Projeto do Código Penal: o início da execução do delito

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      Projeto do Código Penal: o início da execução do delito

      Denominam-se fases do crime ou “iter criminis” o conjunto de atos praticados pelo agente em direção à consumação, dividindo-se em:

      a) Cogitação: é a mentalização do cometimento do delito, sendo penalmente impunível, de acordo com o princípio “cogitationis poenam nemo patitur”, e.g., A tem a ideia de matar B no dia da final da Copa do Mundo;

      b) Preparação: são os atos que antecedem a execução material do delito, em regra, atípicos; excepcionalmente, o legislador considera um ato preparatório de outro crime como delito autônomo, através dos chamados “bens jurídicos antecipados” (JAKOBS, Fundamentos do Direito Penal, 2003, p. 132), v.g., o porte ilegal de arma de fogo em relação ao homicídio;

      c) Execução: é o início da prática delitiva; há três critérios que buscam traçar os limites entre os atos preparatórios e de execução:

      i) Critério formal-objetivo: a execução inicia-se com a realização do núcleo do tipo, v.g., no furto só há início de execução quando o agente se apodera da coisa, realizando assim o verbo do tipo do art. 155, “caput”, do Código Penal (“subtrair”);

      ii) Critério material ou teoria da hostilidade do bem jurídico (MAYER apud HUNGRIA, Comentários ao Código Penal, 1980, v. 1, Tomo I, p. 257): a execução inicia-se com o ataque ao bem jurídico;

      iii) Critério objetivo-individual (WELZEL, Derecho Penal: Parte General, 1956, p. 194-195): a execução inicia-se com a prática do primeiro ato destinado a concretizar os elementos do tipo penal; entendemos ser este o melhor critério para distinguir os atos preparatórios dos executórios, pois o ataque ao bem jurídico (critério material) pode ocorrer com a prática de atos meramente preparatórios, enquanto a execução material do crime normalmente antecede a realização do núcleo do tipo (critério formal-objetivo); exemplificando, se o agente quer praticar um crime de furto mediante escalada numa residência, é intuitivo que a conduta de invadir o local pulando o muro já configura ato de execução, ainda que não realizado o verbo do tipo do art. 155, “caput”, do Código Penal (“subtrair”);

      d) Consumação: quando reunidos todos os elementos descritos no tipo penal, v.g., no crime de homicídio (CP, art. 121), é a morte da vítima; no roubo (CP, art. 157), a inversão da posse do bem subtraído; e na prevaricação (CP, art. 319), quando o “intraneus” deixa de praticar ato de ofício para satisfazer interesse ou sentimento pessoal; a consumação não se confunde com o exaurimento do delito, que compreende as condutas posteriores e que eventualmente podem ser consideradas como causas de aumento de pena, e.g., o crime de corrupção ativa consuma-se com o simples oferecimento de vantagem indevida ao funcionário público, a fim de que o mesmo deixe de praticar ato de ofício – a omissão efetiva do dever funcional constitui exaurimento do delito, majorando a reprimenda (CP, art. 333, parágrafo único).

      O Código Penal atual não trata de forma minuciosa da distinção entre atos preparatórios e executórios, pois no art. 14, inciso I, considera consumado o delito “quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal”, e, tentado, “quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente”. Por outro lado, no art. 31, dispõe que “o ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado”. Trata-se de aplicação do princípio “cogitationis poenam nemo patitur”, enquanto a ressalva admite os chamados “bens jurídicos antecipados”, a que há pouco nos referimos.

      Já o Projeto do Código Penal inovou neste ponto. Após tratar da tentativa nos arts. 22, incisos I e II, e 23, com idêntica redação à do Código atual, cuida dos atos executórios em seu art. 24, nos termos seguintes: “Há início da execução quando o autor realiza uma das condutas constitutivas do tipo ou, segundo seu plano delitivo, pratica atos imediatamente anteriores à realização do tipo, que exponham a perigo o bem jurídico protegido”. Assim, o Projeto optou por mesclar o critério objetivo-individual, que delimita o início da execução pela realização dos elementos descritos do tipo penal, com o critério material (teoria da hostilidade do bem jurídico), que considera iniciada a execução a partir do ataque ao bem jurídico. Entendemos, todavia, que mais correta seria a adoção pura e simples do critério objetivo-individual. Apesar da importância da teoria do bem jurídico e do princípio da lesividade, que dela decorre, sua invocação para traçar os limites entre os atos preparatórios e executórios nos parece de pouca valia, mesmo porque a vulneração do bem juridicamente tutelado pode se verificar muito antes de iniciada a execução, o que revela a imprecisão de tal critério para este fim.

