TJSP – CSM – Usucapião de bem próprio – Genitores falecidos que eram titulares do domínio – Princípio da saisine – Jus possidendi – Usucapião que não se configura como sucedâneo do processo de inventário.

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      PODER JUDICIÁRIO

      TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

      CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

      Apelação nº 1027678-61.2023.8.26.0100

      Registro: 2023.0000896112

      ACÓRDÃO

      Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1027678-61.2023.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes MARIA FERNANDA DOS SANTOS, MARIA DA LUZ DOMINGOS, ANTONIO MANOEL DOMINGOS e VERA DOMINGOS GARCIA, é apelado 8º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

      ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

      O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

      São Paulo, 11 de outubro de 2023.

      FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

      Corregedor Geral da Justiça

      Relator

      APELAÇÃO CÍVEL nº 1027678-61.2023.8.26.0100

      APELANTES: Maria Fernanda dos Santos, Maria da Luz Domingos, Antonio Manoel Domingos e Vera Domingos Garcia

      APELADO: 8º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

      VOTO Nº 39.146

      Registro de imóveis – Dúvida – Apelação – Usucapião de bem próprio – Genitores falecidos que eram titulares do domínio – Princípio da saisine – Jus possidendi – Usucapião que não se configura como sucedâneo do processo de inventário – Apelação a que se nega provimento.

      Trata-se de recurso de apelação interposto por MARIA FERNANDA DOS SANTOS e OUTROS, em procedimento de dúvida, suscitada pelo 8º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital, visando a reforma da r. sentença de fls. 390/393, que manteve a recusa ao prosseguimento do procedimento de usucapião extrajudicial de área de 320,55 m², situada na Avenida George Corbisier, 1.377, antigos 1.377 e 1.379, parte do lote 1042 da quadra 39, na Vila Parque Jabaquara, objeto da transcrição n.º 149.829, do 11º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital.

      Os apelantes aduzem, em suma, que se afigura viável a usucapião de bem próprio e, no caso, é o procedimento mais adequado; eficaz; menos moroso e oneroso à solucionar a questão.

      A douta Procuradoria Geral de Justiça opina pelo não provimento do recurso (fls. 433/436).

      É o relatório.

      Trata-se de processo extrajudicial de usucapião extraordinária, fundado em alegação de posse mansa e pacífica, há mais de quinze anos, sobre a área de 320,55 m², situada na Avenida George Corbisier, 1.377, antigos 1.377 e 1.379, parte do lote 1042 da quadra 39, na Vila Parque Jabaquara, objeto da transcrição n.º 149.829, do 11º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital.

      Em síntese, sustentam os recorrentes que sua posse teve origem na sucessão de seus genitores, Joaquim Antonio Domingos (22/02/1989) e Maria Merces Pacheco (08/07/2022), os quais adquiriram o bem em 1966. O imóvel foi partilhado apenas na ação de arrolamento dos bens deixados por Joaquim (autos do processo n.º 507/89. Contudo, o formal de partilha não teve ingresso registrário. O imóvel sofreu desapropriação parcial que não ingressou no registro imobiliário, sendo a usucapião a forma mais adequada e menos gravosa para solucionar a questão.

      O Oficial Registrador entendeu pela impossibilidade de prosseguimento do procedimento já que, em razão do princípio da saisine, os recorrentes exercem a posse na condição de sucessores dos proprietários tabulares e, portanto, o fazem alicerçados no jus possidendi e não no jus possessionis que autorizaria a usucapião.

      Pois bem.

      Consoante se observa da transcrição n.º 149.829 Joaquim Antonio Domingos, genitor dos recorrentes, adquiriu por compra de Ana de Jesus Nunes, a casa situada na Avenida George Corbisier, n.º 1.377, antigo n.º 1.363, e respectivo terreno lote n.º 1.042 da quadra n.º 39, da Vila Parque Jabaquara (fls. 145/146).

      Em razão do óbito dos genitores, Joaquim (22/02/1989) e Maria Merces (08/07/2022) e pelo princípio da saisine (art. 1.784 do Código Civil), houve a transmissão da posse decorrente do jus possidendi aos recorrentes, que não se confunde com o jus possessionis.

