TJRS – APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE CONFIRMAÇÃO DE TESTAMENTO. TESTAMENTO PÚBLICO. REQUISITOS EXTRÍNSECOS. FORMALIDADES LEGAIS OBSERVADAS. ADOÇÃO. ROMPIMENTO DO TESTAMENTO. ART. 1.793 DO CCB. INCORRÊNCIA. SENTENÇA REFORMADA.

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      APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE CONFIRMAÇÃO DE TESTAMENTO. testamento PÚBLICO. REQUISITOS EXTRÍNSECOS. Formalidades legais Observadas. adoção. rompimento do testamento. art. 1.793 do CCB. incorrência. sentença reformada.

      No caso, observa-se terem sido atendidos os requisitos legais elencados no art. 1.864 do CCB, já que, ao tempo da lavratura do testamento, a testadora já tinha ciência acerca da procedência do pedido de adoção, tanto que a declaração de última vontade foi elaborada justamente no afã de proteger a filha adotiva, que é pessoa incapaz, com o que não há que se falar em rompimento do testamento (art. 1.793 do CCB), fazendo-se necessária, apenas e tão somente, a redução da disposição de testamentária para fins de preservação da legítima (art. 1.967 do CCB), no âmbito do inventário. Precedentes do STJ.

      APELAÇÃO PROVIDA.

      Apelação Cível

      Oitava Câmara Cível

      Nº 70082903790 (Nº CNJ: 0262288-29.2019.8.21.7000)

      Comarca de Erechim

      DENISE CONCEICAO NUNES DA SILVA

      APELANTE

      SANTA DOMETHILIA BAPTISTA

      APELADO

      ACÓRDÃO

      Vistos, relatados e discutidos os autos.

      Acordam os Desembargadores integrantes da Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar provimento ao apelo, nos termos dos votos a seguir transcritos.

      Custas na forma da lei.

      Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Rui Portanova (Presidente) e Des. José Antônio Daltoé Cezar.

      Porto Alegre, 12 de dezembro de 2019.

      DES. RICARDO MOREIRA LINS PASTL,

      Relator.

      RELATÓRIO

      Des. Ricardo Moreira Lins Pastl (RELATOR)

      Trata-se de recuso de apelação interposto por D.C.N.S. contra sentença que julgou improcedente o pedido de confirmação do testamento deixado por S.D.B.

      Informa que almeja o registro do testamento público deixado por sua tia S.D.B., anotando que a testadora, mediante instituição do encargo de prestar cuidados à sua filha de criação T., que é portadora de esquizofrenia hebefrênica e interditada, a beneficiou com seus bens.

      Relata que, após a lavratura da escritura de testamento, a falecida adotou T., registrando que, desde dezembro de 2007, vem dispensando todos os cuidados à filha da testadora.

      Reprisa que a falecida, por ocasião da testificação, já tratava T. como filha de criação e, por ela ser incapaz, dispôs da totalidade de seus bens como garantia de proteção futura, salientando que é a curadora de T. e, desde a assunção do encargo, vem prestando todos os cuidados necessários, sejam eles materiais ou intelectuais, às suas expensas.

      Pondera que, além de o testamento ser revestido de nítida natureza de doação com encargo, é firme o entendimento de que, se o testador sabia da existência do herdeiro necessário, o testamento é válido.

      Dizendo que a testadora desejava lhe beneficiar com seus bens para que pudesse assumir os cuidados de T. para o restante de sua vida e que o rompimento do testamento apenas se justifica quando, sobrevindo descendente, restar esvaziada a vontade do testado, após colacionar jurisprudência, requer o provimento do recurso (fls. 55/62).

      Os autos foram remetidos a esta Corte, opinando a Procuradoria de Justiça pelo provimento do apelo (fls. 65/67).

      Registro que foi observado o disposto no art. 931 do CPC, tendo em vista a adoção do sistema informatizado.

      É o relatório.

      VOTOS

      Des. Ricardo Moreira Lins Pastl (RELATOR)

      Eminentes colegas, conheço da apelação, que é própria, tempestiva e dispensada de preparo (gratuidade judiciária, fl. 47).