      Seguindo o critério objetivo-individual, Hans Welzel, com a precisão que lhe é peculiar, sustenta que a delimitação do início da execução deve levar em conta o plano individual do autor, já que os caminhos para a concretização do delito são “ilimitadamente múltiplos” (op. cit., p. 195), trazendo o seguinte exemplo: A instala um dispositivo destinado a causar incêndio no momento em que um terceiro vier a acionar a luz elétrica; se o terceiro for uma pessoa desconhecida, que atua de boa-fé, a execução do delito já estará iniciada a partir da instalação daquele dispositivo; porém, se o terceiro for um comparsa de A, que atua como coautor, a execução se iniciará somente no momento em que este acionar a luz elétrica, sendo os atos anteriores meramente preparatórios.

      O Supremo Tribunal Federal já decidiu que, verificada a entrega de determinada quantia em dinheiro por um agente ao seu comparsa, para que a mesma seja posteriormente encaminhada a um funcionário público, a fim de que este pratique ato de ofício infringindo dever funcional, uma vez ocorrida a apropriação do numerário pelo segundo delinquente, restará caracterizado apenas um ato preparatório do delito de corrupção ativa (CP, art. 333), e não de execução (REx 61549/DF, Rel. Min. Franciso Resek, Segunda Turma, j. 24.08.1984).

      De outra parte, o Tribunal de Justiça paulista já entendeu que o ingresso do agente na residência da vítima, com intenção de furtar, ainda que não realizado o verbo do tipo (“subtrair”), já configura ato executório do delito de furto e não apenas preparatório, adotando assim o critério objetivo-individual:

      “FURTO TENTADO. Recurso com pedido de reforma. Alegação de depoimentos contraditórios da vítima e dos policiais. Ação do apelante não saiu dos atos preparatórios. Alegação de falta de provas para comprovação da intenção do réu em furtar o objeto. IMPOSSIBILIDADE. Depoimentos coesos e em consonância com a palavra da vítima. Prática de atos executórios, com a entrada do apelante no quintal da residência da vítima. Material apreendido evidenciando o emprego de chave falsa, conforme auto de exibição e apreensão e laudo pericial. Enquadramento do tipo penal claramente demonstrado pela efetiva intenção do apelante e, notadamente, suas ações – NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO” (Ap. 77088420118260562, Rel. Des. Ruy Alberto Leme Cavalheiro, Terceira Câmara, j. 25.03.2014).

      Em suma, a inovação do Projeto do Código Penal é bem-vinda, pois ao traçar as diferenças entre os atos preparatórios e executórios no art. 24, deixou claro que o início da execução independe da realização do núcleo do tipo (critério formal-objetivo), muito embora pudesse ter adotado somente o critério objetivo-individual para reger o assunto, sem mesclá-lo com a teoria da hostilidade do bem jurídico.

      Thales Ferri Schoedl

      Professor de Direito Penal e Processual Penal no Curso Preparatório VFK Educação, e examinador de bancas de exame oral simulado nas áreas de Direito Constitucional, Administrativo, Tributário (Parte Geral), Penal, Processual Penal e Empresarial, na mesma instituição. Professor de Direito Penal, Processual Penal e Administrativo da Academia Del Guércio SPCM. Advogado nas áreas criminal, tribunal do júri, improbidade administrativa, imobiliário, responsabilidade civil e funcional. Autor e coautor de obras jurídicas, especialmente pela YK Editora. Ex-promotor de justiça do Estado de São Paulo. Graduação em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2001). Especialização em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2007). Mestrando concursado em Desenvolvimento e Gestão Social pela Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Foi professor voluntário na Associação Cruz Verde, destinada a portadores de paralisia cerebral grave (2007/2014).

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