TJSP – CSM – Carta de arrematação – Título judicial que se sujeita à qualificação registral – Modo derivado de aquisição da propriedade – Desqualificação por inobservância ao princípio da continuidade.

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      PODER JUDICIÁRIO

      TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

      CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

      Apelação Cível nº 1010321-87.2023.8.26.0223

      Registro: 2024.0000161393

      ACÓRDÃO

      Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1010321-87.2023.8.26.0223, da Comarca de Guarujá, em que é apelante RICHARD LEANDRO DE ARAUJO, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE GUARUJÁ.

      ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

      O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

      São Paulo, 26 de fevereiro de 2024.

      FRANCISCO LOUREIRO

      Corregedor Geral da Justiça e Relator

      APELAÇÃO CÍVEL nº 1010321-87.2023.8.26.0223

      APELANTE: Richard Leandro de Araujo

      APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Guarujá

      VOTO Nº 43.011

      Registro de imóveis  Carta de arrematação  Título judicial que se sujeita à qualificação registral  Modo derivado de aquisição da propriedade  Desqualificação por inobservância ao princípio da continuidade  Impossibilidade de registro de compromisso de compra e venda em favor do executado, eis que ausente apresentação do instrumento do contrato para qualificação  Apelação não provida.

      Cuida-se de apelação interposta por RICHARD LEANDRO DE ARAÚJO contra a r. sentença de fls.1143/1144, que julgou procedente a dúvida e manteve a recusa do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Guarujá, em registrar a carta de arrematação extraída dos autos do Processo n.º 0002180-58.2007.8.26.0223, que tramitou perante a 1ª Vara Cível da Comarca de Guarujá, da ação de cobrança de contribuições condominiais movida pelo Condomínio Edifício Mirage III contra Rocildo Guimarães de Moura Brito.

      Alega o recorrente, em suma, que a arrematação em hasta pública constitui forma originária de aquisição da propriedade, razão pela qual, no seu entender, não há ofensa ao Princípio da Continuidade do Registro Público. Alternativamente, requer seja deferido o registro do compromisso de compra e venda celebrado entre o anterior promitente vendedor e o executado que, embora tenha contado com a anuência da proprietária tabular, não foi levado a registro (fls. 28/32).

      A Procuradoria Geral de Justiça opina pelo não provimento do recurso (fls. 1175/1179).

      É o relatório.

      Cuida-se de registro de carta de arrematação expedida pela 1ª Vara Cível da Comarca de Guarujá extraída dos autos do processo n.º 0002180-58.2007.8.26.0223, tendo por objeto a cobrança de contribuições condominiais referentes ao imóvel matriculado sob o nº 92.126, movida pelo Condomínio Edifício Mirage III contra Rocildo Guimarães de Moura Brito.

      O registro foi obstado por ofensa ao princípio da continuidade, nos termos dos artigos 195 e 237 da Lei 6.015/73, na medida em que o executado Rocildo Guimarães de Moura Brito não figura como proprietário do imóvel arrematado. Além disso, embora a arrematação tenha sido levada a efeito em ação de cobrança de débito condominial, que possui natureza de obrigação propter rem, entendeu o Sr. Oficial que não há mitigação do princípio da continuidade, de acordo com entendimento deste Conselho Superior da Magistratura.

      Suscitada, a dúvida foi julgada procedente nos termos da r. sentença de fls. 1143/1144, ora recorrida.

      Inicialmente, recorde-se que o título judicial também se submete à qualificação pelo Oficial, tal como dispõe o item 117 do Capítulo XX do Tomo II das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, cujo teor é o seguinte:

      “117. Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais.”

      Nesse sentido, convém destacar o seguinte trecho extraído de caso análogo:

      “De início, saliente-se que a origem judicial do título não impede a sua qualificação nem implica desobediência, como está no item 117 do Capítulo XX do Tomo II das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça e, no mais, é lição corrente deste Conselho Superior da Magistratura (mencione-se, por brevidade, o decidido na Apelação Cível n.º 0003968-52.2014.8.26.0453, j. 25.2.2016). Observe-se, ademais, que in casu se trata, verdadeiramente, de título judicial (passível, portanto, de qualificação), e não de ordem judicial (hipótese em que cumprimento seria coativo e independeria do exame de legalidade próprio da atividade registral.” (Apelação Cível1018352-48.2021.8.26.0100, Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, Relator Corregedor Geral Desembargador Ricardo Anafe, data do julgamento: 14/12/2021 grifo não no original).