      No caso concreto, S.D.B. (decesso ocorrido em 14.12.2007, fl. 13), mediante testamento público lavrado em 18.03.2005, dispôs que é solteira e não tem filhos e, segundo o disposto na lei pode dispor no presente testamento da totalidade dos seus bens; e, como tal, quer e ora determina que por ocasião de seu passamento, a totalidade do seu patrimônio, assim como bens móveis e valores em dinheiro, venha a caber e pertencer a sua sobrinha D.C.N.S., com exclusividade, com o encargo de cuidar e atender a sua filha de criação T.L., suprindo-lhe todas as necessidades materiais e intelectuais (fl. 15), testamento este que foi lido pelo Tabelião e assinado por duas testemunhas.

      Como se sabe, dispõe o art. 1.793 do CCB que, sobrevindo descendente sucessível ao testador, que não o tinha ou não o conhecia quando testou, rompe-se o testamento em todas as suas disposições, se esse descendente sobreviver ao testador.

      No particular, leciona ARNALDO RIZZARDO que a caducidade do testamento é explicada porque se presume que não haveria a disposição dos bens se o autor da transmissão possuísse ou conhecesse o descendente ou os descendentes. Com base no mesmo raciocínio, deduz-se que se manterá a vontade de testar caso ocorrer o falecimento antes do testador. Entretanto, há situação especial de o testador somente vir a reconhecer o descendente em adoção, após lavrar testamento. Se já era conhecida e admitida a pessoa como filha no próprio testamento, o STJ convalidou o ato, não admitindo a caducidade, citando o seguinte precedente:

      DIREITO CIVIL. SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA. CONFLITO DE NORMAS. PRIMAZIA DA VONTADE DO TESTADOR. I – Nos termos do artigo 1.750 do Código Civil de 1916 (a que corresponde o art. 1793 do Cód. Civil de 2002) Sobrevindo descendente sucessível ao testador, que o não tinha, ou não o conhecia, quando testou, rompe-se o testamento em todas as suas disposições, se esse descendente sobreviver ao testador. II – No caso concreto, o novo herdeiro, que sobreveio, por adoção post mortem, já era conhecido do testador que expressamente o contemplou no testamento e ali consignou, também, a sua intenção de adotá-lo. A pretendida incidência absoluta do art. 1750 do Código Civil de 1916 em vez de preservar a vontade esclarecida do testador, implicaria a sua frustração. III – A aplicação do texto da lei não deve violar a razão de ser da norma jurídica que encerra, mas é de se recusar, no caso concreto, a incidência absoluta do dispositivo legal, a fim de se preservar a mens legis que justamente inspirou a sua criação. IV – Recurso Especial não conhecido. (REsp 985.093/RJ, Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros, Rel. p/ Acórdão Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em 05/08/2010, DJe 24/09/2010)

      No caso, com o devido respeito pelo entendimento em sentido contrário, fica muito claro que a extinta S. D., por ocasião da testificação (ocorrida em 18.03.2005, rememoro), já dispensava à incapaz T. o tratamento de filha, que, de fato, já o era, pois, conforme verifiquei em consulta processual junto sítio desta Corte, a sentença de procedência do pedido de adoção foi proferida em 18.01.2005 (Processo nº 013/1.04.0000268-1), ainda que a averbação do mandado tenha ocorrido apenas em 20.05.2005 (fl. 17).

      Neste viés, novamente com a devida licença, como ao tempo de sua lavratura, a testadora já tinha ciência de que T. era sua filha, tanto que o realizou justamente no afã de protegê-la, não há que se falar em rompimento do testamento, sendo necessária, apenas, a redução da disposição de testamentária para fins de preservação da legítima, nos termos do art. 1.967 do CCB

      , porquanto os requisitos extrínsecos previstos no art. 1.864 do CCB foram atendidos.

      A essa compreensão, registro, também chegou o ilustre Procurador de Justiça, Dr. LUCIANO DIPP MURATT, em seu parecer (fls. 65/67), cujas lúcidas considerações peço licença para transcrever, em acréscimo às razões de decidir:

      Trata-se de pedido formulado por D. C. N. S. relativo à abertura, registro e cumprimento de testamento público deixado pela de cujus S. D. B., sua tia, que era proprietária unicamente de um lote urbano, o qual lhe foi atribuído no testamento por ela firmado, oportunidade em que a testadora possuía apenas uma filha da criação, sendo a doação feita com o encargo de que cuidasse dessa filha, chamada T., a qual tem problemas psíquicos.