      “A posse transmite-se aos herdeiros ou legatários do possuidor com os mesmos caracteres” (artigo 1.206, CC). Sobre o tema vale trazer à baila os ensinamentos de Benedito Silvério Ribeiro:

      “O direito que tem uma pessoa de exercer posse sobre a coisa cujo domínio já ostente é o denominado jus possidendi, traduzido como direito de possuir. É o caso do proprietário que ostenta título aquisitivo registrado, decorrendo sua posse de um jus possidendi.

      O jus possessionis emerge do próprio fato da posse, sem relacionamento anterior, isto é, ausente um título para possuir possideo quod possideo. Assim, o possuidor, mesmo sem o jus possidendi, encontra na lei defesas para o estado de posse (interditos possessórios) e ainda, sendo a posse qualificada, com os componentes que direcionam à usucapião (ad usucapionem), conduzirá à propriedade (jus possidendi)” (Tratado de usucapião, São Paulo: editora Saraiva, 2012, v. 1, p. 721).

      In casu, pois, não se há falar em jus possessionis, exigido para a usucapião.

      A posse dos antecessores dos apelantes, transmitida aos herdeiros, ora recorrentes, decorreu da propriedade (jus possidendi) e não se presta para fins de usucapião. O proprietário não exerce posse com intenção de ser proprietário posse ad usucapionem. Apenas o jus possessionis conduz à usucapião.

      Não se desconhece que a jurisprudência e a doutrina têm admitido, em casos específicos e justificados, a usucapião de bem próprio ou usucapião tabular, como se infere do V. Acórdão exarado nos autos da Apelação n.º 1005885-49.2020.8.26.0269, de relatoria do Excelentissimo Desembargador Francisco Loureiro, cuja ementa assim dispõe:

      “USUCAPIÃO. Condomínio pro diviso sobre imóvel rural – Autora titular de parte ideal de imóvel rural, que alega exercer posse localizada e antiga sobre parte certa, em situação de condomínio pro diviso – Possibilidade, em tese, de reconhecimento do domínio sobre a parte certa ocupada – Usucapião tabular e entre condôminos admitidos pela doutrina e jurisprudência – Usucapião não é somente modo originário de aquisição da propriedade pelo possuidor, como também modo de sanear aquisições derivadas imperfeitas – Irrelevância de ser a área ocupada inferior ao módulo rural – Ausência de vedação expressa no Estatuto da Terra, no que se refere a aquisições originárias – Afastada a carência da ação – Recurso provido, para o fim de anular a sentença e determinar o retorno dos autos à origem para regular prosseguimento, com citação dos demais condôminos como litisconsortes passivos, ciência às Fazendas Públicas e produção de provas – Recurso provido.”

      Do V. Acórdão extrai-se relevante trecho:

      “Desde as fontes romanas a usucapião é modo não só de adquirir a propriedade, mas também de sanar os vícios de propriedade ou outros direitos reais adquiridos a título derivado. Em termos diversos, constitui eficaz instrumento de consertar o domínio derivado imperfeito (cfr. Lenine Nequete, Da Prescrição Aquisitiva, Sulina, 1.954, p. 21.).

      (…)

      Na lição precisa de Benedito Silvério Ribeiro, na mais completa obra já escrita sobre o tema, em determinados casos, desde que justificados, cabível é a usucapião tabular, ajuizada por quem já é titular do registro a título derivado, mas que padece de alguma imperfeição. Ensina que ‘tem-se dito, e a jurisprudência dos tribunais pátrios endossa o entendimento, de que a ação de usucapião não compete apenas ao possuidor sem título algum de propriedade, mas também àquele que o tenha, todavia, insuscetível de assegurarlhe o domínio’ (Tratado de Usucapião, V. 1, p. 209). 3. Entre os inúmeros exemplos dados pelo citado Benedito Silvério Ribeiro, estão os casos de imóveis com descrições absolutamente imprecisas, ou adquiridos em partes ideais sem controle das frações, de modo que inviável fica remontar o todo na esfera retificatória.

      O Superior Tribunal de Justiça assentou também que ‘é cabível ação de usucapião por titular do domínio que encontra dificuldade, em razão de circunstâncias ponderáveis, para unificar as transcrições ou precisar área adquirida escrituralmente’ (REsp 292.356-SP, Rel. Min. Menezes Direito).”

      Ocorre que a hipótese telada não se amolda a qualquer das situações excepcionais e poderá ser regularizada no serviço registral pelos meios ordinários.