      Este C. Conselho Superior da Magistratura tem decidido, inclusive, que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (TJSP; Apelação Cível 0003968-52.2014.8.26.0453; Relator (a): Pereira Calças; Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de Pirajuí – 1ª Vara; Data do Julgamento: 25/2/2016; Data de Registro: 13/4/2016).

      Fixada, pois, esta premissa, as razões recursais não merecem guarida.

      Consta da matrícula n.º 92.126 ser titular de domínio do imóvel Sanchez & Cia. Ltda., conforme R.01 de 28/12/2004 (fl. 14).

      O título cujo registro se pretende consiste na carta de arrematação extraída de processo judicial em que figurou como executado Rocildo Guimarães de Moura Brito, por conta do compromisso de compra e venda de fls. 28/32.

      Para o ingresso do título no fólio real, em obediência ao princípio da continuidade, Rocildo Guimarães de Moura Brito deve ostentar a condição de proprietário ou titular de direitos inscritos.

      Por força do princípio da continuidade, qualquer título de transmissão do imóvel só pode ter ingresso e dar causa a um registro stricto sensu se nele constarem, como afetados, referidos titulares de domínio. Deve, pois, haver perfeito encadeamento entre as informações inscritas e as que se pretendem inscrever, o que não ocorre no caso em pauta.

      A propósito, ensina Afrânio de Carvalho: “O princípio da continuidade, que se apóia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram sempre a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente. Ao exigir que cada inscrição encontre sua procedência em outra anterior, que assegure a legitimidade da transmissão ou da oneração do direito, acaba por transformá-la no elo de uma corrente ininterrupta de assentos, cada um dos quais se liga ao seu antecedente, como o seu subseqüente a ele se ligará posteriormente. Graças a isso o Registro de Imóveis inspira confiança ao público” (Registro de Imóveis, 4ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 253).

      Ademais, a alienação forçada em processo judicial, diversamente do consignado pelo recorrente, encerra transmissão derivada do direito de propriedade. Não se desconhece que, em data relativamente recente, o C. Conselho Superior da Magistratura chegou a reconhecer que a arrematação/adjudicação constituía modo originário de aquisição da propriedade. Contudo, tal entendimento acabou não prevalecendo, pois o fato de inexistir relação jurídica ou negocial entre o antigo proprietário e o adquirente (arrematante ou adjudicante) não é o quanto basta para afastar o reconhecimento de que há aquisição derivada da propriedade.

      Como destaca Josué Modesto Passos: “diz-se originária a aquisição que, em seu suporte fático, é independente da existência de um outro direito; derivada, a que pressupõe, em seu suporte fático, a existência do direito por adquirir. A inexistência de relação entre titulares, a distinção entre o conteúdo do direito anterior e o do direito adquirido originariamente, a extinção de restrições e limitações, tudo isso pode se passar, mas nada disso é da essência da aquisição originária”. (in PASSOS, Josué Modesto. A arrematação no registro de imóveis: continuidade do registro e natureza da aquisição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 111 e 112).

      Diversos são os precedentes deste Colendo Conselho Superior da Magistratura no sentido da impossibilidade de registro de carta de arrematação ou de adjudicação quando o imóvel não se encontra em nome daqueles que figuraram no polo passivo da lide:

      “REGISTRO DE IMÓVEIS – Carta de arrematação – Modo derivado de aquisição da propriedade – Observância do princípio da continuidade – Indispensável recolhimento do ITBI – Entendimento do Conselho Superior da Magistratura – Recurso não provido” (TJSP; Apelação Cível 1020648-60.2019.8.26.0602;Relator(a): Ricardo Anafe (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Data do Julgamento: 28/4/2020; Data de Registro: 14/5/2020).

      “REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida – Carta de arrematação – Qualificação obrigatória dos títulos judiciais – Propriedade do imóvel registrada em nome do executado e de terceira, em regime de condomínio – Ausência de participação do condômino na ação executiva ou decisão judicial determinando a eficácia da arrematação em relação à sua parcela da propriedade – Ofensa ao princípio da continuidade – Origem do débito em obrigação propter rem que não afasta a incidência do princípio e, consequentemente, o impedimento ao registro – Dúvida procedente – Recurso não provido” (TJSP; Apelação Cível 1007324-58.2017.8.26.0477; Relator(a): Ricardo Anafe (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Data do Julgamento: 3/3/2020; Data de Registro: 10/3/2020).

      Finalmente, não há como determinar o registro do compromisso de compra e venda celebrado entre Rocildo Guimarães de Moura Brito e os promitentes vendedores nele indicados (fls. 28/32), eis que o título não foi submetido à qualificação do Oficial. Em suma, não há como decidir sobre título não apresentado para qualificação.

