TJSP – CSM – Usucapião extrajudicial – Successio possessionis (art. 1207 do Código Civil) – Ausência, contudo, de demonstração da posse qualificada pelo prazo legalmente exigido – Inteligência do art. 1238 do código civil.

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      ACÓRDÃOS

      PODER JUDICIÁRIO

      TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

      CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

      Apelação nº 1005637-03.2023.8.26.0100

      Registro: 2023.0000918151

      ACÓRDÃO

      Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1005637-03.2023.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante RONALDO APARECIDO FELIX DA COSTA, é apelado 7º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

      ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

      O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

      São Paulo, 19 de outubro de 2023.

      FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

      Corregedor Geral da Justiça

      Relator

      APELAÇÃO CÍVEL nº 1005637-03.2023.8.26.0100

      APELANTE: Ronaldo Aparecido Felix da Costa

      APELADO: 7º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

      VOTO Nº 39.158

      Registro de imóveis – Apelação – Usucapião extrajudicial – Successio possessionis (art. 1207 do Código Civil) – Ausência, contudo, de demonstração da posse qualificada pelo prazo legalmente exigido – Inteligência do art. 1238 do código civil – Apelação a que se nega provimento.

      Trata-se de recurso de apelação interposto por Ronaldo Aparecido Felix da Costa, em procedimento de dúvida, suscitada pelo 7º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital, visando a reforma da r. sentença de fls. 178/182, que manteve a recusa ao prosseguimento do processo de usucapião extrajudicial do imóvel objeto da matrícula nº 15.418.

      O apelante aduz, em suma, que detém posse mansa, pacífica e ininterrupta sobre o imóvel usucapiendo pelo prazo legal, comprovada documentalmente. Afirma ser viável a utilização do instituto da successio possessionis uma vez existir anuência de todos os herdeiros.

      A douta Procuradoria Geral de Justiça opina pelo não provimento do recurso (fls. 215/217).

      É o relatório.

      Trata-se de pedido extrajudicial de usucapião extraordinária, fundado em alegação de posse mansa e pacífica, há mais de quinze anos, sobre o imóvel descrito na matrícula nº 15.418 do 7º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital.

      Sustenta o recorrente que seus genitores, Marli Ribeiro da Costa e Rinoel Felix Costa, ingressaram no imóvel localizado na Rua Tabajaras, n.º 652, Moóca, em 1992, quando firmaram, com os titulares de domínio, João Paulo Marsiglia; Pedro Paulo Marsiglia e Carla Maria Marsiglia, compromisso particular de venda e compra (fls. 69/72), exercendo, desde então, a posse mansa, pacífica e ininterrupta do imóvel.

      Marli Ribeiro da Costa e Rinoel Felix Costa faleceram em 17/07/2012 (fls. 73) e 24/10/2020 (fls. 74), respectivamente.

      O requerimento conta com a anuência dos demais herdeiros e irmãos do recorrente, Robson Felix da Costa, Magali Felix da Costa Renna e seu marido José Roberto Renna (fls. 79).

      O pedido foi indeferido nos moldes da nota devolutiva de fls. 166/170.

      O título foi reapresentado de forma a dar cumprimento parcial às exigências apontadas, mantidas, em resumo, as seguintes: o não cumprimento ao item 416 do Cap. XX das NSCGJ, bem como ao art. 3º do Provimento CNJ 65/2017; a impossibilidade da utilização da successio possessionis uma vez que até a partilha dos bens, os direitos dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, são indivisíveis, regendo-se pelas normas relativas ao condomínio, devendo-se adequar o pólo ativo do requerimento, que deverá também ser firmado pelos demais herdeiros; necessidade de robustecer a apresentação de documentos comprobatórios do exercício possessório e de demonstrar a existência de edificações, benfeitorias ou quaisquer acessões no imóvel usucapiendo; e, finalmente, esclarecimento quanto ao uso atribuído ao imóvel pelo recorrente, vez que aparententemente no local do imóvel funciona um estabelecimento comercial de nome fantasia “La Bamba Tex Mex”, o que, acaso confirmado, dependerá da formulação de requerimento de reconhecimento da prescrição aquisitiva em favor da microempresa.

