TJSP – CSM – Carta de arrematação – Título judicial que se sujeita à qualificação registral – Modo derivado de aquisição da propriedade – Desqualificação por inobservância ao princípio da continuidade.

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      PODER JUDICIÁRIO

      TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

      CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

      Apelação Cível nº 1007812-57.2021.8.26.0223

      Registro: 2022.0000147698

      ACÓRDÃO

      Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1007812-57.2021.8.26.0223, da Comarca de Guarujá, em que é apelante ROSANA ORRICO LIMA LEMES, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DO GUARUJÁ.

      ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento, v.u.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

      O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

      São Paulo, 24 de fevereiro de 2022.

      FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

      Corregedor Geral da Justiça e Relator

      Apelação Cível nº 1007812-57.2021.8.26.0223

      Apelante: Rosana Orrico Lima Lemes

      Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca do Guarujá

      VOTO Nº 38.537

      Registro de Imóveis – Carta de arrematação – Título judicial que se sujeita à qualificação registral – Modo derivado de aquisição da propriedade – Desqualificação por inobservância ao princípio da continuidade – Dúvida julgada procedente – Precedentes do Conselho Superior da Magistratura – Nega-se provimento à apelação.

      Trata-se de recurso de apelação interposto por Rosana Orrico Lemes contra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Guarujá, que manteve a recusa ao registro da carta de arrematação expedida nos autos do processo n.º 0013985-18.2001.8.26.0223, que tramitou perante a 1ª Vara Cível da Comarca de Guarujá, tendo por objeto o imóvel matriculado sob n.º 10.790 da referida serventia extrajudicial (fls. 139/142).

      Alega a recorrente, em síntese, que a arrematação constitui forma originária de aquisição da propriedade, de modo que o registro da carta não implicaria violação ao princípio da continuidade, ainda que distintos o devedor da execução em que arrematado o bem e o titular registral do imóvel. Por isso, afastado o óbice, requer o ingresso do título no fólio real (fls. 148/153).

      A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 174/175).

      É o relatório.

      Apresentada a registro a carta de arrematação expedida nos autos do processo n.º 0013985-18.2001.8.26.0223, que tramitou perante a 1ª Vara Cível da Comarca de Guarujá, figurando como partes Condomínio Edifício Vilanena (exequente) e Antonio Carlos Piovesan (executado), o Oficial de Registro de Imóveis desqualificou o título, consignando na respectiva nota de devolução o seguinte óbice (fls. 7):

      “O título não pode ser registrado, em razão da pendência abaixo:

      a) Tendo em vista o fato de que o imóvel não está registrado em nome dos executados, é necessário, para a preservação da continuidade dos assentamentos, a prévia inscrição do título aquisitivo do executado, na forma do art. 195 da Lei de Registros Públicos”.

      Inconformada com a exigência, a apresentante pugnou pela suscitação da dúvida (fls. 8/11).

      Desde logo, importa lembrar que a origem judicial do título não o torna imune à qualificação registral, ainda que limitada a seus requisitos formais e sua adequação aos princípios registrais, conforme o disposto no item 117, do Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça:

      “Item 117 – Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.

      Este C. Conselho Superior da Magistratura tem decidido, inclusive, que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (TJSP; Apelação Cível 0003968-52.2014.8.26.0453; Relator (a): Pereira Calças; Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de Pirajuí – 1ª Vara; Data do Julgamento: 25/2/2016; Data de Registro: 13/4/2016).

      Da análise da certidão imobiliária (fls. 5/6), verifica-se que o imóvel objeto da matrícula n.º 10.790, do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Guarujá, está registrado em nome do casal Miguel Archângelo de Souza Pinto e Neusa Sobral Souza Pinto (R.1).

      E na ação judicial que ensejou a expedição da carta de arrematação em testilha figuraram como partes o Condomínio Edifício Vilanena (exequente) e Antonio Carlos Piovesan (executado), observado ainda que a arrematação, em conformidade com o que foi penhorado, limitou-se aos direitos do executado sobre o referido bem imóvel (fls. 39 e 65).

      Imprescindível, pois, antes do registro da carta de arrematação, proceda-se ao registro do título que conferiu os direitos ao executado.

      Trata-se de obedecer ao princípio da continuidade registrária, previsto no art. 195 da Lei de Registros Públicos:

      Art. 195 Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro”.

      De seu turno, dispõe o art. 237 do mesmo diploma legal:

      “Art. 237 Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro”.

