TJSP – CSM – Dúvida – Negativa de Registro de Escritura Pública de Inventário e Partilha – Ordem de indisponibilidade de bens que não afeta a transmissão causa mortis – Princípio da saisine.

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      PODER JUDICIÁRIO

      TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

      CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

      Apelação Cível nº 1002386-66.2022.8.26.0114

      Registro: 2023.0000575218

      ACÓRDÃO

      Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1002386-66.2022.8.26.0114, da Comarca de Campinas, em que são apelantes CÉLIA JANES REIS e ANA PAULA REIS CÉU, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE CAMPINAS.

      ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

      O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

      São Paulo, 29 de junho de 2023.

      FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

      Corregedor Geral da Justiça e Relator

      APELAÇÃO CÍVEL nº 1002386-66.2022.8.26.0114

      APELANTES: Célia Janes Reis e ANA PAULA REIS CÉU

      APELADO: 2º Oficial de Registro de Imóveis e anexos da Comarca de Campinas

      VOTO Nº 39.031

      Apelação – Dúvida – Negativa de Registro de Escritura Pública de Inventário e Partilha – Dúvida que não está prejudicada – Insurgência integral aos óbices lançados pelo registrador – Ordem de indisponibilidade de bens que não afeta a transmissão causa mortis – Princípio da saisine – Inexistência de dúvida quanto à identidade das partes – Atendimento ao princípio da especialidade subjetiva – Dúvida improcedente – Recurso a que se dá provimento.

      Trata-se de apelação interposta por CÉLIA JANES REIS e ANA PAULA REIS CÉU contra a r. Sentença (fls. 160/164), proferida pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente do 2º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Campinas, que julgou prejudicada a dúvida suscitada ante a ausência de impugnação de todos os óbices ofertados.

      A Nota de Exigência n.º 56.270 indicou como motivos de recusa do ingresso do título:

      “Fica parcialmente reiterada a nota devolutiva anterior (n.º55.796), expedida no âmbito da prenotação n.º 394.354, quesegue abaixo reproduzida:

      O presente título não obteve ingresso ao fólio imobiliário em razão das seguintes exigências:

      Primeiramente, verifica-se há arquivado junto com as matrículas nº 52.332, 52.333, 52.376 e 52.377 mandado de indisponibilidade de bens e direitos de Rubens Reis, e mandado de levantamento de indisponibilidade da parte ideal dos imóveis de Célia Janes Reis, mantendo a indisponibilidade de Rubens, expedido pela 2ª Vara Cível da Comarca de Ibitinga/SP, nos autos do Processo de Improbidade Administrativa nº 0009300-50.2006.8.26.0236. Portanto, para o registro do inventário e partilha necessário apresentar autorização judicial emitida nos autos do processo acima mencionado.

      Superada a exigência acima, em atenção ao artigo 176, inciso II, 4, “a”, da Lei nº 6.015/73 e ao princípio da especialidade subjetiva, necessário:

      a) Apresentar o RG de Celia Janes Reis desmaterializado mediante uso da CENAD ou em formato físico (cópia autenticada) na recepção da serventia, para averbação nas matrículas nº 52.332 e 52.333”.

      Sustentam as recorrentes, em suma, que houve impugnação aos óbices ofertados. Afirmam que a indisponibilidade dos bens não constitui óbice ao registro da escritura pública de inventário e partilha eis que, com fulcro no Princípio da Saisine, a herança foi transferida à herdeira-filha, que assumirá, nos limites do patrimônio transferido, as dívidas do falecido. No mais, há possibilidade de transposição de dados constantes das matrículas nº 52.376 e 52.377 para as matrículas nº 52.332 e 52.333, sem qualquer risco na identificação da interessada, já que os documentos são dotados de fé pública e oriundos da mesma serventia registral.

      A D. Procuradoria Geral de Justiça opina pelo não conhecimento do recurso ou, alternativamente, pelo não provimento (fls. 262/267).

      É o relatório.

