TJSP – CSM – Carta de adjudicação – Herança vacante – Ofensa ao princípio da continuidade – Parte ideal do bem que deveria ter sido adjudicada à herdeira anteriormente à adjudicação da integralidade do imóvel ao município.

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      PODER JUDICIÁRIO

      TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

      CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

      Apelação Cível nº 1013337-05.2019.8.26.0477

      Registro: 2023.0000646722

      ACÓRDÃO

      Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1013337-05.2019.8.26.0477, da Comarca de Praia Grande, em que é apelante MUNICIPIO DE PRAIA GRANDE, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE PRAIA GRANDE.

      ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

      O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

      São Paulo, 27 de julho de 2023.

      FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

      Corregedor Geral da Justiça e Relator

      APELAÇÃO CÍVEL Nº 1013337-05.2019.8.26.0477

      APELANTE: Municipio de Praia Grande

      APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Praia Grande

      VOTO Nº 39.049

      Registro de imóveis – Dúvida julgada procedente – Carta de adjudicação – Herança vacante – Ofensa ao princípio da continuidade – Parte ideal do bem que deveria ter sido adjudicada à herdeira anteriormente à adjudicação da integralidade do imóvel ao município – Necessidade de aditamento do título – Inobservância do princípio da especialidade subjetiva – Comprovação do estado civil da titular de domínio mediante apresentação de documento estrangeiro sem a devida tradução e registro no Oficial de Registro de Títulos e Documentos – Recurso a que se nega provimento.

      Cuida-se de apelação interposta pelo MUNICÍPIO DA ESTÂNCIA BALNEÁRIA DE PRAIA GRANDE em face da r. sentença de lavra do MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Praia Grande, que julgou procedente a dúvida suscitada, negando o acesso ao registro imobiliário da carta de adjudicação extraída dos autos do processo nº 477.01.1999.006184-9/000000-000, da 2ª Vara da Família e das Sucessões da mesma Comarca, que tem por objeto o imóvel matriculado sob o n.º 20.115 (fls. 415/421).

      Da nota devolutiva (fls. 310/311), que qualificou negativamente o título, constaram as seguintes exigências:

      “1) Não é possível o registro deste título, nesta oportunidade, pelos seguintes motivos:

      a) matrícula n.º 20.115 (fls. 26/27) figuram como proprietárias do imóvel Maria do Monte de Sousa e Adelaide de Sousa Gouveia, na proporção de 50% para cada uma. Maria faleceu aos 15 de maio de 1998, deixando como única herdeira Adelaide de Sousa Gouveia (fls. 15), contudo, não consta do título a adjudicação da metade ideal deixada por Maria em favor de Adelaide, em respeito ao princípio da continuidade (Apelação Cível 990.10.212.332-4 Caraguatatuba). Veja-se que a r. sentença de fls. 317/318 dos autos (149 e 154 do título) reporta-se somente à herança vacante decorrente do falecimento de Adelaide. Portanto, deverá a carta de adjudicação ser aditada para primeiramente, haver o pagamento da metade ideal à herdeira Adelaide, relativo ao falecimento de Maria.

      b) título consta que Adelaide de Sousa Gouveia faleceu no estado civil de viúva, contudo, da matrícula número 20.115, qualifica-se solteira, devendo, portanto, ser apresentada a certidão de casamento da mesma constando o regime de bens e a época do casamento, e, se o regime de bens adotado for diverso do comum à época, apresentar certidão do registro da escritura de pacto antenupcial, bem como deverá ser esclarecida a qualificação (nacionalidade, profissão, RG e CPF) de seu cônjuge, anexando também cópias autenticadas dos respectivos documentos. Caso Adelaide tenha separado, referida certidão de casamento deverá conter a respectiva averbação da separação. Informamos ainda que, se o casamento ocorreu no território estrangeiro, deverá apresentar a certidão de casamento devidamente traduzida e registrada em Registro de Títulos e Documentos.

      2) Da certidão de óbito apresentada consta que José Rodrigues de Gouveia foi casado com Adelaide de Souza Gouveia, cujo casamento foi realizado em 12/08/1970, contudo, do R. 06, da matrícula 20.115, deste Registro, consta que quando da aquisição do imóvel, que se deu em 30/08/1993, Adelaide de Sousa Gouveia era solteira.

      3) Da mesma certidão de óbito consta, no campo destinado ao estado civil, que José Rodrigues de Gouveia é desquitado, contudo, do campo destinado a observações, consta que era desquitado de Ana Teresa de Gouveia, e casado com Adelaide de Sousa Gouveia.”

      Sustenta o apelante, em suma, que a adjudicação é decorrente de herança vacante; que as questões de mérito do processo judicial estão fora da esfera de apreciação do registrador. A adjudicação é forma originária de aquisição de propriedade. Os documentos apresentados demonstram que Adelaide era viúva e o óbito de seu marido se deu antes da aquisição da metade do bem, não havendo, portanto, repercussão patrimonial. Da averbação da certidão de nascimento consta, expressamente, a informação a respeito do casamento de Adelaide e de sua dissolução.

      A Procuradoria Geral de Justiça opina pelo não provimento do recurso (fls. 443/447).

      É o relatório.

      Não se ignora que a origem judicial do título não o torna imune à qualificação registral, ainda que limitada aos requisitos formais do título e sua adequação aos princípios registrais, conforme disposto no item 117 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.