      Ensina Afrânio de Carvalho:

      “O princípio da continuidade, que se apóia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram sempre a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente. Ao exigir que cada inscrição encontre sua procedência em outra anterior, que assegure a legitimidade da transmissão ou da oneração do direito, acaba por transformá-la no elo de uma corrente ininterrupta de assentos, cada um dos quais se liga ao seu antecedente, como o seu subseqüente a ele se ligará posteriormente. Graças a isso o Registro de Imóveis inspira confiança ao público” (Registro de Imóveis, 4ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 253).

      Ademais, a alienação forçada em processo judicial encerra transmissão derivada do direito de propriedade por envolver manifestação de vontade do adquirente e do Estado, pressupondo relação jurídica anterior, donde emerge o caráter bilateral da aquisição, apesar da ausência de manifestação de vontade do titular do direito real. Essa situação tem natureza de negócio jurídico entre o adquirente e o Estado, caracterizando aquisição derivada.

      Não se desconhece que, em data relativamente recente, o C. Conselho Superior da Magistratura chegou a reconhecer que a arrematação constituía modo originário de aquisição da propriedade. Contudo, tal entendimento acabou não prevalecendo, pois o fato de inexistir relação jurídica ou negocial entre o antigo proprietário e o adquirente (arrematante ou adjudicante) não é o quanto basta para afastar o reconhecimento de que há aquisição derivada da propriedade.

      Como destaca Josué Modesto Passos, “diz-se originária a aquisição que, em seu suporte fático, é independente da existência de um outro direito; derivada, a que pressupõe, em seu suporte fático, a existência do direito por adquirir. A inexistência de relação entre titulares, a distinção entre o conteúdo do direito anterior e o do direito adquirido originariamente, a extinção de restrições e limitações, tudo isso pode se passar, mas nada disso é da essência da aquisição originária” (PASSOS, Josué Modesto. A arrematação no registro de imóveis: continuidade do registro e natureza da aquisição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 111 e 112).

      Logo, a arrematação judicial, modo derivado de aquisição de propriedade, mantido o vínculo com a situação pretérita do bem, deve respeitar o princípio da continuidade, sob pena de se configurar injustificado rompimento na cadeia de sucessão dos titulares do bem.

      Diversos são os precedentes deste C. Conselho Superior da Magistratura no sentido da impossibilidade de registro de carta de arrematação ou de adjudicação quando o imóvel não se encontra em nome daqueles que figuraram no polo passivo da lide:

      “REGISTRO DE IMÓVEIS Carta de arrematação Modo derivado de aquisição da propriedade Observância do princípio da continuidade Indispensável recolhimento do ITBI Entendimento do Conselho Superior da Magistratura Recurso não provido” (TJSP; Apelação Cível 1020648-60.2019.8.26.0602; Relator (a): Ricardo Anafe (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Data do Julgamento: 28/4/2020; Data de Registro: 14/5/2020).

      “REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida – Carta de arrematação – Qualificação obrigatória dos títulos judiciais – Propriedade do imóvel registrada em nome do executado e de terceira, em regime de condomínio – Ausência de participação do condômino na ação executiva ou decisão judicial determinando a eficácia da arrematação em relação à sua parcela da propriedade – Ofensa ao princípio da continuidade – Origem do débito em obrigação propter rem que não afasta a incidência do princípio e, consequentemente, o impedimento ao registro – Dúvida procedente – Recurso não provido” (TJSP; Apelação Cível 1007324-58.2017.8.26.0477; Relator(a): Ricardo Anafe (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Data do Julgamento: 3/3/2020; Data de Registro: 10/3/2020).

      Na mesma linha: TJSP; Apelação Cível 0005176-34.2019.8.26.0344; Relator(a): Pinheiro Franco (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Data do Julgamento: 10/12/2019; Data de Registro: 12/12/2019. TJSP; Apelação Cível 1001015-36.2019.8.26.0223; Relator (a): Pinheiro Franco (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Data do Julgamento: 19/9/2019; Data de Registro: 26/9/2019. TJSP; Apelação Cível 1000506-84.2016.8.26.0361; Relator (a): Pereira Calças; Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Data do Julgamento: 19/12/2017; Data de Registro: 19/1/2018.

      Nesse cenário, justifica-se a confirmação do juízo negativo de qualificação, em atenção ao princípio da continuidade registral.

      Por todo o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

      FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

      Corregedor Geral da Justiça e Relator

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