Artigo – A dignidade da mãe absolutamente incapaz no registro de nascimento – Lourival da Silva Ramos Júnior.

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    “10 Artigos Legais Essenciais para conhecer o Direito Notarial e Registral”

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      Assim como “O pequeno príncipe” arrancava as sementes ruins (boabás) para não destruir o seu pequeno planeta (o asteroide B-612), é necessário repeti-lo com as interpretações jurídicas. No caso, é preciso arrancar um “boabá” do registro civil de pessoas naturais, que é referente à sobreposição da representação legal sobre a manifestação de vontade da genitora absolutamente incapaz de declarar nascimento de seu filho.

      Entretanto, quando o referido assunto é lacunoso em Código de Normas, ad instar o Prov. 11/2013 (do Estado do Maranhão), será necessária a manifestação da Corregedoria-Geral da Justiça para resolver o problema, uma vez que os métodos tradicionais de interpretação/integração das normas, disponíveis aos oficiais de Registros Civis de Pessoas Naturais (RCPN), não permitem sincronizá-los com o direito personalíssimo ao estado de filiação do “registrado” (recém-nascido), que se entende como um dos desdobramentos da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, da CF/88).

      O problema exsurgiu com a notícia de suposta maternidade por genitora absolutamente incapaz (idade de 15 anos), razão pela qual se emprenhou em busca de procedimentos legais sobre a lavratura do registro de nascimento por mãe absolutamente incapaz. Contudo, notou-se um hiato normativo na Lei Federal n. 6.015/73 (Do Registro de Nascimento), no Código Civil (Das Relações de Parentesco) e no Provimento n. 11/2013 – CGJ/MA (Do Registro de Nascimento e da Averiguação de Paternidade).

      Ante tais omissões, o ideal seria adotar, como parâmetro normativo, as regras do Código Civil (art. 1.690 e art. 1.747, inciso I) e/ou do Estatuto da Criança e Adolescente (art. 142 da Lei Federal n. 8.069/90), os quais estão em sintonia com o art. 71 do Código de Processo Civil de 2015. Entretanto, tais normas cuidam da “representação e assistência” apenas no seu aspecto processual e patrimonial. No tocante à filiação, o Código Civil manteve o efeito declaratório do registro de nascimento (art. 52, 1º, da Lei n. 6015/73), quando o art. 1.603 do CC/02 determinou que “a filiação prova-se pela certidão do termo de nascimento registrado no Registro Civil”. Por outro lado, o art. 1.605 do CC/02 regulamentou o “estado de filiação”, a fim de suprir a falta ou defeito no assento de nascimento.

      Nesse contexto normativo, é possível concluir que a genitora absolutamente incapaz não poderá declarar (e sequer assinar) o assento de nascimento do seu filho, mas somente os seus representantes legais, ao contrário da previsão no art. 52, 1º, da Lei n. 6015/73, o qual, é importante frisar, não faz distinção quanto à capacidade absoluta ou relativa dos genitores. Entretanto, aquela interpretação restritiva foi seguida tanto pelo art. 535, § 2º, do Código de Normas da Corregedoria Geral de Minas Gerais (Provimento Conjunto nº 93/2020), quanto pelo art. 581, § 2º, do da Corregedoria Geral do Estado do Pará (“Sendo ou estando a mãe absolutamente incapaz, o registro será declarado por outra pessoa”).

      Não obstante, a referida interpretação privilegia o instituto da representação e assistência dos incapazes em prejuízo ao reconhecimento do estado de filiação, algo proibido pela parte final do art. 1.596 do CC/02. Aliás, o STJ configura o reconhecimento ao estado de filiação como um direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, que pode ser exercitado, sem nenhuma restrição, contra os pais ou seus herdeiros (Resp 1618230/RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª Turma, DJe 10/5/2017).

      Seguindo esse entendimento do STJ, sabe-se que, em regra, a maternidade é certa, quando nascida em hospital ou com parteiras, incluindo a sua identificação sem equívoco ou divergência na Declaração de Nascido Vivo (art. 54, § 1º, inciso I, da Lei n. 6.015/73), que é condição essencial para lavratura do registro de nascimento. Assim, dever-se-ia permitir a genitora absolutamente incapaz declarar (e assinar) o assento de nascimento do seu filho, uma vez que, neste caso, o nascimento é “ato-fato jurídico”, cuja capacidade da genitora não tem o condão de alterar o estado de filiação de ser mãe.

      Por outro lado, em relação ao genitor absolutamente incapaz, a paternidade não é certa, inclusive porque não se beneficia da presunção legal de ser pai (art. 1.597 do CC/02), em razão da expressa proibição de casar até atingir os 16 (dezesseis) anos de idade (art. 1.520 do CC/02, alterado pela Lei n. 13.811/2019). Dessarte, mesmo que o seu filho nasça em hospital ou com o auxílio de parteiras, a sua filiação não é certa, pois pode ser natural (consanguínea) ou civil (adoção e socioafetiva), razão pela qual o art. 5º, § 2º, do Prov. 26/2012, do CNJ, determina que o reconhecimento da paternidade pelo absolutamente incapaz dependerá de decisão judicial, a qual poderá ser proferida na esfera administrativa pelo próprio juiz que tomar a declaração do representante legal.

      Nesse contexto interpretativo, encontra-se previsão específica no item 42.3 do Capítulo XVII do Código de Normas de Serviços Extrajudiciais do Estado de São Paulo (Do Registro Civil das Pessoas Naturais), bem como no art. 166, § 3º, do Código de Normas da Corregedoria-Geral do Foro Extrajudicial do Estado do Paraná. No tocante à dita norma paranaense, é bom frisar que levou a sério o direito personalíssimo ao estado de filiação, uma vez que até dispensou a “representação e assistência” para declaração de nascimento pela genitora relativamente ou absolutamente incapaz, considerando o nascimento como um “ato-fato jurídico”.

      No Estado do Rio de Janeiro, contudo, permitiu a declaração de nascimento pelos “pais” absolutamente incapazes, uma vez que não houve distinção entre a “mãe” e o “pai”, conforme a transcrição textual do § 1º do art. 744 da Consolidação Normativa da Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro: “o menor de 16 anos deverá assinar o assento de nascimento, juntamente com seu representante legal, demonstrando, assim, sua intenção de reconhecer a paternidade ou maternidade estabelecida”.

      Não obstante, e a despeito de o menor de 16 anos declarar (e assinar) o nascimento, a normativa da Corregedoria do Estado do Rio de Janeiro reforça a segurança jurídica do serviço de RCPN, ao conciliar o direito ao estado de filiação junto com o instituto da representação jurídica.

      Portanto, é muito importante que os Código de Normas arranquem os “boabás” normativos relativos ao registro civil de nascimento, especialmente os Código de Normas lacunosos sobre a presente problemática, com o intuito de permitir a declaração de nascimento pela genitora absolutamente incapaz, juntamente com seu representante legal, sem prejuízo de outras obrigações legais, a exemplo da obrigação de comunicar a ocorrência de eventual prática do crime do art. 217-A do Código Penal aos órgãos de persecução penal (estupro de vulnerável).

      Lourival da Silva Ramos Júnior

      Tabelião/Registrador da Serventia Extrajudicial de Ofício Único de Sucupira do Riachão/MA

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