      Refere que, contudo, posteriormente a testadora adotou formalmente a filha de criação, passando, então, a ter uma herdeira necessária.

      Menciona e comprova a apelante, ademais, que atualmente é curadora de T.

      A sentença julgou improcedente o pedido por entender o julgador que a legislação não deixa margem interpretativa para excepcionar o caso em apreço em que a adoção posterior ao testamento gera a absoluta ineficácia deste, rompendo-o.

      E, com efeito, esta é a redação do art. 1973, do Código Civil:

      Art. 1.973. Sobrevindo descendente sucessível ao testador, que não o tinha ou não o conhecia quando testou, rompe-se o testamento em todas as suas disposições, se esse descendente sobreviver ao testador.

      Contudo, a situação dos autos é peculiar.

      Temos um testamento realizado em 18/03/2005, deixado por S., senhora que se declarou na escritura pública ser solteira, e não ter filhos; e, segundo o disposto na lei pode dispor no presente testamento da totalidade dos seus bens; e, como tal quer e ora determina que por ocasião de seu passamento, a totalidade de seu patrimônio , assim como bens móveis e valores em dinheiro, venham a caber e pertencer a sua sobrinha D. (…), com exclusividade, com o encargo de cuidar e atender sua filha de criação T. (…), suprindo-lhe todas as necessidades materiais e intelectuais (fl. 15).

      Com efeito, o testamento foi lavrado em 18/03/2005 (fl. 15), não sobrevindo maiores informações a respeito do processo de adoção de S. com relação a T., contudo constando a data do registro da certidão de nascimento de T., com o sobrenome de S.., em 20/05/2005 (fl. 17), dois meses posteriores ao registro.

      O óbito de Santa se deu em 14/12/2007 (fl. 13). Como se vê, a testadora tomou conhecimento da procedência de seu pedido de adoção após a elaboração do testamento, pois o falecimento se deu passados 02 anos do registro de T.

      Ainda, resta claro que a finalidade do testamento era de proteger sua filha T., totalmente incapaz, exigindo cuidados especiais.

      Ressalta-se que a curadora de T., desde o óbito de S., é D. (desde 2008  substituição de curador  fl. 17v).

      Neste caso peculiar observa-se que a testadora, mesmo sabendo da existência de herdeira necessária, a exclui do testamento (não se sabe por qual razão, mas se supõe que era para lhe proteger, uma vez que é incapaz e não para privilegiar a sua sobrinha D.). Entende-se que o referido testamento não deverá rompido, como entendeu o julgador monocrático.

      Tal entendimento se baseia na vontade da testadora, que deve prevalecer, ainda que esta não possa dispor da integralidade de seus bens, como fez constar na declaração.

      Por outro lado, a hipótese dos autos pode ser enquadrada no art. 1.795 do CC, o qual dispõe que não se rompe o testamento, se o testador dispuser da sua metade, não contemplando os herdeiros necessários de cuja existência saiba, ou quando os exclua dessa parte.

      Mais uma vez refere-se que a testadora fez constar no testamento a integralidade dos bens a D., com a condição de prestar cuidados a filha T., incapaz, sua filha de criação à época da lavratura do testamento, na sua falta, contudo não foi respeitada a legítima.

      E será nos autos do inventário que se poderá decidir a respeito ao direito sucessório da herdeira.

      E, no caso, como evidenciada afronta à legítima, será procedida à correção, como bem esclarece Arnaldo Rizzardo na obra Direito das Sucessões:

      (…)

      Aqui, por conhecer a existência dos descendentes, cônjuge e ascendentes, não se traz a consequência da ruptura, pois fica clara a intenção de favorecer outras pessoas. A disposição desta maneira não rompe o testamento porque, ciente o testador dos herdeiros necessários, e inclusive prevendo a possibilidade da existência ou superveniência de filhos, mesmo assim fez uso da liberdade de testar, o que lhe está reservado por lei.

      Mas os herdeiros necessários terão reservada a metade do patrimônio disponível. Se o ato testamentário desrespeitou o limite, posteriormente, no inventário, procede-se à devida correção. Continua válido o testamento, sujeitando-se à modificação naquilo que concerne à legítima dos herdeiros, e leva-se a termo a redução daquilo que excede da metade disponível (…).