      Reconhece-se, porém, a existência de antinomia entre a impossibilidade de se admitir a registro a carta de adjudicação ou de arrematação – diante da violação do princípio da continuidade, e o que foi decidido em caráter normativo no Tema Repetitivo 886 do Superior Tribunal de Justiça, do seguinte teor:

      a) O que define a responsabilidade pelo pagamento das obrigações condominiais não é o registro do compromisso de venda e compra, mas a relação jurídica material com o imóvel, representada pela imissão na posse pelo promissário comprador e pela ciência inequívoca do Condomínio acerca da transação;

      b) Havendo compromisso de compra e venda não levado a registro, a responsabilidade pelas despesas de condomínio pode recair tanto sobre o promitente vendedor quanto sobre o promissário comprador, dependendo das circunstâncias de cada caso concreto;

      c) Se restar comprovado: (i) que o promissário comprador imitira-se na posse; e (ii) o Condomínio teve ciência inequívoca da transação, afasta-se a legitimidade passiva do promitente vendedor para responder por despesas condominiais relativas a período em que a posse foi exercida pelo promissário comprador.

      O Superior Tribunal de Justiça, em precedente de natureza vinculante, em determinadas situações exclui do polo passivo da execução o condômino titular do domínio, substituindo-se pelo promissário comprador imitido na posse, ainda que o contrato preliminar não tenha sido levado ao registro imobiliário.

      A obediência ao precedente normativo, do Superior Tribunal de Justiça, porém, leva a um impasse: o arrematante ou adjudicante não consegue registrar a carta, uma vez que figura no polo passivo da execução somente o promissário comprador imitido na posse da unidade autônoma.

      Indispensável se faz encontrar soluções para superação do impasse, pena de inviabilizar centenas de execuções de cobrança de rateio de despesas condominiais.

      A solução que se afigura viável seria a intimação do condômino promitente vendedor e titular do domínio para tomar ciência da execução, usando por analogia o disposto no art. 799, IV do Código de Processo Civil. O promitente vendedor, segundo entendimento normativo do Superior Tribunal de Justiça, não é devedor, mas o imóvel que se encontra ainda formalmente registrado em seu nome será levado à excussão. Tal situação justifica a intimação, ainda que o compromisso de compra e venda não tenha sido levado ao registro imobiliário.

      A providência permite a um só tempo assegurar eventual direito ou interesse do promitente vendedor e superar o obstáculo da violação ao princípio da continuidade, sem inclui-lo, de outro lado, no polo passivo da execução, em obediência ao Tema Repetitivo 886 do Superior Tribunal de Justiça.

      É preciso entender que o princípio da continuidade enfrentou recentes dilemas, ao se deparar com determinadas situações jurídicas, como a ineficácia relativa do ato ou do negócio jurídico, e a extensão da responsabilidade civil a terceiros não devedores. Não são propriamente exceções à continuidade, mas apenas o reconhecimento de que certos atos são relativamente ineficazes, ou que terceiros são responsáveis patrimoniais sem serem devedores.

      Além dos casos de ineficácia do negócio jurídico, a situação jurídica de terceiros responsáveis, ou de responsabilidade sem débito, também cria aparente desafio ao princípio da continuidade.

      A obrigação vista como relação complexa, integrada de dois elementos, quais sejam, débito (schuld) e responsabilidade (haftung) é criação da doutrina alemã e, embora passível de críticas, gera explicação razoável para inúmeras situações em que o responsável pelo pagamento da dívida não é o devedor. O débito consiste no dever de prestar, na necessidade de observar determinado comportamento. A responsabilidade, na sujeição de bens do devedor ou de terceiro aos fins próprios da execução, ou, melhor, na relação de sujeição sobre o patrimônio.

      No caso em exame, o débito é do promissário comprador imitido na posse, segundo entendimento normativo do Superior Tribunal de Justiça, mas a penhora recai sobre a propriedade ainda em nome do promitente vendedor.

      Basta, para tanto, que determine o juiz a penhora da propriedade plena do imóvel, uma vez que a obrigação é “propter rem”, e tome a cautela de intimar o promitente vendedor titular do domínio, na forma do art. 799 do Código de Processo Civil, e que instrua a carta de arrematação, ou adjudicação, com cópias das peças do processo relativas a esses atos.

      Estará preservado a um só tempo o princípio da continuidade e resguardado eventual interesse do promitente vendedor e titular do domínio

      No caso concreto, porém, não há prova de referida intimação e sequer o compromisso de compra e venda foi apresentado em juízo ou ao registrador.

      Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

      FRANCISCO LOUREIRO

      Corregedor Geral da Justiça e Relator

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