Artigo – A Cidade Recolhida – Elói Alves.

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      A janela que dá para rua é agora a porta para a observação da cidade. Visão obstruída pelo velho e charmoso prédio oposto a pouco mais de quatro metros. O rabicho de imagens, que escoam pelos cantos, mostra uma estação de metrô para cujas escadas ninguém caminha e de onde o eterno brotar de gentes secou.

      Na praça do lado oposto uma pessoa anda vagarosamente sem saber, ou ter, para onde ir, e mais ninguém nos espaços vazios que se formam de ausências, exceto um cachorro que perambula, arrastando os ossos que se mostram mais que seus pelos que se rarefazem.

      Dos escorbutos que desanimavam as vidas dos marinheiros nos navios transatlânticos, onde o tempo custava a anunciar as mazelas, à tísica e a apoplexia, a bíblica lepra ou hanseníase, as misérias das guerras fratricidas de que líamos em Hobsbawm silenciaram-nos a nós menos profundamente que os presentes instantes estranhos.

      Mas ainda não se sabe, e talvez nunca saberemos, a medida da dor a sentir, nem o teor do amargo da água que resta a beber, o gole de cada um, e que se atenua pela solidariedade dos que se ajudam e da boa medida de razão dos que pensam que não há opção senão a vida.

      Lá embaixo, a máscara que se arrasta a passos solitários na avenida monótona invoca a vida; uma mulher que se enverga puxando um carrinho à saída do pequeno mercado, cuja porta aberta quebra a quietude da cidade recolhida, para e espirra. No mesmo instante uma janela fecha-se abaixo da minha. Uma moeda em queda sobre o piso acima tilinta um som sem vida.

      Da janela noto o clarão do sol, que se esconde entre os prédios. O dia está quente. Dou as costas à rua e volto-me para a mesa onde vejo a capa verde de Fogo morto, e me lembrei do compromisso com o amigo Caio, com quem estou dividindo a leitura de José Lins, cujo fim estou postergando faz uns três dias.

      -Bem, é preciso, não se entregar e ser firme como Vitorino Papa-Rabo- digo comigo, pegando no livro.

      Elói Alves é escritor, consultor linguístico, tradutor e professor; estudou Letras Clássicas na FFLCH-USP, licenciou-se em Língua Vernácula na FE-USP, é discente do curso de Direito da FMU- Liberdade; é autor de O Olhar de Lanceta: Ensaios Críticos sobre Literatura e Sociedade (2015), Contos Humanos (2013), As Pílulas do Santo Cristo (2012), Sob um céu cinzento (2014), entre outros; escreve em www.escritoreloialves.com.br

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