      Por meio da r. sentença recorrida, a dúvida foi julgada procedente, afastando-se apenas o último óbice, nos seguintes termos:

      “No que diz respeito ao funcionamento do estabelecimento comercial de nome “LA BAMBA TEX MEX” no imóvel usucapiendo desde 01/03/2008, não subsiste a exigência de que a parte suscitada deve adequar o pedido a fim de que a microempresa requeira o reconhecimento da usucapião, caso ela exerça a posse do imóvel. Conforme se observa da ficha cadastral da JUCESP, trata-se de microempresa de titularidade da parte suscitada, cujo nome empresarial é Ronaldo Aparecido Felix da Costa – ME (fls. 07/13). Embora tenha CNPJ para fins tributários, o empresário individual não é considerado pessoa jurídica, de forma que a empresa é explorada pela pessoa física, em seu próprio nome. Inexistindo personalidade jurídica autônoma e, consequentemente, separação entre o patrimônio do empresário e da empresa, esta não pode adquirir bem imóvel, razão pela qual não é parte legítima para requerer a usucapião: (…)” (fls. 178/182).

      Pois bem.

      A dúvida foi suscitada em procedimento de usucapião extrajudicial, com fundamento no art. 17, § 5º do Provimento CNJ nº 65/2017:

      “Art. 17. Para a elucidação de quaisquer dúvidas, imprecisões ou incertezas, poderão ser solicitadas ou realizadas diligências pelo oficial de registro de imóveis ou por escrevente habilitado.

      § 5º A rejeição do requerimento poderá ser impugnada pelo requerente no prazo de quinze dias, perante o oficial de registro de imóveis, que poderá reanalisar o pedido e reconsiderar a nota de rejeição no mesmo prazo ou suscitará dúvida registral nos moldes dos art. 198 e seguintes da LRP.”

      A apelação não comporta provimento.

      A usucapião é modo de aquisição originária da propriedade em razão do exercício da posse prolongada e mediante o preenchimento dos requisitos legais.

      A pretensão, portanto, está sujeita à caracterização de:

      i) posse mansa e ininterrupta pelo prazo previsto em lei; ii) inexistência de oposição à posse; iii) “animus domini”.

      Em qualquer modalidade de usucapião devem, pois, estar presentes sempre os elementos: posse e tempo.

      No tocante ao tempo, cumpre ao postulante da usucapião extraordinária demonstrar, portanto, que ostenta a posse pelo prazo de 15 anos, de forma contínua e sem oposição.

      Com relação ao elemento posse, exige-se a posse qualificada ad usucapionem, ou seja, a posse potencializada pela convicção de domínio, de ter a coisa para si com animus domini.

      Assim, a configuração da prescrição aquisitiva não se contenta com a posse normal ad interdicta, exigindo-se a posse ad usucapionem, em que, além da exteriorização da aparência de domínio, o usucapiente deve demonstrar o exercício da posse com ânimo de dono pelo prazo, sem interrupção e sem oposição.

      Fixadas estas premissas, verifica-se que os genitores do recorrente, Marli Ribeiro da Costa e Rinoel Felix Costa, firmaram, em 1992, com os titulares de domínio, João Paulo Marsiglia; Pedro Paulo Marsiglia e Carla Maria Marsiglia, compromisso particular de venda e compra do imóvel usucapiendo, localizado na Rua Tabajaras, n.º 652, Moóca.

      É dos autos que Marli Ribeiro da Costa e Rinoel Felix Costa faleceram em 17/07/2012 (fls. 73) e 24/10/2020 (fls. 74), respectivamente.

      No que concerne à successio possessionis, respeitado o entendimento do Oficial Registrador, indiscutível que com o falecimento dos genitores do recorrente operou-se a sucessão hereditária, transmitindo-se o direito imediata e automaticamente aos herdeiros, que passaram a ser compossuidores.

