Artigo – O casamento é uma foto, enquanto não se rasga! – Lourival da Silva Ramos Júnior.

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      As músicas românticas sempre cantaram a natureza jurídica do casamento, em especial a de “Photograph”, de autoria de Ed Sheeran, ao dizer que “mantemos esse amor numa foto” para o coração nunca se quebrar e o tempo congelar. Por outro lado, essa música também fala que o “amor pode doer” e “isso é única coisa que nos faz sentir vivos”. Ora, uma das ilações lógicas dessa música é que não há amor sem a possibilidade de doer, ou seja, não há casamento sem a possibilidade de dissolvê-lo.

      Em termos jurídicos, as músicas românticas falam do casamento do direito romano, cujo um dos requisitos para sua existência, era a vontade de ‘iniciar” e de “permanecer” na intenção marital (affectio maritalis), embora tivesse a ideia de “contractus personarum” (sem conteúdo patrimonial) ou “species societatis” (espécie de contrato de sociedade). Contudo, essa ideia contratual foi combatida desde o século XVI até o XIX, quando perdeu força com a teoria de Savigny (no seu livro Sistema de Direito Romano Atual), ao elaborar um conceito genérico de contrato, a ponto de alcançar a noção de casamento (ALVES, 2014, p. 637-638).

      No Brasil imperial, a partir do Decreto de 3 novembro de 1827, o casamento foi sacramentado pela Igreja Católica, com sua acepção canônica de matrimônio indissolúvel, até passar ao Escrivão do Juiz de Paz e ao Secretário da Câmara Municipal, por meio do Dec. n. 9.886/1888, o qual regulamentava o registro civil de nascimento, casamento e óbito (de católicos e não-católicos).

      Fazendo uma rápida digressão do divórcio pela Bíblia Sagrada, é importante compreendê-lo cum granus salis, pois, em Mateus, Capítulo 19, versículo 8, Jesus falou aos seus discípulos que Moisés permitiu divórcio por causa da dureza do coração dos homens, embora não fosse assim desde o princípio. Em seguida (Mateus, Cap. 19, v. 9), ante a repreensão de Jesus àquele que se divorciar (exceto por adultério), os discípulos concluem que “é melhor não casar”. Mas Jesus disse: “Nem todos têm condições de aceitar esta palavra” (Mateus, Cap. 19, v. 11).

      Ora, perceba que o Novo Testamento é uma releitura do Antigo Testamento, uma vez que Jesus relembra os primórdios, passando por Moisés, para continuar sua pregação. Sendo assim, em vez de repreender Moisés por permitir o divórcio, Jesus ressaltar que o problema são os homens (e não o casamento). Entretanto, essa interpretação não encontrou lugar no coração dos homens nem na Igreja Católica.

      Pois bem, essa ideia de matrimônio indissolúvel fincou raízes tão profundas em nosso país religioso, que, mesmo após a instituição do Estado Laico (Dec. 119-A/1980), a instituição do primeiro divórcio era apenas separação indefinida dos corpos e cessação de regime de bens, não dissolvendo o vínculo conjugal (art. 88 do Dec. 181/1980).

      Para combater esse germe inicial do “divórcio”, o casamento indissolúvel foi positivado nas Constituições Federais de 1934 (art. 144), 1937 (art. 124), 1946 (art. 163), 1967 (art. 167, § 1º) e na Emenda Constitucional n. 1/69 (art. 175, § 1º). Entretanto, com a Emenda Constitucional n. 9, de 28 de junho de 1977, que deu nova redação ao § 1º do art. 175 da “Constituição Federal de 1969”, foi permitida a dissolução do casamento, desde que houvesse prévia separação judicial por mais de três anos.

      Acontece que, com a regulamentação da Emc 9/77, por meio da Lei n. 6.515/1977 (alterado pela Lei n. 7.841/89), o seu art. 40 estabeleceu o divórcio direto – sem previsão no referido texto constitucional –, desde que comprovado o decurso de 2 (dois) anos da separação de fato, sem necessidade de demonstrar a “culpa” de um dos cônjuges.

      Essa ideia da referida emenda constitucional, renovada por seu regulamento infraconstitucional (a Lei do Divórcio), foi mantida no art. 226, § 6º, da Constituição Federal de 1988, com o seguinte texto: “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos”.

