Artigo – MP 1085/2021: uma sinuca de bico jurídica – Parte I – Lourival da Silva Ramos Júnior.

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      A medida provisória (MP) n.º 1085/2021 tem como principal objetivo a regulamentação do serviço eletrônico de registros públicos. Contudo, este não será objeto de análise, e sim a “sinuca de bico” criada pela MP, quando alterou o conceito de confrontante, prevista no § 10 do inciso II do art. 213 da Lei de Registros Públicos. A expressão “sinuca de bico” significa uma situação sem saída.

      O art. 213 da Lei de Registros Públicos regulamenta o procedimento de retificação de registro de imóveis, ou seja, quando a área descrita no cartório não corresponde à área factual. Assim, para corrigir o documento no cartório, adequando à realidade factual, será necessária a manifestação de todos os confrontantes por escrito, com o intuito de assegurar a não sobreposição nem potencial conflito entre vizinhos.

      A retificação de imóveis pretende adequar a área territorial – onde o proprietário já mora ou tem sua produção de agronegócio ou de subsistência – ao registro de imóveis (fólio real), em razão das modernas medições de áreas, que chega até os rincões do Brasil, a exemplo da minha circunscrição territorial de Sucupira do Riachão/MA. A título de curiosidade, para quem não trabalha em área rural, já encontrei registro de imóveis (no Maranhão) contendo medições de terra por meio de passadas humanas, nos idos de 1917! Por fim, ressalto que, na referida municipalidade, desconheço conflitos judiciais (em tramitação ou ajuizados) sobre lindes possessórios entre vizinhos.

      Então, a retificação de imóveis visa à adequação a “área registral” (fólio real) a “área factual”, ou seja, o “proprietário de direito” é o “proprietário de fato”.

      Note-se que esse procedimento se faz extrajudicial, sem prejuízo da via jurisdicional. Nesse contexto, parece uma boa diretriz interpretativa ao caput do art. 1.247 do Código Civil: “Se o teor do registro não exprimir a verdade, poderá o interessado reclamar que se retifique (…)”, cujo termo “reclamar” alcança as vias judiciais e extrajudiciais.

      Entretanto, uma situação totalmente diferente é a seguinte: se o vizinho “ocupa” a referida “área factual” por um período razoável, configurando usucapião, sem qualquer demanda judicial do “proprietário de direito”, não será possível a retificação de registro de imóveis via extrajudicial.

      Nesse contexto, apresento a quinta essência do inciso II do art. 213 da Lei de Registros Públicos: a prevenção de litígio possessório, com eventual tentativa de autocomposição extrajudicial entre partes (vizinho e proprietário) ou, do contrário, remetê-las às vias judiciais e, por conseguinte, impede a retificação de fólio real no cartório de imóveis.

      Em suma, tudo indica que, para fins de retificação de registro de imóveis, não tem relevância jurídica o vizinho ter matrícula de imóvel, ser titular de direito real ou real aquisitivo.

      Pois bem, o texto original do § 10 do inciso II do art. 213 da Lei de Registros Públicos conceituava “confrontante” como “ocupante”, o qual abrangia do posseiro ao proprietário pleno ou limitado. Entretanto, com sua alteração pela MP 1085/2021, foi substituído por “proprietários e titulares de outros direitos reais e aquisitivos sobre os imóveis contíguos”.

      Eis aí a sinuca de bico criada pela MP n.º 1085/2021!

      Neste ponto, tive um surto de transtorno neurocognitivo! Pois é, se não entendem esse termo médico, então descobriram a minha exata interpretação do referido dispositivo legal.

      Quando se volta à normalidade, parece que essa MP revela o total desconhecimento da realidade brasileira e jurídica. O motivo é muito simples:

      (1) se é incontestável a predominância possessória espraiada pelo Brasil, em especial no Norte e Nordeste, como será fara a retificação de registro de imóveis, se vizinhos são posseiros, detentores ou fâmulos?

      (2) Se o vizinho – denominado legalmente por confrontante – tem a “posse de fato” de área supostamente incluída no fólio real de outro proprietário, cujas delimitações territoriais são precárias, então, tudo indica que o problema não se trata de retificação de imóveis (art. 213, inciso II, da Lei de Registros Públicos), mas se resolve judicial ou extrajudicialmente, por escritura pública (art. 213, § 11, inciso II, da Lei n.º 6.015/73 e Provimento 10/2022 – CGJ-TJMA).

      Não obstante, parece que os Estados de Paraná e de São Paulo, grandes produtores brasileiros, ainda estão atentos à sinuca de bico jurídica da MP 1085/2021, conforme os seus respectivos códigos de Normas:

      (1) Código de Nomas do Foro Extrajudicial da Corregedoria Geral da Justiça do TJPR, atualizado pelo Prov. 311, de 14 de março de 2022, disponível no site “https://www.tjpr.jus.br/codigo-de-normas-foro-extrajudicial”, cujo texto diz o seguinte:

      Art. 646. No caso de inserção ou alteração de medida perimetral de que resulte, ou não, alteração de área do imóvel, a retificação será averbada pelo registrador de imóveis, a requerimento do interessado, quando houver anuência dos confrontantes e/ou dos eventuais ocupantes, mediante a apresentação, pela parte, de planta e de memorial descritivo assinados por profissional habilitado, além de comprovante de recolhimento de ART do CREA, com firma reconhecida de todos os signatários.

      (2) Normas de Serviços Extrajudiciais de Notas e de Registros da Corregedoria Geral da Justiça do TJSP, atualizado em 22 de dezembro de 2021, disponível no site “https://www.tjsp.jus.br/Corregedoria/Comunicados/NormasExtrajudiciais”, cujo texto diz o seguinte: “136.9. Entendem-se como confrontantes os proprietários e os ocupantes dos imóveis contíguos. Na manifestação de anuência, ou para efeito de notificação”

      Dessarte, tudo indica que os referidos Código de Normas refletem uma realidade jurídica e social brasileira, em sintonia com o direito fundamental à propriedade/moradia.

      Por outro lado, o Código de Normas do Estado do Maranhão ainda mantém sua sintonia com a MP n.º 1085/2021, ensejando a seguinte contradição: quem precisa retificar o seu registro de imóveis, não poderá fazê-lo porque predomina vizinhos “ocupantes” e, por outro, também não fará quem precisa regularizar sua pequena área, por dois motivos: primeiro porque é um custo elevado e segundo, tem financiamento bancário.

      Assim, parece que essa MP 1085/2021 prejudica quem deseja produzir, e perpetua a irregularidade do pequeno produtor. Oxalá, demonstre aos seus idealizadores e parlamentares as controvérsias acima apontadas, com o intuito de não ser convertida em lei.

      Considerando esse contexto, quando a norma jurídica vai de encontro ululante à realidade social, prejudicando o desenvolvimento socioeconômico de um País até uma comunidade, consigo compreender a tradução do termo “ilegalidade útil” do Prof. Otto Bachof, no seu livro de direito administrativo alemão (vol. I).

      Portanto, para concluir esse textículo, referente ao efeito jurídico da MP n.º 1085/2021, volto ao surto de transtorno neurocognitivo, para deixar tudo explicado…

      Lourival da Silva Ramos Júnior – Tabelião/Registrador titular da serventia extrajudicial de ofício único de Sucupira do Riachão/MA

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