      No ponto, relevante trazer à baila lição de Francisco Eduardo Loureiro ao comentar o artigo 1243, do Código Civil 1:

      “Na sucessio possessionis a transmissão se opera ex lege. A posse é uma, de modo que não pode o possuidor atual descartar a posse do transmitente porque maculada por vícios que não lhe convém.

      Em termos diversos, não pode sucessor inaugurar um novo período sucessório, desprezando a posse de seu antecessor. Se a posse do falecido era ad usucapionem, tanto melhor para o herdeiro, que poderá aproveitar o período anterior para complementar o prazo exigido em lei. (…) Como diz Benedito Silvério Ribeiro, ‘o tempo do herdeiro carrega os vícios e virtudes da posse do morto’ (Tratado de usucapião, 3. Ed. São Paulo, Saraiva, 2003, p. 749).

      E, não se vislumbra óbice a que o recorrente pleiteie o domínio pela usucapião computando para si o tempo de posse exercida pelos de cujus uma vez existente concordância entre todos os herdeiros (fls. 79).

      É, neste sentido, o preciso ensinamento de Benedito Silvério Ribeiro:

      “(…) verifica-se a ocorrência de composse entre herdeiros, antes de realizada a partilha.

      A herança, no dizer de Julianus, nada mais é do que a sucessão em todo o direito que teve o defunto hereditas nihilaliud est, quam successio in universum jus, quod defunctus habuit. (…) Sendo a herança um condomínio a ser distribuído aos herdeiros, conforme as quotas cabentes a cada um, na ocasião da partilha, deixando o finado apenas posse, transmitida com as mesmas características precedentes, isto é, se clandestina, precária, interrompida, violenta ou com outra qualificação, continuará a sê-lo após a transmissão.

      Havendo, dessa forma, composse entre os herdeiros, antes de efetuado o partilhamento, evidenciado está que um não poderá afastar outro herdeiro de seus direitos, da mesma forma que o cônjuge supérstite não poderá afastar os filhos nem estes àquele.”

      (…)

      Firmada, destarte, a presunção em favor da existência de composse ou de comunhão (animus societas), pode-se dizer, a priori, que um herdeiro, havendo outros, não poderá pleitear o domínio pela competente ação de usucapião nem computar para si o tempo de posse exercida pelo de cujus, exceto se os demais concordarem com a continuação exclusiva por parte daquele”. (grifo nosso) (Tratado de Usucapião, volume 1, 8ª ed. rev. e atual. com a usucapião familiar São Paulo: Saraiva, 2012,pág. 296/299).

      Ultrapassado este ponto, ocorre que, no caso telado, o processo não foi instruído adequadamente.

      Não há nos autos documentos suficientes à demonstração do exercício da posse ad usucapionem e com animus domini pelo prazo legalmente exigido.

      A despeito da juntada dos boletos relativos à taxa de fiscalização da microempresa “La Bamba Tex Mex” (fls. 142/156), não foram acostados aos autos outros documentos comprobatórios da posse qualificada, a saber, contas de consumo; recibos de prestação de serviços; comprovantes de pagamento de IPTU, etc.

      E, a ata notarial tampouco traz a demonstração necessária à procedência da pretensão. Dela não consta indicação dos atos possessórios praticados, quer pelos falecidos genitores do recorrente, quer por ele próprio (fls. 64/65 e 66/67).

      Para além disso, também não há indicação da existência de benfeitorias ou qualquer acessão no imóvel usucapiendo, com referência às respectivas datas de ocorrência.

      A imposição constante do artigo 3º, inciso II, do Provimento CNJ 65/2017 e do item 416.1, II, do Cap. XX das NSCGJ visa, justamente, a demonstração dos atos possessórios praticados pela parte requerente da usucapião, o que, in casu, não restou demonstrado.

      Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação, mantendo-se a procedência da dúvida.

      FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

      Corregedor Geral da Justiça

      Relator

      Nota:

      [1] Código Civil Comentado, Coordenador Ministro Cezar Peluso, 11ª edição, 2017. 

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