      É dos autos que a desapropriação parcial ainda não foi objeto de registro na mencionada transcrição.

      Assim, o registro do formal de partilha extraído dos autos do arrolamento dos bens deixados por Joaquim poderia ocorrer de acordo com a descrição contida na transcrição n.º 149.829 do 11º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital ou se proceder à apuração do remanescente a fim de adequar a descrição registraria àquela constante da realidade local (art. 213, II, Lei n.º 6.015/73), procedendo-se, na sequência, a sobrepartilha dos bens deixados por ocasião do óbito de Maria Merces.

      Como já reconhecido nos julgados cujas ementas seguem abaixo transcritas, a usucapião não é sucedâneo do processo de inventário:

      “APELAÇÃO CÍVEL – USUCAPIÃO ORDINÁRIO SENTENÇA QUE EXTINGUIU A AÇÃO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO INCONFORMISMO DOS AUTORES – IMÓVEL PERTENCENTE AO CÔNJUGE FALECIDO DE UM DOS AUTORES E GENITOR DO OUTRO – TRANSFERÊNCIA AOS HERDEIROS PELO PRÍNCIPIO DE SAISINE – AUSÊNCIA DE INVENTÁRIO – IMPOSSIBILIDADE DA VIA ELEITA PARA REGISTRO DO IMÓVEL – USUCAPIÃO QUE NÃO É SUCEDÂNEO DO PROCESSO DE INVENTÁRIO – PRECEDENTES DESTA CORTE – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO IMPROVIDO.” (TJSP; Apelação Cível 1008508-97.2019.8.26.0309; Relator (a): Marcia Monassi; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Foro de Jundiaí – 2ª Vara Cível; Data do Julgamento:10/08/2023; Data de Registro: 10/08/2023).

      “PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. AUTORES QUE SÃO HERDEIROS DO PROPRIETÁRIO TABULAR. INVENTÁRIO AINDA EM CURSO. FALTA DE INTERESSE. EXTINÇÃO. 1. A ação de usucapião não serve como modo de os herdeiros subtraírem a necessidade de inventariar os bens deixados pelo falecido 2. A justificativa para o ajuizamento da ação de usucapião pelos herdeiros dos proprietários do imóvel decorre do fato de que um terceiro teria ingressado no inventário, de modo que “viram o seus direito ameaçado”. Analisando referido processo, contudo, constata-se que o terceiro referido pelos apelantes é N.C.F.J., filha do falecido e, portanto, herdeira de seus bens, dentre eles o imóvel usucapiendo. 3. A possibilidade de usucapião entre cotitulares da propriedade, conquanto seja “em tese” admitida, não é ventilada na causa de pedir, de modo que a ação, tal como proposta, externa indevido propósito de subtrair o imóvel usucapiendo da partilha com os demais herdeiros, daí o correto indeferimento da petição inicial. 4. Recurso improvido.” (TJSP; Apelação Cível 1120937-81.2021.8.26.0100; Relator (a): Ademir Modesto de Souza; Órgão Julgador: 7ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 1ª Vara de Registros Públicos; Data do Julgamento: 04/08/2023; Data de Registro: 04/08/2023).

      “APELAÇÃO. USUCAPIÃO ORDINÁRIA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. Alegação de preenchimentos de todos os requisitos do artigo 1.242, do Código Civil. Imóvel de propriedade do genitor das partes. Falecimento do proprietário com abertura de inventário. Oposição manifestada pelos demais irmãos. Autor que não exerce posse sobre o imóvel com ânimo de dono, uma vez que a ocupação resultou de mero ato de tolerância pelos demais herdeiros. Ausência de prova da inversão do caráter precário da posse imóvel de ascendente comum das partes. Aplicação do artigo 252, do Regimento Interno do TJSP. Sentença mantida. Recurso improvido.” (TJSP; Apelação Cível 1001609-89.2017.8.26.0653; Relator (a): Vitor Frederico Kümpel; Órgão Julgador: 4ª Câmara de Direito Privado; Foro de Vargem Grande do Sul – 2ª Vara; Data do Julgamento: 04/08/2023; Data de Registro: 04/08/2023).

      Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação, mantendo-se a procedência da dúvida.

      FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

      Corregedor Geral da JustiçaRelator.

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