto o imóvel matriculado naquela serventia sob nº 40.912 (fls. 632/634).

      Alegam os apelantes, em síntese, que por expressa decisão nos autos do processo em que expedido o título apresentado a registro, ficou consignado que a alienação por iniciativa particular produziria os mesmos efeitos da arrematação em hasta pública, certo que a propositura de ação de inventário não obstaria o ato. Afirmam que a exigência de abertura de inventário para partilha do bem deixado pelo falecido executado não pode ser cumprida, dada a impossibilidade de obtenção de sua certidão de casamento atualizada.

      Entendem que não podem ser responsabilizados pela desídia dos herdeiros e que, ademais, inexiste prejuízos a terceiros, pois as partes do processo em que realizada a alienação por iniciativa particular já receberam os valores que lhes cabiam. Por fim, sustentam que não há ofensa ao princípio da continuidade registral, pois a alienação por iniciativa particular é modo originário de aquisição de propriedade (fls. 654/667).

      A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 684/687).

      É o relatório.

      Apresentada a registro a carta de alienação judicial de bens extraída dos autos do Processo nº 0008359-27.2018.8.26.0577, a Oficial de Registro de Imóveis desqualificou o título e expediu nota de devolução (fls. 546/548), consignando que, na matrícula do imóvel alienado:

      “(…) figuram como proprietários Maria Mercedes de Almeida Silva Santos Costa e o réu Antonio Pereira da Costa. Conforme a carta apresentada, o imóvel matriculado sob nº 40.912 foi adquirido por Augusto Viera Filho. Consta que o réu Antonio Pereira da Costa é viúvo (…). Contudo, até o momento, não foi registrada a partilha dos bens deixados pelo falecimento de Maria Mercedes de Almeida Silva Santos Costa.

      (…)

      Apesar de ter sido penhorado e em seguida alienado o imóvel, somente com o registro da partilha dos bens é possível identificar para quem foi partilhado o imóvel.

      (…)

      Portanto, somente com o registro do formal de partilha será possível verificar se 100% do imóvel foi atribuído ao executado Antonio Pereira da Costa, ou se foi atribuído a outros eventuais herdeiros”.

      Desde logo, importa lembrar que a origem judicial do título não o torna imune à qualificação registral, ainda que limitada a seus requisitos formais e sua adequação aos princípios registrais, conforme o disposto no item 117, do Capítulo XX, das Normas de

      Serviço da Corregedoria Geral da Justiça:

      “Item 117. Incumbe ao oficial impedir o registro de título que nãosatisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejamconsubstanciados em instrumento público ou particular, quer ematos judiciais”.

      Este C. Conselho Superior da Magistratura tem decidido, inclusive, que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (TJSP; Apelação Cível 0003968-52.2014.8.26.0453; Rel. DES. PEREIRA CALÇAS; Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de Pirajuí – 1ª Vara; Data do Julgamento: 25/2/2016; Data de Registro: 13/4/2016).

      Da análise da certidão imobiliária, verifica-se que o imóvel objeto da matrícula nº 40.912 do 1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de São José dos Campos está registrado em nome de Antonio Pereira da Costa e Maria Mercedes de Almeida Silva Santos Costa (fls. 541/545).

      No entanto, na ação judicial que ensejou a expedição da carta de alienação em testilha figuraram como partes Aloisio Alves Moreira (autor/exequente) e Antonio Pereira da Costa (réu/executado) (fls. 07/537), cumprindo anotar que, noticiado o falecimento do cotitular de domínio no estado de viúvo (fls. 222), não consta ter havido a partilha do imóvel em questão, decorrente do prévio falecimento de Maria Mercedes de Almeida Silva Santos Costa, sua esposa e coproprietária do imóvel em questão.

      Ora, segundo o Princípio da Saisine, a transmissão ocorre no momento da morte, conforme preceitua o art. 1.784 do Código Civil:

      “Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários”. Vale ressaltar, neste particular, a lição de Caio Mario da Silva Pereira:

      “A abertura da sucessão dá-se com a morte, e no mesmo instante os herdeiros a adquirem. Em nenhum momento, o patrimônio permanece acéfalo. Até o instante fatal, sujeito das relações jurídica era o ‘de cuius’. Ocorrida a morte, no mesmo instante são os herdeiros. Se houver testamento, os testamentários; em caso contrário, os legítimos. Verifica-se, portanto, imediata mutação subjetiva. Os direitos não se alteram substancialmente.

      Há substituição do sujeito. Subrogação pessoal ‘pleno iure’. É o sistema, aliás, predominante nos países de espírito latino” (Instituições de Direito Civil, vol. 6, Forense, RJ, 2005, p. 193).

      Como se vê, tendo em vista a natureza da transmissão (saisine), não se sabe, ao certo, quem titularizaria a propriedade. Há, em tese, uma ruptura do trato sucessivo (artigo 237 da Lei de Registros Públicos).

      Mostra-se imprescindível, destarte, antes do registro da carta de alienação, que seja feito o registro do título que conferiu, eventualmente, a integralidade do imóvel ao executado. Trata-se de obedecer ao princípio da continuidade registrária, previsto no art. 195 da Lei de Registros Públicos:

      “Art. 195. Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro”.

      De seu turno, dispõe o art. 237 do mesmo Diploma legal:

      “Art. 237. Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro”.