      Cuida-se de registro de escritura pública de inventário e partilha lavrada perante o 2º Tabelião de Notas e de Protesto de Letras e Títulos da Comarca de Ibitinga, no Livro n.º 464, págs. 221/228, datada de 29 de setembro de 2021, em que figurou como inventariado Rubens Reis, como viúva meeira Célia Janes Reis e como herdeira Ana Paula Reis Céu, tendo por objeto os imóveis matriculados sob n.º 52.332, 52.333, 52.376 e 52.377.

      Em suma, funda-se a recusa do Registrador na existência de ordem de indisponibilidade dos bens do falecido Rubens Reis, bem como na necessidade de apresentação do RG da viúva meeira Célia Janes Reis, desmaterializado mediante uso da CENAD ou em formato físico (cópia autenticada) para averbação nas matrículas n.º 52.332 e 52.333 em atenção ao princípio da especialidade subjetiva.

      Suscitada a dúvida, foi julgada prejudicada ante a ausência de impugnação da integralidade dos óbices ofertados (fls. 160/164).

      O recurso comporta provimento.

      De proêmio, importa consignar que a dúvida não se encontra prejudicada.

      É dos autos que houve impugnação aos dois óbices remanescentes (nota devolutiva n.º 56.270).

      No que concerne à indisponibilidade dos bens do falecido Rubens Reis, cuidaram as recorrentes de pontuar que não constitui óbice ao registro da escritura pública de inventário e partilha eis que, com fulcro no Princípio da Saisine, a herança foi, de pronto, transferida à herdeira-filha, que assumirá, nos limites do patrimônio transferido, as dívidas do de cujus.

      No mais, houve insurgência quanto à exigência de apresentação do RG da viúva meeira Célia Janes Reis ao argumento de que há identificação da parte e os dados pessoais já constantes das matrículas nº 52.376 e 52.377 podem ser transportados para as de n.º 52.332 e 52.333.

      Pois bem.

      Consoante informado pelo Oficial Registrador as ordens de indisponibilidade dos bens do falecido Rubens Reis não estão averbadas nas matrículas teladas porque, à época, inexistente previsão legal. Foi, então, realizado o bloqueio dos bens, no Livro próprio n.º 24, em 04 de dezembro de 2002, e foi arquivada a certidão expedida pela Serventia juntamente com as matriculas n.º 52.376, 52.377, 52.332 e 52.333.

      A ordem de indisponibilidade não impede o registro pretendido.

      Conforme dispõe o artigo 1.784 do Código Civil a transmissão dos bens aos herdeiros se dá no momento do óbito, sendo o processo de inventário apenas o meio pelo qual se dá a partilha dos bens.

      “Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários”.

      O registro da partilha não é, pois, indispensável para comprovar a propriedade – que é transferida aos herdeiros imediatamente após a abertura da sucessão (saisine).

      Como nos ensina Caio Mario da Silva Pereira:

      “A abertura da sucessão dá-se com a morte, e no mesmo instante os herdeiros a adquirem. Em nenhum momento, o patrimônio permanece acéfalo. Até o instante fatal, sujeito das relações jurídicas era o de cujus. Ocorrida a morte, no mesmo instante são os herdeiros. Se houver testamento, os testamentários; em caso contrário, os legítimos. Verifica-se, portanto, imediata mutação subjetiva. Os direitos não se alteram substancialmente. Há substituição do sujeito. Subrogação pessoal pleno iure. É o sistema, aliás, predominante nos países de espírito latino”.

      Neste sentido é a recente decisão do C. Superior Tribunal de Justiça:

