TJSP – CGJ – Retificação de escritura pública – Título que atribui aos interessados o apartamento, sem referência à vaga de garagem – Imóveis que possuem matrículas autônomas – Situação que extrapola as específicas hipóteses de retificação.

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      PODER JUDICIÁRIO

      TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

      CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

      Processo CG n° 1128549-75.2018.8.26.0100

      (483/2019-E)

      Pedido de Providências – Retificação de escritura pública de compra e venda de imóvel – Título que atribui aos interessados o apartamento, sem referência à vaga de garagem – Imóveis que possuem matrículas autônomas – Situação que extrapola as específicas hipóteses de retificação previstas nos itens 53 e 54 do Capítulo XIV das NSCGJ por implicar modificação da declaração de vontade das partes e da substância do negócio jurídico realizado – Recurso não provido.

      Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

      Inconformados com a r. sentença [1] que desacolheu seu pedido, Tibor Simcsik e Ombretta Simcsik interpuseram apelação objetivando a retificação da escritura pública lavrada perante o 9º Tabelionato de Notas da Capital para que seja sanado o erro material havido em relação à descrição do imóvel negociado, eis que, equivocadamente, teria sido suprimida a vaga de garagem que é parte integrante da fração ideal adquirida. Sustentam que houve erro grosseiro na lavratura da escritura e no registro realizado, pois o proprietário da unidade autônoma em questão faz jus a uma vaga de garagem coletiva do edifício, tal como constou do instrumento particular de promessa de compra e venda celebrado com os antigos proprietários [2].

      A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso [3].

      É o relatório.

      Opino.

      Inicialmente, importa observar que o recurso foi impropriamente denominado apelação, pois a hipótese em análise não se refere a procedimento de dúvida, restrito aos atos de registro em sentido estrito. Em verdade, nos presentes autos, discute-se a possibilidade de retificação de escritura pública lavrada no 9º Tabelionato de Notas da Capital e consequente retificação de seu registro perante o 4º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, razão pela qual, tendo a parte manifestado seu inconformismo contra a r. decisão proferida no âmbito administrativo pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente da serventia extrajudicial, a apelação interposta deve ser recebida como recurso administrativo, na forma do art. 246 do Código Judiciário do Estado de São Paulo [4].

      Como é sabido, escritura pública é ato notarial que reflete a vontade das partes na realização de negócio jurídico, observados os parâmetros fixados pela Lei e pelas Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça, reproduzindo, portanto, exatamente aquilo que outorgantes e outorgados declararam ao Escrivão ou ao Escrevente. Bem por isso, há entendimento sedimentado desta Corregedoria Geral no sentido de que não pode o juiz substituir o notário ou uma das partes, retificando escrituras que encerram tudo quanto se passou e declarou perante aquele oficial [5].

      No caso em análise, a escritura foi lavrada ainda no ano de 1979 [6], tendo por objeto da venda e compra a unidade autônoma nº 204, localizada no 20° andar ou 21° pavimento do "Edifício Santos", localizado na Alameda Santos, 663, estando devidamente registrada [7].

      É sabido que as escrituras públicas, em regra, não comportam retificação e devem ser corrigidas por meio de lavratura de nova escritura pública e não, por determinação judicial. Não cabe ao juiz retificar escrituras que encerram tudo que se passou e foi declarado perante o Oficial, tanto que os livros de notas sequer apresentam colunas de averbações destinadas a tal fim, justamente por inexistir previsão legal a respeito. Sobre o tema, ensina Narciso Orlandi Neto que:

      “Não há possibilidade de retificação de escritura sem que dela participem as mesmas pessoas que estiveram presentes no ato da celebração do negócio instrumentalizado. É que a escritura nada mais é que o documento, o instrumento escrito de um negócio jurídico; prova pré-constituída da manifestação de vontade de pessoas, explicitada de acordo com a lei. Não se retifica manifestação de vontade alheia. Em outras palavras, uma escritura só pode ser retificada por outra escritura, com o comparecimento das mesmas partes que. na primeira, manifestaram sua vontade e participaram do negócio jurídico instrumentalizado” [8].

      E arremata com a lição de Pontes de Miranda:

      "(..) falta qualquer competência aos Juízes para decretar sanções e, até, para retificar erros das escrituras públicas: escritura pública somente se retifica por outra escritura pública, e não por mandamento judicial" [9].

      A despeito disso, nos casos em que a retificação decorre de mero erro material, perceptível pela simples confrontação de documentos ou outras provas com o erro alegado, excepcionalmente se admite a retificação.

      Em que pese o alegado pelos recorrentes, na escritura em análise o alegado equívoco recaiu sobre o objeto do contrato de compra e venda, ou seja, sobre a inclusão, ou não, da vaga de garagem, de modo que não se cuida de erro material evidente. Destarte, a inclusão da vaga de garagem importaria em indevida interferência na manifestação de vontade das partes, que já a deixaram consignada formalmente no título lavrado.

      Veja-se que a certidão de propriedade da matrícula nº 35.511 do 4° Oficial de Registro de Imóveis da Capital refere-se ao apartamento, sem qualquer referência à garagem [10], que, aliás, tem matrícula autônoma [11].