      A corroborar:

      APELAÇÃO CÍVEL. ANULATÓRIA DE TESTAMENTO. ROMPIMENTO. HERDEIRO NECESSÁRIO. RECONHECIMENTO DE FILHO POR SENTENÇA JUDICIAL POSTERIORMENTE AO TESTAMENTO E ANTES DA MORTE DO TESTADOR. Segundo o art. 1.973 do CC, ?sobrevindo descendente sucessível ao testador, que não o tinha ou não o conhecia quando testou, rompe-se o testamento em todas as suas disposições, se esse descendente sobreviver ao testador.? Contudo, não se rompe testamento, se o testador, mesmo tomando conhecimento da existência de outro herdeiro necessário após ter testado, não modifica suas disposições testamentarias. Interpretação dos artigos 1.974 e 1.975 do Código Civil. Precedentes. No caso dos autos, o autor, em investigatória de paternidade, foi declarado filho do testador após a lavratura do testamento e antes da morte dele. O testador teve oportunidade de revogar o testamento, mas não o fez. Logo, deve ser respeitada sua vontade expressa ao testar sua parte disponível, resguardando a legítima dos herdeiros necessários. NEGARAM PROVIMENTO AO APELO.(Apelação Cível, Nº 70076179043, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em: 28-06-2018)

      Nestes termos, merece ser reformada a sentença, para fins de que seja procedido o registro do testamento, com a ressalva de respeito à parte disponível de 50% do patrimônio da herdeira.

      ANTE O EXPOSTO, voto pelo provimento do recurso.

      Des. José Antônio Daltoé Cezar – De acordo com o (a) Relator (a).

      Des. Rui Portanova (PRESIDENTE) – De acordo com o (a) Relator (a).

      DES. RUI PORTANOVA – Presidente – Apelação Cível nº 70082903790, Comarca de Erechim: DERAM PROVIMENTO. UNÂNIME.

      Julgador (a) de 1º Grau: SAMUEL BORGES

      RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Sucessões. ed. 10, p. 404.

      Cito o dispositivo sentencial: […]. Do exposto, considerando o tempo de convívio entre as partes, e que a requerente sempre desempenhou papel de cuidadora da requerida, e, ainda, que o deferimento do pedido vem ao encontro dos interesses da adotanda, julgo procedente o pedido de adoção formulado por S. D. B., com relação a T. DE L., que passará a chamar-se T. DE L. B. Transita em julgado, expeça mandado de averbação ao Registro Civil. Custas sob gratuidade. Oportunamente, dê-se baixa e arquive-se. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Erechim, 18 de janeiro de 2005. Victor SantAnna Luiz de Souza Neto, Juiz de Direito?.

       Nesse sentido, colaciono:

      CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. TESTAMENTO. ROMPIMENTO. POSSIBILIDADE. NULIDADE. EXISTÊNCIA. Na busca da preservação da vontade do testador, o rompimento de um testamento, com a sua consequente invalidade geral, é medida extrema que somente é admitida diante da singular revelação de que o testador não tinha conhecimento da existência de descendente sucessível. A prova em sentido contrário – de que o testador sabia da existência do descendente sucessível – mesmo existindo declaração do testador de que não tinha herdeiros necessários, impede a incidência do quanto disposto no art. 1.973 do Código Civil. A nulidade das disposições testamentárias que excedem a parte disponível do patrimônio do testador se circunscreve ao excesso, reduzindo-se as disposições testamentárias ao quanto disponível, nos termos dos arts. 1.967 e 1.968. A avaliação do conteúdo da deixa e seu cotejo com as disposições de ultima vontade do de cujus, para fins de verificação de possível invasão da legítima, são matérias adstritas ao curso do inventário. Inviável a aplicação da multa a embargos de declaração com o fito de prequestionamento (Súmula 98/STJ). Recurso especial parcialmente provido, apenas para afastar a incidência da multa do art. 538 do CPC/73, fixada na origem. (REsp 1.615.054/MG, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 03/08/2017, DJe 10/08/2017) [grifei].

      RIZZARDO, Arnaldo. DIREITO DAS SUCESSÕES. 10ª Ed., Rio de Janeiro: Forense, 2018. p.405.

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