      “CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO SUCESSÓRIO. OMISSÃO. INOCORRÊNCIA. QUESTÃO EFETIVAMENTE ENFRENTADA. PRINCÍPIO DA SAISINE. TRANSFERÊNCIA IMEDIATA DA PROPRIEDADE DOS BENS DO FALECIDO AOS HERDEIROS. COPROPRIEDADE DO TODO UNITÁRIO INTITULADO HERANÇA. INDIVISIBILIDADE E CONDOMÍNIO ATÉ A PARTILHA. INDIVISIBILIDADE APÓS A PARTILHA. POSSIBILIDADE. BENS PARTILHADOS EM FRAÇÕES IDEIAIS DOS BENS. COPROPRIEDADE DOS HERDEIROS SOBRE AS FRAÇÕES IDEIAIS. PRÉVIO REGISTRO DO TÍTULO TRANSLATIVO COMO CONDIÇÃO DA AÇÃO DE DIVISÃO OU EXTINÇÃO DO CONDOMÍNIO. INADEQUAÇÃO. FINALIDADE DO REGISTRO. PRODUÇÃO DE EFEITOS EM RELAÇÃO A TERCEIROS E VIABILIZAÇÃO DE ATOS DE DISPOSIÇÃO PELOS HERDEIROS. DISPENSABILIDADE PARA A COMPROVAÇÃO DA PROPRIEDADE DOS HERDEIROS. APELAÇÃO JULGADA POR FUNDAMENTO DISTINTO DOS ALEGADOS PELA PARTE. ARGUMENTOS SUSCITADOS PELA PARTE DESCONSIDERADOS NO ACÓRDÃO E NÃO REITERADOS NAS CONTRARRAZÕES DO RECURSO ESPECIAL. INOCORRÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL PREJUDICADO.” [1]

      Disto decorre, pois, que o registro do domínio em nome do sucessor tem mero caráter declarativo uma vez que a real transferência é antecedente e já se consolidou com a morte do autor da herança.

      A indisponibilidade, portanto, continuará em vigor, produzindo todos os seus efeitos até contra-ordem do Juízo competente.

      Em outras palavras, a transmissão da propriedade ocorre ex vi legis, não havendo qualquer ato de disposição da propriedade impedido pela ordem de indisponibilidade.

      O bem permanecerá indisponível, mas registrado em nome do sucessor do autor da herança, sem que, desse modo, haja qualquer prejuízo acerca para a indisponibilidade inscrita.

      Ultrapassado, assim, o primeiro óbice, tampouco se sustenta a segunda exigência.

      Ao Oficial Registrador cabe a qualificação dos títulos que lhes são apresentados para evitar a prática de atos atentatórios aos princípios básicos do direito registral ou que tornem insegura e não concatenada a escrituração.

      A finalidade do princípio da especialidade subjetiva é identificar, individualizar, aquele que está transmitindo ou adquirindo algum tipo de direito no registro de imóveis, tornando-o inconfundível com qualquer outra pessoa.

      A falta da qualificação das partes violaria o princípio da segurança jurídica que norteia os atos registrários, uma vez que gera a ocorrência de dúvida em relação a real identidade deles.

      Contudo, é preciso bem aquilatar o sentido e a extensão do referido princípio.

      Verifica-se das matrículas n.º 52.376, 52.377, 52.332 e 52.333 que a viúva meeira Célia Janes Reis está qualificada com o CPF n.º 005.719.418-18, o qual coincide com o número lançado no título levado a registro (fls. 11/18).

      Há, portanto, plena identificação da parte, em atenção ao princípio da especialidade subjetiva e o disposto no art. 176, da Lei n.º 6.015/73, in verbis:

      “Art. 176: O Livro nº 2 – Registro Geral – será destinado, à matrícula dos imóveis e ao registro ou averbação dos atos relacionados no art. 167 e não atribuídos ao Livro nº 3.

      § 1º A escrituração do Livro nº 2 obedecerá às seguintes normas:

      (…)

      4) o nome, domicílio e nacionalidade do proprietário, bem como:

      a) tratando-se de pessoa física, o estado civil, a profissão, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da Fazenda ou do Registro Geral da cédula de identidade, ou à falta deste, sua filiação;

      Assim, eventual averbação do número do RG poderá se dar oportunamente sem que isso constitua óbice ao pretendido registro do título.

      Finalmente, observada a ordem de prioridade, deverá ser procedida a prenotação e a consequente averbação a que se refere o decisum copiado às fls. 258.

      Por essas razões, pelo meu voto, dou provimento ao recurso, julgando improcedente a dúvida.

      FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

      Corregedor Geral da Justiça e Relator

      NOTA:

      [1] RECURSO ESPECIAL Nº 1.813.862 – SP (2019/0055975-5) RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI

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