Artigo – Divórcio liminar e seu imbróglio processual no registro civil – Lourival da Silva Ramos Júnior.

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    “10 Artigos Legais Essenciais para conhecer o Direito Notarial e Registral”

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      A evolução do Direito das Famílias aumenta progressiva e forte no direito brasileiro, cujos efeitos impelem a uma “mutação” interpretativa de normas processuais, deixando-as mais próximas da dinâmica social. Tanto é verdade, que o “divórcio liminar” é uma realidade nos meios judiciais, com base no direito potestativo.

      O problema é que, tirante a Consolidação Normativa Notarial e Registral do Rio Grande do Sul (art. 223), que silenciou a respeito do trânsito em julgado da sentença de divórcio, os Código de Normas de São Paulo (item 136 da Seção IX do Cap. XVII), do Paraná (art. 372) e do Maranhão (art. 514, §1º) exigem o trânsito em julgado da sentença de divórcio. Aliás, note-se que os referidos códigos falam literalmente de “sentença”, e não de “decisão”.

      Essas normas decorrem, quiçá, do art. 32 da Lei Federal n. 6.515/77, conhecida como Lei do Divórcio, cujo texto diz o seguinte: “sentença definitiva do divórcio produzirá efeitos depois de registrada no Registro Público competente”. Ou seja, somente após o seu trânsito em julgado, que não é mais cabível recurso, a sentença se torna definitiva, também conhecida como transitada em julgada ou coisa julgada.

      Nessa toada, o art. 97 da Lei n.º 6.015/73 (Lei de Registros Públicos), alterado pela Lei Federal n.º 13.484/2017, diz que “a averbação será feita pelo oficial do cartório em que constar o assento à vista da carta de sentença, de mandado ou de petição acompanhada de certidão ou documento legal e autêntico”. Novamente os referidos textos falam apenas de “sentença”, e não de “decisão”.

      À evidência, parece que o legislador estagnou a interpretação do direito processual em relação ao Direito das Famílias, uma vez que não entrou em sintonia com Emenda Constitucional de 66/2010 – a Emenda do Divórcio –, que alterou o § 6º do art. 226 da Constituição Federal de 1988, suprimindo o requisito de prévia separação judicial por mais de 1 (um) ano ou de comprovada separação de fato por mais de 2 (dois) anos.

      Em termos jurisprudenciais, é importante citar o julgamento do REsp 1247098/MS, da 4ª turma, publicado no DJe 16/05/2017, com votos lapidares da relatora Ministra Maria Isabel Gallotti e do voto-vendido do Ministro Luiz Felipe Salomão.

      A 4ª turma do STJ entendeu que a EC 66/2010 não revogou os artigos de separação judicial no Código Civil de 2002, mas deixou evidente a flexibilização do divórcio, com diminuição da interferência estatal na autonomia familiar, já que constitui um verdadeiro direito potestativo dos cônjuges, cujo conceito lapidar encontra-se no voto-vencido: “direito potestativo dos cônjuges [é o de] acabar com a relação por meio do divórcio, independentemente de decurso de prazo ou qualquer outra condição impeditiva (‘cláusula de dureza’) (…)”.

      Aliás, esse julgamento da 4ª Turma do STJ faz parte da fundamentação de reconhecimento de repercussão geral no RE 1.167.478- RG, de relatoria do Min. Luiz Fux do STF, publicado em 21/06/2019, fixando o seguinte tema 1053: “separação judicial como requisito para o divórcio e sua subsistência como figura autônoma no ordenamento jurídico brasileiro após a promulgação da EC nº 66/2010”.

      Pois bem, se o direito potestativo é uma efetivação do princípio da liberdade familiar, conclui-se obviamente que a vontade livre e consciente de divorciar de um dos cônjuges é despicienda de aceitação pelo outro, nem mesmo pode ser substituída pelo juiz em processo judicial, por causa de sua natureza personalíssima. Assim, tudo indica que o casamento tem natureza mista, pois depende apenas da vontade consensual para sua formação do vínculo matrimonial, mas não à sua extinção, conquanto tutelados os seus efeitos pela ordem jurídica.