      A propósito, ensina Afrânio de Carvalho:

      “O princípio da continuidade, que se apoia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram sempre a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente. Ao exigir que cada inscrição encontre sua procedência em outra anterior, que assegure a legitimidade da transmissão ou da oneração do direito, acaba por transformá-la no elo de uma corrente ininterrupta de assentos, cada um dos quais se liga ao seu antecedente, como o seu subseqüente a ele se ligará posteriormente. Graças a isso o Registro de Imóveis inspira confiança ao público” (“Registro de Imóveis”, 4ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 253).

      Ademais, a alienação forçada em processo judicial encerra transmissão derivada do direito de propriedade por envolver manifestação de vontade do adquirente e do Estado, pressupondo relação jurídica anterior, donde emerge o caráter bilateral da aquisição, apesar da ausência de manifestação de vontade do titular do direito real. Essa situação tem natureza de negócio jurídico entre o adquirente e o Estado, caracterizando aquisição derivada.

      Não se desconhece que, em data relativamente recente, o Colendo Conselho Superior da Magistratura chegou a reconhecer que a arrematação constituía modo originário de aquisição da propriedade. Contudo, tal entendimento acabou não prevalecendo, pois o fato de inexistir relação jurídica ou negocial entre o antigo proprietário e o adquirente (arrematante ou adjudicante) não é o quanto basta para afastar o reconhecimento de que há aquisição derivada da propriedade. Como destaca Josué Modesto Passos, “diz-seoriginária a aquisição que, em seu suporte fático, é independente da existência de umoutro direito; derivada, a que pressupõe, em seu suporte fático, a existência do direitopor adquirir. A inexistência de relação entre titulares, a distinção entre o conteúdo dodireito anterior e o do direito adquirido originariamente, a extinção de restrições elimitações, tudo isso pode se passar, mas nada disso é da essência da aquisiçãooriginária” (PASSOS, Josué Modesto. A arrematação no registro de imóveis: continuidade do registro e natureza da aquisição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 111 e 112).

      Nesse cenário, a decisão proferida nos autos da ação judicial, quanto à equiparação dos efeitos da alienação por iniciativa particular e a arrematação em hasta pública em nada altera a situação dos apelantes.

      E assim é, pois a alienação por iniciativa particular, modalidade de expropriação judicial de bem, configura modo derivado de aquisição de propriedade, mantido o vínculo com a situação pretérita do imóvel. Há que ser respeitado, portanto, o princípio da continuidade, sob pena de se configurar injustificado rompimento na cadeia de sucessão dos titulares do bem. Em hipóteses semelhantes, há vários precedentes deste Colendo Conselho Superior da Magistratura:

      APELAÇÃO – DÚVIDA – RECUSA AO REGISTRO DA CARTA DE ARREMATAÇÃO – EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL – OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA CONTINUIDADE E DA ESPECIALIDADE SUBJETIVA – ÓBICES MANTIDOS – RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. (TJSP; Apelação Cível 1050250-45.2022.8.26.0100; Rel. DES. FERNANDO TORRES GARCIA (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro Central Cível – 1ª Vara de Registros Públicos; Data do Julgamento: 15/12/2022; Data de Registro: 10/01/2023).

      “REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida – Carta de arrematação – Qualificação obrigatória dos títulos judiciais – Propriedade do imóvel registrada em nome do executado e de terceira, em regime de condomínio – Ausência de participação do condômino na ação executiva ou decisão judicial determinando a eficácia da arrematação em relação à sua parcela da propriedade – Ofensa ao princípio da continuidade – Origem do débito em obrigação propter rem que não afasta a incidência do princípio e, consequentemente, o impedimento ao registro – Dúvida procedente – Recurso não provido” (TJSP; Apelação Cível 1007324- 58.2017.8.26.0477; Rel. DES. RICARDO ANAFE (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Data do Julgamento: 3/3/2020; Data de Registro: 10/3/2020).

      Na mesma linha: TJSP; Apelação Cível 0005176-34.2019.8.26.0344; Relator(a): Pinheiro Franco (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Data do Julgamento: 10/12/2019; Data de Registro: 12/12/2019. TJSP; Apelação Cível 1001015-36.2019.8.26.0223; Relator (a): Pinheiro Franco (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Data do Julgamento: 19/9/2019; Data de Registro: 26/9/2019. TJSP; Apelação Cível 1000506-84.2016.8.26.0361; Relator (a): Pereira Calças; Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Data do Julgamento: 19/12/2017; Data de Registro: 19/1/2018.

      Não socorre aos apelantes, ademais, a alegação de impossibilidade de superação do óbice imposto pela registradora.

      Por meio de simples diligência no Registro Civil das Pessoas Naturais, que possui um canal oficial da ARPEN, o qual permite ao cidadão fazer buscas e solicitar certidões no site https://www.registrocivil.org.br/payed-search, a informação de que a co-titular de domínio já era falecida ao tempo da alienação judicial do bem teria facilmente se apresentado, assim como a existência, ou não, de inventário, a permitir esclarecimento de dúvidas sobre eventual comunicação de patrimônio com o do cônjuge executado, assim como a localização de eventuais herdeiros.

      Em suma, justifica-se a qualificação negativa do título, em atenção ao princípio da continuidade registral.

      Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

      FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

      Corregedor Geral da Justiça

      Relator.

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