      Com a alteração do § 6º do art. 226 da CF/88 pela Emenda Constitucional n. 66/2010, ao dizer que “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”, surgiram duas correntes doutrinárias opostas, à luz da referida história constitucional do divórcio: “a primeira, majoritária, defende a extinção da separação judicial, aplicando diretamente o divórcio sem qualquer tipo de prazo (…); e a outra, que defendia a ideia de que o divórcio e a separação judicial ainda são disciplinados pela lei ordinária (Código Civil de 2002)” (CARNEIRO, 2017, p. 65).

      Na jurisprudência do STJ, entretanto, ficou pacificado que a Emc 66/2010 apenas excluiu requisitos temporais para facilitar o divórcio, uma vez que não revogou os artigos do Código de Processo Civil de 2015 que tratam da separação judicial (REsp 1.431.370/SP, 3ª turma, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 22/08/2017), até que seja julgado o Recurso Extraordinário n. 1167478, aceito em repercussão geral pelo STF (publicado em 21/06/2019), para decidir se há exigência prévia da “separação judicial para o divórcio, bem como a subsistência da separação judicial como figura autônoma no ordenamento jurídico”.

      Ante tais fatos históricos e jurídicos, é possível concluir que o casamento se tornou praticamente uma mistura de manifestação consensual dos nubentes de aceitação do casamento (art. 1.535 do Código Civil), com submissão aos ritos definidos em lei, incluindo a adesão aos deveres conjugais (art. 1.566 do CC/02). Eis o motivo pelo qual o casamento tem natureza mista, sendo um “contrato na formação (acordo de vontade); instituição no conteúdo (aval da lei)” (LEITE, 2013, p. 48). Ademais, também fica evidente que o casamento perdeu o seu pressuposto de “vontade” para continuar casado, passando a ser uma obrigação institucional.

      No direito comparado, verifica-se que, após a publicação da Lei 2016-1547, de 18 de novembro de 2016 (“https://www.legifrance.gouv.fr”), o art. 229 do Código Civil francês fixou 04 (quatro) formas de divórcio: a primeiro foi consensual (muito parecida com o direito brasileiro, pressupondo o requerimento de ambos os cônjuges); a segunda, o “princípio da ruptura do casamento” (quando o casal ou um deles decide pelo divórcio, sem deliberar sobre os seus efeitos); a terceira, a “alteração definitiva da ligação conjugal” (cessação da vida em comum após um ano); e, por fim, a famosa “culpa” (faute) de um cônjuge.

      Assim, é possível o divórcio francês quando não há mais vontade de continuar casado, sem perquirir a faute les époux, algo que relembra os pressupostos do casamento no direito romano. Ademais, o Code civil – ao contrário do brasileiro – não dispõe sobre separação judicial como um instituto autônomo; nem condicionou o divórcio à previa averiguação de culpa de um dos cônjuges.

      Quanto ao BGB (código civil alemão), é importante citar que o divórcio somente ocorre por decisão judicial (§ 1564 – https://www.gesetze-im-internet.de/bgb/), bem como a “única causa do divórcio é o fracasso da união conjugal” (§ 1565, al. 1 do BGB), uma vez que foi revogado o direito anterior (§ 42 EheG aF) que permitia o divórcio por adultério ou a existência de outra conduta culposa de um dos cônjuges (SCHLÜTER, 2002, p. 241). Nesse passo, o código alemão – assim como o francês – também não dispõe sobre separação judicial como um instituto autônomo, nem condicionou o divórcio à previa averiguação de culpa de um dos cônjuges.

      Portanto, o casamento é uma fotografia que não se rasga facilmente por causa de normas jurídicas, mas tão-somente por vontades dos cônjuges, por ausência de buscar continuamente formas de regar o casamento. E parafraseando a letra de “Photograph”, diria que podemos guardar o casamento numa foto para renovar o coração em momentos difíceis, bem como perdoar o outro em momentos de incertezas.

      Lourival da Silva Ramos Júnior

      Tabelião/Registrador da Serventia Extrajudicial de Sucupira do Riachão/MA

      ALVES, José Carlos Moreira. Direito Romano. 16ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

      LEITE, Eduardo de Oliveira. Direito civil aplicado: direito de família. 2ª ed. São Paulo: RT, 2013.

      SANTOS, Aline Barradas Carreiro, CARNEIRO, Sérgio Barradas et. all. Direito das famílias na contemporaneidade – questões controvertidas. Salvador: juspodvium, 2017.

      SCHLÜTER, Wilfried. Código Civil Alemão: direito de família. 9ª edição. Trad. Elisete Antoniuk. Fabris Editor: Porto Alegre, 2002.

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