      No aspecto processual, e considerando o pedido judicial de divórcio um direito potestativo personalíssimo e não receptível dos cônjuges, sem relação de subordinação ou prejudicialidade com outros pedidos eventuais (divisão de bens, nome, alimentos e os filhos), bem como inexiste uma causa de pedir, tudo indica a desnecessidade de uma “sentença” ou “audiência de conciliação ou mediação” para terminar a sociedade conjugal, sendo cabível, na realidade, decisão interlocutória, entre as quais, temos as liminares concedendo o divórcio.

      Neste ponto, é necessário relembrar o critério de distinção entre sentença e decisão, a fim de adequá-la ao Direito das Famílias, para que possam fazer averbação no registro civil de pessoas naturais.

      A distinção entre sentença e decisão era incialmente pelo critério topográfico ou posicional, nos termos do texto original do art. 162, §1º, do Código de Processo Civil de 1973. Ou seja, a sentença seria apenas ao final do processo; enquanto os atos intermediários, as decisões interlocutórias. Adotava-se o princípio da unicidade ou da concentração da sentença.

      Com a reforma pela Lei n.º 11.232/2005, deixando o processo sincrético, o critério tornou-se pelo conteúdo, cujo teor diz o seguinte: a “sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei”. Em seguida, foi incluindo o § 6º ao art. 273 no CPC de 73, por meio da Lei 10.444/2002, ao prever que “a tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcelas deles, mostrar-se incontroverso”.

      Em seguida, o novo Código de Processo Civil de 2015 aperfeiçoou o conceito de sentença, pois, além de continuar o critério por conteúdo, a sentença também precisa encerrar a fase de cognitiva ou de execução, conforme o art. 203, § 2º, do CPC/2015.

      No tocante às decisões, e considerando a possibilidade de impugná-las no todo ou em parte (art. 1.002 do CPC/2015), há dois tipos: (i) uma julga antecipadamente o mérito e (ii) outra antecipa precariamente os efeitos do mérito, sendo que a (i) primeira é a decisão interlocutória de mérito (art. 356 do CPC/2015) e (ii) a segunda, a decisão interlocutória com tutela provisória de urgência e evidência (art. 294 do CPC/2015).

      Nesse novo contexto processual, é necessário compreender o art. 32 da Lei Federal n. 6.515/77, que falava que a “sentença definitiva do divórcio produzirá efeitos depois de registrada no Registro Público competente”, conforme explicação da 3ª turma do STJ e ementa da 9ª Câmara de Direito Privado do TJSP, nos respectivos voto e emenda transcritos abaixo:

      O advento do CPC/2015 pôs fim a essa controvérsia [possibilidade de cisão do julgamento do mérito], já que seu art. 356 prevê, de forma clara, as situações em que o juiz deverá proceder ao julgamento antecipado parcial do mérito. Esse preceito legal representa, portanto, o abandono do dogma da unicidade da sentença. Na prática, significa dizer que o mérito da causa poderá ser cindido e examinado em duas ou mais decisões prolatadas no curso do processo (REsp 1845542/PR, 3ª turma, relatora Ministra Nancy Andrighi, DJe 14/05/2021); e

      DIVÓRCIO. Decretação antecipada por decisão parcial de mérito, prosseguindo-se o feito em relação à controvertida partilha dos bens. Insurgência de um dos cônjuges, sob alegação de risco de prejuízo patrimonial. Não acolhimento término da sociedade conjugal incontroverso nos autos, sendo o divórcio um direito potestativo do cônjuge. Aplicação do art. 356, I, do CPC. Possibilidade de existência de meios próprios, que não a manutenção do casamento, para garantir proteção patrimonial ao cônjuge em relação aos bens partilhados. Decisão mantida, nos termos do art. 252 do RITJSP. Recurso improvido. (TJSP, Agravo de Instrumento 2190994-53.2020.8.26.0000; Agravante: L.M.G. Luciana Mori Gatto; Agravado: C.A.G.J. Celso Amilton Gatto Júnior; Relator(a): Alvaro Passos; Órgão Julgador: 2ª Câmara de Direito Privado; Foro da 1ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de Araçatuba; Publicação: 23/09/2020).

      Assim, é uma realidade a liminar de divórcio judicial, por meio de decisão interlocutória de mérito, de cognição exauriente e transitada em julgado (art. 356, § 3º, do CPC de 2015), ou antecipando os efeitos do mérito na tutela provisória de evidência.