      Acrescente-se que a possibilidade de retificação de mero erro material não autoriza a correção de equívoco cometido pelos próprios interessados, que teriam adquirido também outro imóvel, diverso daquele descrito. A propósito, preceituam os itens 53 e 54 do Capítulo XIV das NSCGJ:

      "53. Os erros, as inexatidões materiais e as irregularidades, constatáveis documentalmente e desde que não modificada a declaração de vontade das partes nem a substância do negócio jurídico realizado, podem ser corrigidos de oficio ou a requerimento das partes, ou de seus procuradores, mediante ata retificativa lavrada no livro de notas e subscrita apenas pelo tabelião ou por seu substituto legal, a respeito da qual se fará remissão no ato retificado.

      53.1. São considerados erros, inexatidões materiais e irregularidades, exclusivamente: a) omissões e erros cometidos na transposição de dados constantes dos documentos exibidos para lavratura do ato notarial, desde que arquivados na serventia, em papel, microfilme ou documento eletrônico; b) erros de cálculo matemático; c) omissões e erros referentes à descrição e à caracterização de bens individuados no ato notarial; d) omissões e erros relativos aos dados de qualificação pessoal das partes e das demais pessoas que compareceram ao ato notarial, se provados por documentos oficiais.

      54. Os erros, as inexatidões materiais e as irregularidades, quando insuscetíveis de saneamento mediante ata retificativa, podem ser remediados por meio de escritura de retificação-ratificação, que deve ser assinada pelas partes e pelos demais comparecentes do ato rerratificado e subscrita pelo Tabelião de Notas ou pelo substituto legal.

      Como se vê, a retificação de escritura pode ser levada a efeito por dois modos: a) ata retificativa; e b) escritura de retificação. De acordo com o item 53.1 acima transcrito, apenas quatro tipos de erros, inexatidões materiais e irregularidades admitem a via da retificação. Isso ocorre justamente porque a retificação da escritura é uma providência anormal e o alargamento de suas hipóteses poderia dar azo a fraudes e insegurança jurídica.

      O caso que aqui se analisa não se enquadra em nenhuma das hipóteses descritas no item 53.1. A que mais se aproxima – letra "c" do item 53.1 (omissões e erros referentes à descrição e à caracterização de bens individuados no ato notarial) – pressupõe indicação correta do bem (bens individuados no ato notarial), embora com descrição errada, o que não se dá nesse caso, em que o imóvel negociado incluiria também a vaga de garagem, diversamente do quanto consignado no ato.

      Ressalte-se que, não obstante o item 54, que trata da escritura de retificação, não tenha repetido a parte inicial do item 53, que trata da ata retificativa, a ambas se aplicam as seguintes condições para retificação do ato notarial: desde que não modificada a declaração de vontade das partes, nem a substância do negócio jurídico realizado. A admissão da inscrição da retificação pretendida pelos recorrentes, nessa situação, infringiria esses dois pressupostos, pois a vontade das partes seria alterada – uma vez que não há qualquer indício de que o Tabelião que lavrou a escritura de compra e venda tenha se equivocado ao mencionar apenas o apartamento, sem inclusão da vaga de garagem, certo que a determinação da coisa é elemento constitutivo do negócio realizado.

      Assim, é possível afirmar que, no ambiente administrativo, ainda que perante o Poder Judiciário, mas fora do processo contencioso, a questão levantada pelos recorrentes não se resolve com a simples retificação das inscrições questionadas, lançadas na escritura pública de compra e venda e respectivo registro imobiliário.

      Nesses termos, o parecer que submeto à elevada consideração de Vossa Excelência é no sentido de ser recebida a apelação como recurso administrativo, na forma do art. 246 do Código Judiciário Estadual, e de ser negado provimento ao recurso.

      Sub censura.

      São Paulo, 02 de setembro de 2019.

      STEFÂNIA COSTA AMORIM REQUENA

      Juíza Assessora da Corregedoria

      DECISÃO: Aprovo o parecer da MM.ª Juíza Assessora, por seus fundamentos, que adoto, para receber a apelação como recurso administrativo, na forma do art. 246 do Código Judiciário Estadual, e a ele negar provimento. São Paulo, 05 de setembro de 2019. (a) GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO, Corregedor Geral da Justiça – Advogados: ROGERIO PEREIRA SIMCSIK, OAB/SP 109.931 e RAPHAEL GONÇALVES SIMCSIK, OAB/SP 346.557.  

      Diário da Justiça Eletrônico de 11.09.2019

      Decisão reproduzida na página 172 do Classificador II – 2019

      Notas:

      [1] Fls. 134/135 e embargos de declaração decididos a fls. 149/150.

      [2] Fls. 154/173.

      [3] Fls. 187/189.

      [4] Artigo 246 – De todos os atos e decisões dos Juízes corregedores permanentes, sobre matéria administrativa ou disciplinar, caberá recurso voluntário para o Corregedor Geral da Justiça, interposto no prazo de 15 (quinze) dias, por petição fundamentada, contendo as razões do pedido de reforma da decisão.

      [6] Fls. 29/32.

      [7] Fls. 17/21.

      [8] "Retificação do Registro de Imóveis". Juarez de Oliveira, p. 90.

      [9] Cf. R.R. 182/754  "Tratado de Direito Privado". Parte Geral. Tomo III. 3ª ed. 1970. Borsoi. § 338. p. 361.

      [10] Fls. 117/120.

      [11] Fls. 58/59.

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