Artigo – Registradores, notários e juízes: lapidários da aequitas – João Camilo Rodrigues de Oliveira.

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    “10 Artigos Legais Essenciais para conhecer o Direito Notarial e Registral”

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      Durante nossa senda pelo estudo do direito, somos colocados, a todo tempo, em contato com uma questão fundamental: afinal, qual o objeto do nosso estudo? É quase certo que o jurista, comparativamente a profissionais de outras áreas do conhecimento – medicina, engenharia, arquitetura, et cetera -, é o que terá mais dificuldade na elaboração de uma resposta satisfatória.

      Essa incompreensão é consequência da diversidade e riqueza de manifestações com que o fenômeno jurídico se apresenta, o que pode causar incerteza e confusão na mente dos que buscam deslindá-lo. Sabe-se que nele algo de essencial há de existir, mas são enormes as dificuldades surgidas da tentativa de aprisionar esse núcleo em uma definição.

      Apesar de uma complexa e multifacetada manifestação jurídica, enquanto elemento da cultura dos povos, estar presente em todas as civilizações, foi pela genialidade dos jurisconsultos romanos que se fixou, pela primeira vez, um modo específico e altamente reflexivo de raciocinar sobre o direito, de forma a colocá-lo sob o esteio de uma ciência – a iuris prudentiadireito e res iusta, ou: uma definição do vocábulo pela ideia de justiça. Outras noções, mesmo hodiernamente, são sempre secundárias e subordinadas a este sentido fundamental que conecta o direito a algo justo[1].

      A força inspiradora para a elaboração da manifestação dos pretores e jurisconsultos romanos provinha, inclusive, do seu panteão. Assim, vendados os olhos, e com a balança nas mãos, aguardava a deusa romana Iustitia pela exata retidão do fiel da balança (de+rectum), e pronunciava o ius, que deveria materializar o suum cuique tribuere (dar a cada um o que é devido) de que nos fala Ulpiano ao mencionar os princípios gerais do direito[2]. O ideal abstrato de justiça (aequitas) é a substância que inspira à obtenção do justo do caso concreto, estando contida, portanto, na definição de direito.

      É possível apontar, relativamente à atuação do tabelião e do registrador, uma semelhança explícita com a operação intelectual realizada pelos jurisconsultos romanos. Estes, sempre sob a inspiração da deusa da Justiça, meditavam, com o labor e o cuidado de um joalheiro, a arte do bom e do justo[3], de maneira a tentar ao máximo espelhar, neste mundo imperfeito, aquele ideal metafísico e sobrelevado da aequitas, produzindo a res iusta. Ora, não é outra a justificativa, senão a de que é preciso perquirir pela decisão mais correta (entenda-se: mais próxima ao ideal de Justiça), a sustentar a necessidade de uma atuação orientada e baseada na prudência pelo tabelião, por exemplo, ao lavrar uma escritura pública, e o mesmo pode-se dizer da atividade do registrador, este último exercitando seu agir prudencial através, principalmente, da atividade de qualificação dos títulos que lhes são entregues.

      Também o juiz possui, à semelhança destes profissionais, o múnus de buscar, com o maior empenho possível, e por meio da prudência, a materialização daquele ideal superior de justiça, trazendo o direito à vida concreta.

      Se ambos compartilham entre si a função de lapidar a aequitas por meio da chave dos direitos natural e positivo, visando sempre à obtenção da res iusta, pergunta-se, afinal, qual é a razão que biparte os atos dos delegatários de serventias extrajudiciais daqueles dos juízes.

      Trata-se de uma diferença em relação ao momento de manifestação. São duas dimensões igualmente importantes: na dos cartórios está a harmonia do direito com a vida social, em que há perfeita correspondência entre as expectativas coletivas e/ou individuais com o que se entende por res iusta. Este é o império da segurança jurídica, no qual não há turbulências no processo de transformação da aequitas no justo concreto; são os registradores e tabeliães instados a lutar pela manutenção, sempre que possível, deste estado de coisas.

      Pode acontecer, entretanto, um descolamento entre dois ou mais lados do tecido social com o que se espera acerca da justiça concreta (situação que, em sociedades saudáveis, só ocorre pontualmente): este é o momento em que a aequitas sofre uma interrupção no seu processo de transformação em elementos concretos, e nesta hora o juiz é chamado a cumprir o seu dever de sanar a deficiência, restabelecendo o fluxo mencionado, para firmar novamente a paz.

      Portanto, as serventias extrajudiciais e a atividade jurisdicional são os motores complementares que, em conjunto, e desde que exercidos com elevada sapiência prudencial por profissionais responsáveis, abrem o portal, operado pelas chaves do direito natural e do direito positivo, que permite a passagem da aequitas para este lado da vida. A mágica substância, quando aplicada com primor nos fatos jurídicos submetidos ao registrador, ao notário e ao juiz, torna-se a liga que faz belas e admiráveis as manifestações destes profissionais do direito.

      João Camilo Rodrigues de Oliveira – Mestrando em Direito Romano e Sistemas Jurídicos Contemporâneos na Faculdade de Direito da USP e Pós-graduando (lato sensu) em Direito Notarial e Registral na Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da USP. E-mail: [email protected]

      [1] Decorre dessa afirmação, por exemplo, que o direito positivo (regra de conduta a ser observada em uma determinada sociedade num determinado tempo) não é direito se não é justo.

      [2] Em D. 1, 1, 10, 1., onde se lê: iuris praecepta sunt haec: honeste vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuere (os preceitos gerais do direito são: viver honestamente, não lesar a ninguém e dar a cada um o que é devido).

      [3] Em D. 1, 1, 1, pr., Ulpiano diz ser eleganter a definição de Celso, para quem o direito é a arte do bom e do justo (ius est ars boni et aequi).

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