      Está pacificado, inclusive, que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível n.º 413-6/7; Apelação Cível n.º 0003968-52.2014.8.26.0453; Apelação Cível n.º 0005176-34.2019.8.26.0344; e Apelação Cível n.º 1001015-36.2019.8.26.0223).

      A redação do item 117, do Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, por seu turno, é expressa acerca do dever do Oficial do Registro de Imóveis de qualificar negativamente o título que não preencha os requisitos legais, in verbis:

      “117 – Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais.”

      Fixadas, pois, estas premissas, as razões recursais não merecem guarida.

      Pretende o apelante o registro da carta de adjudicação extraída dos autos do processo nº 477.01.1999.006184- 9/000000-000, da 2ª Vara da Família e das Sucessões da Comarca da Praia Grande, que tem por objeto o imóvel matriculado sob o nº 20.115 em que figuram como titulares de domínio Maria do Monte de Sousa (50%) e Adelaide de Sousa Gouveia (50%) (fls. 16/18).

      Primeiramente faleceu Maria do Monte de Sousa. Aberto o inventário, nomeou-se inventariante Adelaide de Sousa Gouveia. Esta, por seu turno, faleceu no curso do mencionado processo. Face a ausência de herdeiros, sobreveio sentença declaratória de vacância dos bens deixados por Adelaide, adjudicando-se a totalidade do imóvel objeto da matrícula n.º 20.115 ao Município ora apelante.

      Ocorre que não consta do título levado a registro a adjudicação da metade do bem imóvel a Adelaide, em decorrência do óbito de Maria.

      A situação posta nos autos, de fato, ofende o princípio da continuidade, competindo primeiramente a transmissão da propriedade do bem deixado por Maria do Monte de Sousa à sua herdeira Adelaide, para somente após haver a adjudicação da integralidade ao Município recorrente.

      Por força do princípio da continuidade, qualquer título de transmissão do imóvel só pode ter ingresso e dar causa a um registro stricto sensu se nele constarem, como afetados, referidos titulares de domínio.

      Deve, pois, haver perfeito encadeamento entre as informações inscritas e as que se pretendem inscrever, o que não ocorre no caso telado.

      A propósito, ensina Afrânio de Carvalho:

      “O princípio da continuidade, que se apóia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram sempre a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente. Ao exigir que cada inscrição encontre sua procedência em outra anterior, que assegure a legitimidade da transmissão ou da oneração do direito, acaba por transformá-la no elo de uma corrente ininterrupta de assentos, cada um dos quais se liga ao seu antecedente, como o seu subseqüente a ele se ligará posteriormente. Graças a isso o Registro de Imóveis inspira confiança ao público” (Registro de Imóveis, 4ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 253).

      O pleito do apelante assimila-se, pois, à partilha per saltum, que já teve tratamento em diversos precedentes deste Egrégio Conselho Superior da Magistratura (Apelação nº 917-6/7, Rel. Des. RUY CAMILO, j. 4.11.08; Apelação nº 1.067-6/4, Rel. Des. RUY CAMILO, j. 14.4.09).

      Como bem consignado no r. parecer de fls. 443/447: “com relação à metade de titularidade de Maria, considerando que oinício do processo se deu em arrolamento de bens deixados em virtude de suamorte, se faz necessária a retificação da carta de sentença para que conste atransmissão de sua parte por sucessão, à Adelaide, a fim de dar sustentação àtransmissão da totalidade do bem por vacância. Isso porque, tratando-se deregistro imobiliário, após a morte do titular do domínio, um novo registro somentepoderá ter ingresso quando resolvida a situação da parte que cabia ao pré-morto,com definição titulada do que coube e a quem coube”.

      Ademais, a adjudicação, diversamente do consignado pelo recorrente, encerra transmissão derivada do direito de propriedade, como decorre do art. 1.784, do Código Civil, que consagra, em nosso direito, o princípio da saisine.

      Nesta ordem de ideias, de rigor a manutenção do óbice, reconhecendo a necessidade de aditamento da carta de adjudicação para que dela conste a adjudicação de parte do bem imóvel à Adelaide em razão do óbito de Maria do Monte de Sousa.

      Tampouco há como ser ultrapassada a exigência remanescente.

      A despeito de, com extrema dificuldade, extrair-se da certidão de nascimento estrangeira de fls. 403 que o casamento de Adelaide foi dissolvido pelo óbito do marido em 1986, importando na condição de viúva por ocasião da aquisição da metade ideal do imóvel telado (27 de setembro de 1993) e não de solteira, como constou da matrícula em questão (fls. 16/18), não há como se afastar o óbice referente à especialidade subjetiva, uma vez que não consta dos autos a tradução da documentação e o registro perante Oficial de Registro de Títulos e Documentos, exigência constante do art. 129, 6º, da Lei de Registros Públicos, in verbis:

      “Art. 129 Estão sujeitos a registro, no Registro de Títulos e Documentos, para surtir efeitos em relação a terceiros:

      6º) todos os documentos de procedência estrangeira, acompanhados das respectivas traduções, para produzirem efeitos em repartições da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios ou em qualquer instância, juízo ou tribunal”.

      Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao apelo.

      FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

      Corregedor Geral da Justiça e Relator 

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