      Pois bem, considerando a prefalada natureza do divórcio, que não enseja controvérsia processual, implicando ipso facto a desnecessidade de produção probatória nem revela perigo de dano ou resultado útil ao processo, uma vez que depende apenas de prova pré-constituída ou de evidência plausível de vontade de uma das partes de extinguir o vínculo matrimonial, tudo indica a possibilidade de divórcio liminar por meio de um julgamento antecipado parcial de mérito (art. 356 do CPC/2015) ou a concessão de tutela provisória de evidência (art. 311 do CPC/2015).

      Aliás, o que prejudica o resultado útil ao processo ou revela perigo de dano, ocorre exatamente quando um dos cônjuges pretende protelar a extinção do vínculo matrimonial, apegando-se a outros pedidos autônomos e independentes do pedido de divórcio, quais sejam, pensão e divisão patrimonial, por exemplo.

      Ademais, no tocante à tutela provisória de evidência, a natureza do divórcio também afasta o art. 9º do CPC/2015, ao dizer que “não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida”, caso não incida os incisos II e III do art. 311 do CPC/2015, uma vez que, em regra, incide o inciso IV do art. 311 do CPC de 2015 (“a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável”). Noutros termos, o direito potestativo ao divórcio não pode ser oposta pelo outro cônjuge nem gera dúvida razoável.

      O problema é que, para se tornar uma decisão definitiva, nos moldes do art. 32 da Lei Federal n. 6.515/77, conhecida por “coisa julgada ou transitada em julgado”, seria necessário transcorrer in albis o prazo bienal ou quinquenal da sentença ou decisão interlocutória, referente ao prazo decadencial da ação rescisória, a fim de averbar o divórcio liminar no registro de casamento.

      Acontece que o art. 975 do CPC de 2015 determinou o “direito à rescisão se extingue em 2 (dois) anos contados do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo” ou, ainda pior, o § 2º do citado dispositivo determina que “o termo inicial do prazo será a data de descoberta da prova nova, observado o prazo máximo de 5 (cinco) anos, contado do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo”.

      A súmula 401 do STJ, publicada em 13/10/2009, deixa expressa a lógica do art. 975 do CPC/2015: “O prazo decadencial da ação rescisória só se inicia quando não for cabível qualquer recurso do último pronunciamento judicial.”

      Noutros termos, note-se que, conquanto o CPC de 2015 adote a técnica de julgamento fracionado com a possibilidade de trânsito em julgado de mérito ou com tutela provisória de urgência e de evidência, parece que o legislador vinculou o art. 975 do CPC de 2015 ao princípio da unicidade ou da concentração da sentença do CPC de 1973, criando, assim, uma verdadeira contradição lógica dentro do mesmo sistema processual brasileiro.

      Não obstante, não parece coerente a aplicação do princípio da unidade do art. 975 do CPC/2015 com o direito potestativo ao divórcio, para fins de fixar o termo inicial do prazo decadencial da ação rescisória, de fundamental importância à configuração da coisa julgada.

      Ora, se o direito potestativo ao divórcio não enseja controvérsia processual, implicando ipso facto a desnecessidade de produção probatória nem revela perigo de dano ou resultado útil ao processo, uma vez que depende apenas de prova pré-constituída ou de evidência plausível de vontade de uma das partes de extinguir o vínculo matrimonial, tudo indica que se deveria privilegiar a efetiva tutela jurisdicional adequada ao direito material do Direito das Famílias, a duração razoável do processo e dos capítulos autônomos e sem subordinação com outros pedidos da decisão liminar, sob o viés da decisão interlocutória de mérito ou com tutela provisória de evidência.

      Por outro lado, caso alguém se sinta prejudicado (Ministério Público, terceiro prejudicado, um cônjuge ou seu sucessor a título universal ou singular), poderá ajuizar uma ação rescisória imediatamente, antes mesmo de principiar a contagem do prazo decadencial da rescisória, nos termos do art. 218, § 4º do CPC/2015 (“Será considerado tempestivo o ato praticado antes do termo inicial do prazo”).

      Portanto, e até que haja alteração dos Códigos de Normas das Corregedorias Estaduais de Justiça, seria prudente a ordem judicial de divórcio liminar deixar expressa a sua natureza de decisão interlocutória de mérito ou de tutela provisória de evidência com demanda estabilizada, em razão do direito potestativo ao divórcio, cuja extinção de vínculo matrimonial depende apenas da vontade das partes.

      Lourival da Silva Ramos Júnior – Titular da Serventia Extrajudicial de Ofício Único de Sucupira do Riachão/MA.

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